Paulo Alves cruzou-se com João Pereira em 2005/06. A meio da época, o então diretor desportivo do Gil Vicente, foi convidado a assumir a posição de treinador, com uma missão difícil em mãos, a de garantir a permanência no clube de Barcelos. João Pereira fazia então parte do plantel, na altura cedido pelo Benfica.

Desse tempo, o técnico de 55 anos, que deixou recentemente o Lugo de Espanha, guarda boas recordações do antigo defesa direito.

"Daquilo que eu conheci do João Pereira, é um miúdo bom, com um coração enorme, muito dado ao trabalho, extremamente profissional, intenso, difícil às vezes de gerir. Não no mau sentido porque queria ganhar tudo e mais alguma. Eu, se fizesse um exercício de um dois contra um, ele queria ganhar tudo e ficava nervoso se não ganhasse esse exercício. Foi dos melhores jogadores que eu treinei nesse aspecto, de querer, de trabalho, de entrega, de vontade de ganhar sempre", recorda, em entrevista exclusiva ao SAPO Desporto.

Agora no papel de treinador do Sporting, e não estando Paulo Alves por dentro dos processos, o antigo craque do Gil Vicente fez o diagnóstico do problema do seu ex-pupiloto. O técnico acredita que a causa para este início titubeante poderá estar na menor assertividade demonstrada pelo treinador dos verdes e brancos.

"A questão de ser treinador, é a capacidade que temos de envolver um grupo num compromisso coletivo, de ser uma referência, ser alguém que nas dificuldades transmite confiança e o que aconteceu aqui é que o Sporting passou de um treinador cuja principal arma é essa, em termos de envolver toda a gente, um motivador e um comunicador de excelência para alguém que não está neste momento a conseguir lidar", começa por dizer, ressalvando no entanto, que apesar da mudança de equipa técnica, não era suposto haver um impacto tão negativo nas exibições e resultados.

Nota-se que não está confortável, a linguagem corporal no banco, nas conferências de imprensa o discurso não é fluído e não parece ter uma ideia definida, e isso naturalmente vai criando desconfiança, diz Paulo Alves

"É difícil de perceber, mesmo com a mudança de treinador não poderia haver esta 'décalage' tão grande em termos de resultados. Era aceitável haver uma quebra, mas há uma diferença muito grande. E não posso falar da parte tática, que há sempre diferenças", analisa, prosseguindo.

"Conheço o João, e tenho uma grande estima por ele, foi um dos principais dinamizadores da manutenção que obtivemos com o Gil Vicente, mas sinto que o João não está a conseguir transmitir essa segurança. O legado é grande", afiança.

Instado sobre se João Pereira devia ter recuado perante o convite de Frederico Varandas, o antigo avançado reconhece que o apelo era irresistível, e dá o exemplo da sua experiência, quando assumiu o comando do Gil Vicente em 2005/06, e garantiu a permanência. Ainda assim, tem o cuidado de distinguir as duas situações, até porque a pressão de treinar um grande é outra.

"Hoje, a esta distância, eu não estava preparado [quando assumi o Gil Vicente] e tenho quase a certeza que o João não está. Eu, na altura, era um jovem, mas não conseguimos resistir a estes apelos. Eu sentia na altura que era capaz. Mas não estava preparado, era a minha primeira experiência enquanto treinador, mas não à dimensão desta experiência, são coisas diferentes. Quando peguei no Gil Vicente era um clube com história de Primeira Liga, mas que volta e meia também descia, e se eventualmente descêssemos... mas nesse ano até o Vitória de Guimarães desceu", recordou Paulo Alves, antes de analisar a situação do Sporting.

"Não tem nada a ver com a situação do Sporting, que estava super bem na Champions, e também acredito que o João também sabe que não está preparado ainda, ou pelo menos não teve uma experiência que se possa comparar. É diferente treinar a equipa B, na Liga 3, onde sabemos que não há uma grande exigência, o objetivo é mais formar. Os apelos são irresistíveis, mas por vezes estes comboios não passam duas vezes. E, se porventura, este convite não surgisse, este comboio não passaria mais. Até poderia passar, mas à partida não é fácil."

"É diferente treinar a equipa B, na Liga 3, onde sabemos que não há uma grande exigência, o objetivo passa por formar jogadores", recorda Paulo Alves

Paulo Alves consegue-se colocar nos pés do antigo pupilo, e recorda os primeiros momentos de angústia que viveu quando assumiu o comando de um clube de Primeira Liga.

"No meu caso, naquelas primeiras semanas - e o João já disse que tem dificuldades em dormir - acordava às cinco da manhã, a pensar que tinha que ir dar o treino. Era o clube da minha cidade onde morava, onde tinham nascido os meus filhos, onde eu casei e tudo isso. É um peso muito grande, imagino o que o João tem sentido nas últimas semanas".

Os sinais que saltam à vista a partir do banco têm demonstrado que o João Pereira não tem estado confortável. Paulo Alves faz uma analogia em relação ao que transparece ser a liderança do novo treinador do Sporting.

"Imaginemos que estamos num barco, no meio da tempestade, o barco abana por todo o lado, mas se olharmos para o capitão e ele estiver assustado, a correr de um lado para o outro, vai-se instalar o pânico. Mas se por outro lado virmos o nosso capitão calmo, de cabeça levantada, a dar as suas ordens, as pessoas tranquilizam-se. 'Calma que estamos a ver alguém que está a lidar com isto de forma tranquila'. Nota-se que o João está pouco confortável com a posição e isso vai-se transmitir, já se está a transmitir aos adeptos e está a criar-se um clima difícil de reverter. Espero que consiga dar a volta, mas parece-me que está a ser difícil", analisa.

Paulo Alves: uma radiografia aos 'três grandes'

Com vários décadas de experiência de futebol, como jogador e treinador, é alguém mais que habilitado para fazer a radiografia do momento dos 'três grandes' e das equipas sensação até ao momento na nossa Liga.

"Há sempre um clube que se intrometem entre os cinco, seis primeiros, este ano tocou ao Santa Clara. Em relação aos 'grandes', tínhamos a ideia de que o Sporting com o Ruben Amorim tinha via aberta para o bicampeonato, o Benfica deu o ar da sua graça, com a mudança do Roger Schmidt para o Bruno Lage. Já fez bons jogos, como por exemplo contra o Atlético Madrid e o FC Porto, em que de facto demonstrou que pode fazer bem melhor. De há umas semanas para cá as exibições não têm sido convincentes", começou por analisar.

Em relação à realidade FC Porto, tem a convicção que a liderança de Vítor Bruno ainda não cativou. "Normal que hajam dores de crescimento perante as mudanças [saídas de Pinto da Costa e Sérgio Conceição]. No caso de Vítor Bruno a comunicação é mais elaborada, e articulada, mas é uma liderança que ainda não cativou, que ainda não encontrou uma forma de criar empatia com os sócios. O Vítor também tem que criar essa ligação, senão também o caminho será difícil. Ao nível dos clubes grandes a exigência é tão grande, para além das questões técnico-táticas, também tem de se ter carisma. Não tendo isso...  Ao nível dos clubes grandes, uma personalidade que se sinta que é forte nas dificuldades responde de forma criteriosa e objetiva e isso não está a acontecer com o Sporting e FC Porto neste momento".

Sobre as equipas sensação e a luta pela manutenção, considera que os padrões são idênticos em relação aos campeonatos anteriores. "Temos o SC Braga e o Vitória, clubes que vão andar sempre ali nas posições cimeiras. O Braga tem aspirações a mais, mas tem tido dificuldades para dar esse passo. O Vitória tem tentado chegado a esse patamar, também lhe falta algumas coisas. O Moreirense desde o ano da subida tem mantido a estrutura de um ano para o outro, a equipa do ano passado foi o da Segunda Liga. O  treinador do Moreirense [na altura Rui Borges], disse muitas vezes no ano passado que assentava no trabalho do ano de Segunda Liga, teve também essa amabilidade de reconhecer. Vai incluindo alguns jogadores com qualidade e vai fazendo o seu trabalho de uma forma estável. Depois há sempre os clubes, na segunda metade da tabela, que vão lugar pela manutenção, tentando evitar os lugares mais complicados, mas será essa perspectiva que teremos até final", finalizou.