"Queremos ter mais transportes, queremos ter transportes de qualidade. Queremos ter regularidade. Queremos ter investimentos nos transportes. Por outro lado, temos que financiar esses custos, nomeadamente o seu funcionamento", afirmou Ulisses Correia e Silva, questionado pelos jornalistas durante uma visita à ilha de São Vicente.

Conforme atualização decidida pela Direção Nacional de Política do Mar, noticiada esta manhã pela Lusa e que entra em vigor em 20 de abril, as tarifas dos transportes marítimos interilhas em Cabo Verde vão subir 80% para cidadãos não residentes e 20% para residentes.

"Há 11 anos que as tarifas dos transportes marítimos de passageiros não são atualizadas. Portanto, os custos aumentam todos os anos. Há 17 anos que as tarifas para transporte de mercadorias e cargas não é atualizada. Portanto, faz todo o sentido esta atualização, até para garantir a sustentabilidade mínima dos operadores e, ao mesmo tempo, aumentar o nível de serviço. E é isso que temos estado a trabalhar, no sentido de termos mais barcos disponíveis e melhorar também o nível da concessão e o nível exigido também aos operadores", acrescentou Ulisses Correia e Silva.

A Associação para Defesa do Consumidor (ADECO) de Cabo Verde contestou hoje o aumento das tarifas dos transportes marítimos, face à atual conjuntura, e considerou, entre outros pontos, que a medida pretendeu atender às reclamações dos armadores.

"A DECO emitiu um parecer consultivo e não vinculativo sobre o assunto, não negando a legitimidade e legalidade do Governo a nível da atualização de tarifas, mas a nossa perspetiva é que foi feita para atender às reclamações dos armadores e à alegação do Governo de aumento e de segurança da frota, e não tendo totalmente em conta qual é a real situação dos consumidores", afirmou à Lusa Nelson Faria, secretário e membro do conselho diretivo daquela organização.

O despacho que aprova, através do Ministério do Mar, a alteração tarifária, refere que a última atualização dos preços no setor dos transportes marítimos "remonta a 2006, no tocante às tarifas de carga movimentada por embarcações de cabotagem, e a 2012, no que tange aos preços aplicados ao transporte marítimo de passageiros".

De acordo com o membro da ADECO, os consumidores cabo-verdianos estão a atravessar um momento difícil, com redução dos rendimentos e aumento do custo de vida, logo a disponibilidade de aceder a serviços de transportes é limitado e condicionado por isso.

"Somos um país arquipelágico, as pessoas precisam de transportes marítimos interilhas", salientou a mesma fonte, enfatizando ainda as reclamações dos consumidores em relação aos serviços.

O aumento de 80% abrange os turistas, atividade que representa 25% do Produto Interno Bruto de Cabo Verde, e os cidadãos nacionais que não residem no arquipélago.

Sobre isso, o responsável da ADECO chamou a atenção para casos de cabo-verdianos com dupla nacionalidade e para como será feita a diferenciação sobre se é residente ou não: "Vai aumentar a insatisfação e o sentimento de exclusão e de não pertença de alguns cidadãos cabo-verdianos".

No despacho, o Governo justificou o aumento com a "presente conjuntura demanda uma ponderação ao nível das tarifas aplicadas, por força da inflação acumulada desde a última atualização, devido aos efeitos da crise económica, causada pela pandemia do covid-19, à guerra no leste europeu e ao aumento significativo no custo dos transportes, que ditaram uma subida substancial do preço dos combustíveis, agravando a níveis insustentáveis a estrutura dos custos das empresas armadoras nacionais".

Acrescenta que existe "uma necessidade premente de renovação da frota nacional e o aumento de frequências, segurança, regularidade e previsibilidade em todas as linhas", o que "reclama uma justa rendibilidade dos operadores face aos investimentos feitos no setor, bem como atualizações tarifárias que garantam a sustentabilidade da concessão dos serviços públicos de transporte marítimo interilhas".

A concessão do serviço público de transporte marítimo interilhas de passageiros e carga foi entregue, após concurso público internacional, à CV Interilhas, detida em 51% pela portuguesa Transinsular (Grupo ETE), por um período de 20 anos.

Só a CV Interilhas transportou cerca de um milhão e meio de passageiros em três anos de operações no arquipélago, segundo dados divulgados em agosto à Lusa pela empresa, que na linha São Vicente -- Santo Antão tem a concorrência de outro armador.

Nesta atualização verificam-se igualmente aumentos na tarifa base da carga geral, na ordem dos 17%, bem como de 20% no transporte de mercadorias em câmaras frigoríficas e no transporte de animais vivos.

O aumento de todas as tarifas é ainda justificado face aos "últimos aumentos de combustível ocorridos", que representam "um acréscimo substancial do preço dos combustíveis, estimado em 38,5% entre janeiro 2022 e janeiro 2023, que oneram os custos de funcionamento das empresas armadoras nacionais".

A medida é justificada ainda com "a solicitação dos armadores ao Governo com vista à necessária atualização das tabelas de preço em vigor, de modo a refletir aos aumentos dos custos operacionais ocorridos por força desses aumentos de combustíveis e a justa rendibilidade dos operadores face o risco dos investimentos feitos no setor, em linha com a melhoria dos serviços prestados", acrescenta-se.

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