A noite desta terça-feira deixou todos com a boca aberta depois de terem apreciado mais uma obra de arte na Borisov Arena. O FC Porto foi à Bielorrússia fazer uma visita ao BATE, com o seu fato de turista vestido, numa viagem que se imaginava ser uma pequena cortesia. No entanto, acabou por ser obrigado a tirar a roupa descontraída e a vestir o fato de operário para trazer de lá uma imagem para um bom postal. Partida da quinta jornada da Liga dos Campeões terminou com uma vitória dos portistas por uns justos 3-0.
Os seis graus negativos que se fizeram sentir no início da visita foram um prenúncio daquilo que veio a assistir-se durante os primeiros 45 minutos da viagem ao leste europeu. Ambas as equipas queriam vencer, mas por motivos e necessidades bem distintas. A formação portuguesa queria assegurar desde já o lugar no topo do grupo H enquanto a equipa da casa pretendia manter-se na luta pela montra da Europa.
Não foi isso que se verificou. Os pupilos de Julen Lopetegui pareciam estar mais interessados em desfrutar daquela que foi a sua primeira viagem à Bielorrússia e abordaram o jogo numa expectativa demasiado rígida. O gelo de Borisov congelou as ideias dos homens lusos e, deste modo, deram 45 minutos de avanço aos “auri-azuis”, que ainda viviam a ressaca do eneacampeonato conseguido no fim-de-semana passado.
Mas havia um artista escondido entre os restantes. Ele passou do realismo ao expressionismo num piscar de olhos. Chama-se Héctor Herrera e, depois de ter perdido demasiado tempo a analisar o contexto em que poderia desenvolver a sua pintura, chegou-se à frente e pegou no pincel. O mexicano estava farto de ver “rabiscos de rua” e mostrou aos companheiros a técnica, as cores e os traços que uma obra de arte deve ter. Sozinho partiu a moldura tática desenhada pelo BATE e convidou os seus companheiros a fazerem o mesmo.
Os bielorrussos perceberam que, embora tivessem um belo rascunho, teriam de dar cor ao projeto para que este pudesse ter algum significado. Adiantaram linhas, sempre a régua e esquadro, mas não abandonaram a rigidez da sua pintura inicial. Tentaram manter a solidez defensiva, passe o desenquadramento em relação à realidade. Pior. Não sabiam pintar a tela de outra forma, as ideias eram poucas e a inspiração estava do lado dos visitantes. Melhor, de um dos visitantes.
Normalmente o narcisismo dos grandes artistas acaba por impedir que estes brilhem ainda mais. O mexicano contornou os conceitos pré-estabelecidos e ofereceu o pincel do segundo golo a Jackson Martínez, um velho artista que parecia ter-se esquecido de como pegar no pincel (melhor marcador da equipa com cinco golos) e apadrinhou a estreia de Tello a marcar com a camisola dos “dragões”, outro artista com talento desmedido.
Com três pinceladas de mestre se fez o resultado final naquele país de leste europeu e se assinalou um bom prenúncio para o resto da prova: a última vez que o FC Porto não perdeu nenhum dos jogos fora (03/04) foi campeão europeu com José Mourinho.
Em jeito de conclusão convém dizer que por vezes, o caráter de um artista tarda em exprimir-se mas, quando isso acontece, sucede de forma inequívoca, inesperada e com um impacto desmedido. Foi o que fez Herrera, que pintou, fez pintar e ganhou o direito de assinar uma tela que chegou a parecer ter apenas tons cinzentos.
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