Portugal conquistou meio mundo na época dos Descobrimentos, corria o século XV. Agora, seis séculos volvidos, há outros descobridores. Não é de agora que o treinador português descobriu o mercado no estrangeiro, mas hoje mais do que nunca, são muitos os que estão por terras de além-mar e além-terra. Em comum com Vasco da Gama, Nuno Álvares Cabral ou Diogo Cão, Manuel Cajuda, José Peseiro e Henrique Calisto têm a coragem de embarcar em novos desafios, não importa o destino. Egito, Arábia Saudita ou Vietname foram alguns dos locais por eles escolhidos para fazerem aquilo que sabem: treinar jogadores de futebol.
«Humanizar o futebol cria empatias, é a base do sucesso, para além do conhecimento técnico. É o carater português que faz a diferença». As palavras são de Henrique Calisto, atual treinador do Paços de Ferreira. Em 2001 partiu para o Vietname, ai ficou até 2010, no Long An e depois na seleção nacional daquele país. No ano que passou, antes de regressar a Portugal e à capital do móvel, esteve na Tailândia, no Muang Thong Utd, clube ainda jovem – nasceu em 1989 -em comparação com a maioria dos emblemas lusos.
«Se calhar muitos não sabem, mas quem transportou para o Vietname o alfabeto latino foi um padre português. A História que temos, transportamo-la. Esforçamo-nos por conhecer as realidades. Se na Europa Portugal é conhecido, no Oriente, e mais ainda no extremo Oriente, ninguém conhece Portugal. A única bandeira que há é o futebol. Temos orgulho por sermos a bandeira, não só de Portugal, mas do povo que somos», contou o treinador que, tal como Cajuda e Peseiro, participaram na terça-feira no Fórum do Treinador, que decorreu no Porto.
Se a formação é parte importante, e todos os técnicos estão cientes disso, seja conhecimentos da área em causa, quer de línguas ou novas tecnologias, este lado mais humanitário, de que falou Calisto, corroborado por José Peseiro e Manuel Cajuda, é um sucesso. E as histórias são variadas.
«[O treinador luso] Não olha só para o treino, não pensa só no jogo. Cria infraestruturas. O anglo-saxónico, por exemplo, é frio. Vivi no Vietname quando as condições não eram ótimas, o selecionador não ficava com a equipa no hotel. É posto no treino, apita e às vezes nem fala», conta. Também Cajuda, agora na União de Leiria, tem estórias destas para partilhar. «Tive um jogador à experiência em Inglaterra. Falaste com o treinador? perguntei-lhe. Não nunca o vi, respondeu-me o jogador e prosseguiu: Desceu três vezes, estavam lá treinadores de campo. Falou contigo? Não, nunca», contou Cajuda.
Para Manuel Cajuda, que esteve por duas vezes no Egito, a primeira no comando do Zamalek SC (de 2005 a 2007) e depois no Al Sharjah (de 2009 a 2011), a vida de treinador «não é de saltimbanco» como se possa pensar. Sente que é mais valorizado além-fronteiras do que cá, partilhando a ideia de «escrutínio diário» a que estão sujeitos com Paulo Bento, e só lamenta que lá por fora tenha sempre tido como adversário um outro Manuel, o José, que lhe ganhou sempre.
«Numa final da taça, começamos a ver a bandeira portuguesa hasteada junto bandeira egípcia. Porquê, perguntei eu?Porque eramos dois treinadores portugueses. Ele ganhou-me sempre. O meu mal foi ele lá estar, fiquei sempre em segundo», conta Cajuda, entre risos e elogiando o colega de profissão.
O treinador sente que quando não tiver mais trabalho aqui, terá sempre lugar lá fora, ainda que, como disse Peseiro, «não haja lobby» como há «para os técnicos brasileiros». «Para chegar aqui partimos muita pedra, mas sei quando sair daqui vou sair da quarta melhor liga do Mundo».
«No Brasil têm a mania de dizer que a cada hora nasce um jogador do futebol. Tenho a noção de que a cada hora nasce um treinador em Portugal. É bom porque quanto mais quantidade e qualidade melhor para nos impormos como nação do futebol europeu. Por outro, é mau porque há mais concorrência», brincou Peseiro. Tal como Cajuda e Calisto, Peseiro acredita na humanização que os portugueses levam para dentro de campo. «O que define o sermos bons treinadores é que estamos predestinados. Somos intuitivos, inteligentes, sensíveis, temos um lado estratégico muito forte. Não é de agora. Temos um passado com enormes treinadores, viveram e foram intuitivos (Artur Jorge, José Maria Pedroto). O futebol foi sendo feito do conhecimento empírico, da imaginação e da criatividade», explicou.
Formação, trabalho, muito, imaginação, criatividade, sentido humano, inteligência, fácil adaptação. Ingredientes que estes três treinadores misturam bem para fazer nascer o sucesso do treinador português, aqui e lá fora. Se há 30 anos poucos eram os que tinham visibilidade, nos dias de hoje são cerca de uma centena a operar no estrangeiro. E por cá, na I Liga, em 16 equipas todos eles são lusos.
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