David Coulthard concedeu uma entrevista exclusiva ao SAPO Desporto, antes do Red Bull Showrun Lisboa, que decorreu no último fim de semana em Belém, Lisboa. Ao longo da conversa, o escocês de 52 anos abordou o estado da atual Fórmula 1 e comentou a sua entrada no grande circo, em 1994, num dos piores momentos da sua carreira (foi substituir Ayrton Senna, que acabara de morrer em Imola).

Ainda na entrevista, o homem que correu na Fórmula 1 entre as épocas 1994 e 2008, explicou-nos da sua visão sobre igualdade de género e a entrada das mulheres na Fórmula 1, com a iniciativa 'More than Equal'. Coulthard revelou-nos ainda porque não tem saudades de correr a nível competitivo.

Nesta primeira parte da entrevista, o antigo piloto de Fórmula 1, atual consultor da Red Bull, abordou as mudanças que a prova rainha do desporto motorizado foi sofrendo ao longo dos anos. O escocês de 52 anos frisou que "a evolução da segurança anda de mãos dadas com a educação dos humanos" e lembrou que "não fazemos a mesma coisa que faríamos há 40 ou 50 anos". Esta evolução é bem visível, por exemplo, na questão da segurança na Fórmula 1.

Veja a primeira parte da entrevista a David Coulthard

No início eram uns tipos loucos com capacetes de pele e uns óculos

"Se olhar para a evolução da Fórmula 1 que começou em 1950, na altura eram ex-pilotos e tipos loucos, com capacetes de pele e uns óculos, sentados num carro sem cintos de segurança. A teoria era que seria mais seguro num acidente ser projetado do carro porque o tanque de combustível era feito de alumínio e havia o risco de incêndio", recordou.

Muitos especialistas da modalidade têm abordado a falta de competitividade na Fórmula 1 atual. As muitas regras, cada vez mais exigentes, são apontadas como algumas das razões pela quebra de paixão na prova rainha do desporto motorizado. Hoje em dia são cada vez menos as batalhas em pista e os pilotos têm de seguir à risca várias regras, que muitas vezes os impede de atacarem ou se defender em pista como o público quer.

A passagem dos motores V8 para a era híbrida em 2014 retirou ainda mais emoção à Fórmula 1. A Mercedes foi quem melhor se adaptou e venceu os primeiros sete campeonatos (seis de Lewis Hamilton e um de Nico Rosberg). A Red Bull quebrou a hegemonia da marca alemã e venceu em 2022, estando bem lançada para revalidar o título em 2023 já que parece estar muito à frente da concorrência, principalmente com Max Verstappen, atual bicampeão, em pista.

Todos os pilotos com o mesmo carro? Nem pensar

E se todos pilotos tivessem o mesmo carro, isso iria aumentar a competividade em pista? David Coulthard recorda que "isso existe, é a Fórmula 2", mas que ninguém quer ver a Fórmula 2 "porque não é tão bom como a Fórmula 1."

"Isso existe, é a Fórmula 2, mas o mundo não vê a Fórmula 2 porque não é tão bom como a Fórmula 1. Eu entendo, também gostaria de saber quem é o melhor piloto, mas nunca vamos atingir isso em termos de engenharia, porque há sempre pequenas diferenças ou não consegue fazer um motor funcionar se não há um espaço entre um pistão e cilindro, o pistão não entra e sai. E com pequenas e micro diferenças em vários momentos isso faz com que um motor possa ter mais ou menos potência. A engenharia está num nível muito elevado mas não existe essa coisa de idêntico", atirou.

O antigo vice-campeão mundial em 2001, na McLaren, atrás do alemão Michael Schumacher, lembrou que a competição vai além dos pilotos. Passa também pela parte da engenharia, numa modalidade que tem "o nível mais elevado de tecnologia, atraiu os maiores fabricantes em empresas internacionais, tem as pessoas mais empreendedoras."

Quem é o melhor piloto? Difícil dizer

E por a engenharia desempenhar um papel tão importante na Fórmula 1 é que nunca vamos quem é o melhor piloto, "se Hamilton é melhor que Max [Verstappen], ou Max melhor do que o Charles [Leclerc]."

"A Fórmula 1 é um coletivo, é uma equipa, não é só sobre o piloto. O carro determina a performance base, e se olhar para a Red Bull, isto são os factos dos resultados este ano, Max explorou o seu carro que é o mesmo com pequenas diferenças de engenharia que o carro do Checo [Sergio Perez], mas o Max extraiu mais desempenho e por isso lidera o Campeonato. Aqui tem uma comparação direta, mas entre dois pilotos, na Mercedes e na Ferrari tem o mesmo", analisou.

A evolução tecnológica levou-nos até a inteligência artificial, hoje em dia presente no dia-a-dia das pessoas, com várias ferramentas que "ajudam as pessoas a tomar melhores decisões" . A sua chegada a Fórmula 1 será uma questão de tempo. Mas poderá um robô conduzir um carro de Fórmula 1?

"Hoje, um carro de Fórmula 1 autónomo seria mais capaz de conduzir num circuito, de forma mais consistente, com menos erros do que um ser humano, mas então não tínhamos o desporto", recordou Coulthard.

"Adoramos a tecnologia como pessoas mas adoramos interação, somos animais sociais. E se tem um sistema de IA de um parceiro perfeito e chega a casa e essa voz sugere as coisas que quer, de forma perfeita, porque a conhece tão bem, pode pensar que é muito bom mas depois quer saber onde está uma pessoa que possa abraçar, concordar e discordar. Por isso acho que as pessoas nunca vão seguir essa tendência, vai haver os que vão gostar da tecnologia e os animais sociais que nunca vão conseguir estar sozinhos e eu sou provavelmente um deles", completou.

O que é ser piloto? Uma "batalha mental " para "encontrar a perfeição"

Numa entrevista com um olhar sobre o passado para compreender o futuro, questionámos David Coulthard sobre a definição de um piloto excelente. O escocês recordou que o piloto trava uma "batalha mental consigo próprio" para "encontrar a perfeição".

"Os melhores pilotos têm sempre uma velocidade incrível, a capacidade de qualificar um carro. E se olha para um Ayrton Senna, Schumacher ou Max, estes tipos muitas vezes nas qualificações estão atrás dos concorrentes e na última volta encontram o tempo. Sob uma pressão incrível conseguem de alguma forma perceber o que fazer com o carro e como trabalhá-lo. Porque ocasionalmente recebemos um carro perfeito, em termos de feeling pensamos que não saberíamos o que precisávamos de ter mais, em termos de equilíbrio. Mas muitas vezes há um elemento em que o carro está um pouco comprometido e temos de nos adaptar a isso, para explorar a performance em outras áreas na pista, e os melhores pilotos, de vários campeonatos, são capazes de lidar com essa limitação", respondeu.

Então os melhores pilotos são os melhores a cumprir as regras e não os que as contestam?

"Bem, se olhar para o Michael Schumacher e até Harrison, às vezes faziam coisas que podem ser consideradas antidesportivas. Para todos os fãs de Ayrton Senna, que eu também sou, e do Schumacher que reconheço, podem ficar desiludidos ou zangados por eu dizer isso, mas não acreditem só nas minhas palavras. Os reguladores são os comissários e por vezes davam-lhes penalidades. E as regras, num desporto de tecnologia, por vezes não têm linhas sólidas, são um pouco flexíveis. Já no ténis as linhas estão muito bem definidas e não é debatível agora saber se a bola estava dentro e fora. A Fórmula 1 tem muitos dados para regular se os carros cumprem as regras mas depois quando chega à parte de regular a ética da condução, de pilotos que se movimentam na pista ou fazem test breaks, isso que alguns fizeram e que eu não consideraria correto, .... Mas no final temos de ser justos para quem avalia", finalizou.

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