Foi preciso misturar outros elementos culturais para chamar a atenção do público português para a vela. Durante quatro dias, a Regata de Portugal virou atração no Tejo, com o frenesim de gente e de embarcações no Terminal de Cruzeiros de Santa Apolónia. A organização chamou a música popular e a gastronomia para se juntarem aos trimarans Diam 24, os 'Ferraris' dos Mares.
Foram 24 velejadores, nacionais e internacionais, distribuídos em oito equipas de diferentes países: Portugal (2), França, Suécia, Austrália e Holanda (2). Jorge Lima, velejador olímpico e o único português já qualificado para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, e Hélder Basílio defenderam as cores de Portugal em duas embarcações e não deixaram os seus créditos por mãos alheias.
Numa prova de quatro dias, cada equipa recebia um ponto por cortar a meta em primeiro lugar. O segundo recebia dois, o terceiro três, e assim sucessivamente. A equipa francesa da Lusitânia Seguros foi a vencedora desta edição, ao somar menos pontos que os restantes.
Jorge Lima mostrou credenciais ao guiar a sua equipa (Rádio Comercial) até ao quarto lugar, seguido de Hélder Basílio, que comandava o trimarã do Diário de Notícias. Resultados satisfatórios, tendo em conta que os dois velejadores lusos não estão habituados a embarcações com estas características (os Diam 24 podem atingir velocidades até 45 km por hora em menos de 10 segundos).
Muita música nesta edição
No meio do rio esteve um palco flutuante, o Palco Tejo, que convidou a que entrassem 'Todos a Bordo da Regata de Portugal' com muita música, animação e surpresas. Era daí que o velejador John Tavares, na 'pele' de comentador, ia explicando as manobras aos presentes, sempre na companhia de um convidado.
A partir das 21 horas a festa passava para terra firme com os Santos Pa’Pulares a transformarem a beira rio no maior Santódromo de Lisboa. Todos os dias houve um Arraial com o 'Show Daqui para Fora' e a atuação de um artista de música popular no Palco Terra. Iran Costa foi o cantor escolhido para o primeiro dia da Regata. Seguiram-se Ágata, Mónica Sintra e André Henriques.
Uma boa forma de atrair e chamar a atenção do público português para a vela, uma modalidade que já conheceu melhores dias em Portugal.
"Com a história que Portugal tem no mar e na vela, com os descobrimentos e toda essa parte cultural, há várias coisas que faltam no país" - Jorge Lima
A Vela em Portugal
Desde os Jogos Olímpicos de 1996, em Atlanta, EUA, que Portugal não consegue qualquer medalha olímpica na vela. Na sequência do evento, o SAPO Desporto falou com os 'skippers' das duas equipas portuguesas em prova para perceber como está a modalidade em Portugal neste momento. Tanto Jorge Lima, da equipa Rádio Comercial, como Hélder Basílio, da equipa Diário de Notícias, admitiram que existem algumas lacunas a preencher na vela.
Acompanhado por José Costa e pelo irmão Gustavo Lima, Jorge Lima conseguiu o 4.º lugar da prova e, apesar de satisfeito com o resultado, mostrou-se ainda desapontado com o estado da modalidade em Portugal, mas forneceu a receita para resolver a situação.
"Com a história que Portugal tem no mar e na vela, com os descobrimentos e toda essa parte cultural, para além ainda dos velejadores portugueses a nível competitivo mais recentemente, eu penso que há várias coisas que faltam", começa por dizer.
"O facto de eu estar à frente numa regata não me garante que vá vencer. É isso que torna a vela mais apelativa para as pessoas" - Hélder Basílio
Jorge Lima considera que "para trazer o povo português para esta modalidade, é preciso que os media divulguem mais este tipo de eventos". "Penso que eventos como a Regata de Portugal aqui em Lisboa são uma grande ajuda para a vela porque o trabalho de todos fica facilitado", defende.
"Nós velejadores mostramos aquilo que fazemos, e os media têm de mostrar às pessoas que também há vela perto de terra e que também há vela gira de se ver. Esta envolvência toda torna este evento tão especial e penso que neste evento não falta nada para as pessoas conhecerem a vela melhor", acrescenta ainda o velejador português.
Já Hélder Basílio, que terminou a Regata de Portugal em 5.º lugar, considera igualmente que o evento é muito importante para chamar pessoas a assistir, mas aponta uma solução diferente.
"O facto de agora se fazer ‘stadium racing’, que são estas regatas muito perto da costa, é espetacular para as pessoas poderem vir ver e perceber a realidade da vela", começa por admitir.
Hélder Basílio explica ainda que "na verdade, numa regata com estas condições, as posições classificativas estão sempre a trocar". "O facto de eu estar à frente numa regata não me garante que vá vencer. É isso que torna a vela mais apelativa para as pessoas, a minha família esteve a ver e disse que foi espetacular ver de terra", revela.
Quanto ao problema da vela em Portugal, o velejador não hesita na resposta: financiamento. "Precisamos de mais apoios. Apoios são o essencial para ser possível organizar bons campeonatos com grandes nomes do panorama da vela", lamentou o velejador madeirense.
"Os clubes estão a fazer o que podem para meter os atletas mais jovens a velejar, mas parte tudo de uma iniciativa das federações e até das próprias câmaras municipais para dar mais luz à atividade e chamar mais pessoas", acrescenta ainda Hélder Basílio.
Números e contas
A nível de financiamento, a verdade é que a vela já viu melhores dias. Segundo as estatísticas do ‘Pordata’, em 2017 a modalidade recebeu 782 mil euros em apoios.
Desde 1996 – primeiro ano com dados disponíveis – o valor do financiamento à vela tem sido bastante inconstante. Inicialmente a modalidade recebeu 986.123 mil euros, sendo que o ano com o valor mais elevado foi o de 2002, com 1.663.545 euros recebidos.
Por outro lado, o ano em que a vela recebeu menos apoios foi em 2013, com 628.110 euros.
Esses mesmo financiamentos oscilam conforme o número de atletas federados na modalidade. Assim sendo, em 1996, a vela tinha 1878 velejadores federados e, atualmente, conta com 2367 atletas.
O ano com maior número de velejadores federados foi o de 2007, em que se registaram 3043 atletas. Já o ano com menos indivíduos na modalidade foi o de 2014 com apenas 1841.
Levar o nome do país além-fronteiras
Uma forma de aumentar os apoios a um determinado atleta ou conjunto de atletas é a participação em competições internacionais. Jorge Lima prepara-se agora para levar a vela portuguesa ainda mais longe, assim como Hélder Basílio, embora em competições diferentes.
Hélder Basílio explica qual o próximo passo depois do final da Regata de Portugal. "Para mim depois desta competição vem a preparação para o campeonato da Europa na classe Flying Phantom com a equipa da UON Sailing Team, que será em Itália, no Lake Garda", conta.
Já Jorge Lima e José Costa têm outra ideia em mente depois de em agosto do ano passado qualificarem Portugal para os Jogos Olímpicos de 2020 no 49er, ao assegurarem a presença na 'Medal Race' dos Mundiais de classes olímpicas, que decorreram em Aarhus, Dinamarca.
"Este tipo de competições requerem muita destreza, porque isso consideramos que a Regata de Portugal serve um pouco como o início da nossa preparação para os Jogos Olímpicos" - Jorge Lima
O velejador português contou ao SAPO Desporto como foi a qualificação e o que planeia fazer daqui para a frente.
"No ano passado conseguimos uma coisa muito difícil de fazer que foi garantir a qualificação logo na primeira oportunidade que houve para qualificar o país. Vínhamos de lesões, houve uma série de imprevistos em cima da prova, então apenas queríamos fazer o nosso melhor, tentar realmente, porque sabíamos que se fisicamente estivéssemos bem e com a cabeça no sítio poderíamos fazer algo de bom", começa por contar.
A dupla Jorge Lima e José Costa ficou em 9.º no Mundial, em quase 100 barcos. "Foi realmente um feito, não diria inesperado, mas foi espetacular, conseguimos a qualificação para os Jogos Olímpicos e a permanência no projeto olímpico do Comité Olímpico de Portugal, que nos garante financiamento e todos os apoios necessários até aos Jogos", explica ainda o velejador.
Já com Tóquio na mira, a dupla traçou o plano para fazer o melhor possível nos Jogos Olímpicos.
"Para os Jogos do ano que vem consideramos que temos mais tempo para nos prepararmos como deve ser", refere Jorge Lima, acrescentando que a equipa está a "fazer já tudo muito focado objetivamente nos Jogos em Tóquio, perante as condições, pesos da tripulação, entre outras coisas."
No entanto, Jorge Lima prefere não avançar com prognósticos. "Não gostamos de avançar com expectativas específicas de resultados, mas consideramos que um diploma - ou seja, os oito primeiros - seria um grande resultado", admite.
"Sabemos que tudo é possível, a vela é um desporto um pouco imprevisível e nada está garantido, portanto as coisas podem estar melhores do que isso, só temos de trabalhar. Mas só na altura é que vamos ver o que conseguimos celebrar", lembra Jorge Lima.
O velejador português explica ainda quais as semelhanças entre as regatas nos Jogos Olímpicos de Tóquio e a Regata de Portugal, que foi já vista como um pré-treino.
"A Regata de Portugal tem algumas características idênticas àquilo que se vai passar nos Jogos Olímpicos. O barco é um pouco diferente, no entanto o tipo de regata é parecido", explica.
"São poucos barcos, nós estamos habituados a fazer regatas de 40, 50 ou 60 barcos, aqui são apenas oito e nos Jogos Olímpicos vão ser 19, é tudo muito perto, são barcos parecidos e muito rápidos", acrescenta ainda.
Jorge esclarece também que "este tipo de competições requerem muita destreza, porque isso consideramos que a Regata de Portugal serve um pouco como o início da nossa preparação para os Jogos Olímpicos."
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