O Clube de Regatas do Flamengo, com suas origens no remo e nos desportos aquáticos em finais do século XIX, tornar-se-ia ao longo do século seguinte numa das mais aguerridas equipas do futebol brasileiro. Conquistando seu primeiro título no futebol profissional em 1914, quando o futebol no Brasil ainda era uma distração para as elites, onde o racismo era preponderante, com o boicote a futebolistas negros, a equipe rubro-negra tentava manter-se entre as principais forças do futebol carioca, então o mais bem quisto entre os adeptos do ludopédio, o nome com o qual alguns teóricos locais tentaram em vão batizar o 'football', importado dos ingleses. Entre títulos regionais e fracassos nacionais, o Flamengo, com a popularidade do rádio, tornou-se numa equipa das grandes massas ao longo do século XX.
Porém, engana-se quem pense que o Flamengo dominara o futebol brasileiro e também o sul-americano nos tempos das imagens a preto e branco. A equipa com sede na Gávea, zona sul do Rio de Janeiro, só viria a ser campeã nacional em 1980, com sua geração de ouro, comandada por Zico e uma equipa com vários grandes jogadores, alguns dos quais encantaria o mundo no célebre Mundial’1982 em Espanha. Zico e companhia que, em 1981, na primeira participação do Flamengo na Taça Libertadores da América, faturaria o título, até hoje o único do clube na mais importante competição da América do Sul. Esta fabulosa equipa do Flamengo de 1981 é até hoje celebrada entre adeptos de todas as idades como o maior Flamengo de todos os tempos.
Mas após a glória, o Flamengo conheceria também a miséria e toda uma infinita falta de sorte pelos relvados sul-americanos nos anos e décadas seguintes. Lá se vão 35 anos desde a última vez que a equipa chegou às meias de final da Libertadores. Foram anos a fio de derrotas e eliminações traumáticas que marcaram gerações e gerações de fervorosos adeptos. Eis que em 2019, com um português de modos caricatos à beira do relvado a assumir a equipa a meio da temporada brasileira, o Flamengo consegue voltar a uma meia de final da Taça Libertadores. Para isso, precisou superar o forte e organizado Internacional de Porto Alegre.
Com uma vantagem considerável da primeira mão, após vitória por 2-0 no Rio de Janeiro, o Flamengo até teve as melhores oportunidades na primeira parte do jogo realizado no sul do Brasil. Nas melhores ocasiões, Gabriel desperdiçou a chance de resolver a eliminatória. Na segunda parte, um Internacional aflito para marcar dois golos que levassem a decisão aos penáltis, que até chegaria a criar esperanças com o golo de cabeça de Rodrigo Lindoso. Nesta altura, o Inter era quem ditava o ritmo, com Jorge Jesus a ver sua estratégia mais conservadora a ser desafiada ao limite, até que no minuto 85’, um contra-ataque iniciado com o talentoso extremo Bruno Henrique, que encontraria o cada vez mais goleador Gabriel (sim, o mesmo Gabigol que há dois anos esteve no Benfica), para marcar o golo de empate e da classificação do Mengão as meias de final, 35 anos depois!
A noite no Rio de Janeiro foi mais barulhenta que de costume, com samba e muitos fogos de artifício a dar música e cores para a alegria da nação rubro-negra. O Flamengo medirá forças agora com o Grêmio, outro rival gaúcho, nas meias de final da Libertadores, com os jogos a realizarem-se em outubro. Durante o próximo mês, os adeptos do Flamengo passarão apenas a sonhar com estes dois jogos, e já pensar na final, talvez contra um colosso argentino como Boca Juniors ou River Plate. E depois ainda, no mais otimista dos sonhos rubro-negros, a final do Mundial de Clubes, talvez exatamente como há 38 anos, quando Zico e seus habilidosos colegas derrotaram o Liverpool na final da Taça Intercontinental de 1981. Este badalado Flamengo de 2019 está a evocar os espíritos adormecidos das antigas glórias, e seus adeptos não querem acordar deste sonho.
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