Roger Schmidt tornou-se campeão ao serviço do Benfica na temporada passada, mas se as pessoas acreditam que a equipa da temporada passada é a mesma desta época, talvez devessem ler este artigo para perceber que existem diversas diferenças.
Mudam os jogadores, mudam algumas dinâmicas, todavia, os macro princípios de jogo são os mesmos.

Com bola, em organização ofensiva, o Benfica aplica um 4-2-3-1 que é facilmente desmembrado em consequência das dinâmicas da equipa. Schmidt traz consigo a escola alemã e a verticalidade nela existente. A largura é oferecida pelos laterais e existe uma aglomeração de jogadores em corredor central (principalmente pelos 4 jogadores mais avançados no terreno de jogo), procurando movimentos de rotura com o objetivo de ganhar a profundidade ou de criar espaço entre linhas. Para além disso, Roger Schmidt trouxe consigo (e acredito que permanecerá) o Up-Back-Through.

"Também denominado de passe vertical – apoio frontal – progressão no terreno, o Up-Back-Through surge no campeonato alemão com maior frequência, em consequência daquilo que é a escola alemã de treinadores que privilegiam o ataque rápido, como é o caso de Roger Schmidt."

Rafael Pacheco (2023), Rogerball - O Benfica de Schmidt

Figura 1
Figura 1 créditos: Rogerball - O Benfica de Schmidt

Para além disso, o Benfica de 2022/2023 era uma equipa que procurava aplicar cruzamentos com bastante regularidade, principalmente através do corredor esquerdo por parte de Grimaldo (lateral com uma técnica acima da média). Dos 131 golos marcados pela equipa encarnada na temporada passada, 30 deles foram a partir do corredor lateral esquerdo (aproximadamente 23%) - dados do livro "Rogerball - O Benfica de Schmidt". Não tendo total exclusividade, Grimaldo foi o principal fator deste sucesso. O espanhol fez 14 assistências nesta última temporada, fazendo com que a sua renovação fosse impossível de concretizar, rumando a custo zero para o Bayer Leverkusen. Sem Grimaldo, o Benfica contratou David Jurásek ao Slavia de Praga que foi disputando a vaga de lateral esquerdo com Ristic ao longo da pré-época.

Apesar de vencer a luta a Ristic, Jurásek aparenta deixar dúvidas a Roger Schmidt, uma vez que o treinador alemão decidiu colocar o polivalente Aursnes a jogar na posição de lateral esquerdo, apesar do norueguês apresentar pé dominante direito. Aursnes acrescenta decisão em último terço e maior projeção ofensiva, apesar de evidentemente ter mais dificuldades defensivas e jogar com pé contrário ao corredor que ocupa (caso jogue nesta posição). Os laterais encarnados apresentavam características de procurar zonas interiores, mas sobretudo de dar vantagens em largura. Com Aursnes, o Benfica perderá essa largura (ou pelo menos o cruzamento) e, neste sentido, não faz sentido jogar com mais um médio/ala que ocupe zonas interiores.

Deste modo, o indicado nesta situação, passa por darmos corredor central a Aursnes, com o auxílio de um ala com pé preferencial esquerdo que procure facilmente a linha de fundo e tenha cruzamento fácil (como foi David Neres quando entrou no jogo frente ao CF Estrela Amadora). Neste sentido, com Aursnes, a titularidade de João Mário não faz sentido a partir do corredor esquerdo.

Posteriormente, é preciso termos em consideração de que, para além da saída de Grimaldo, também Gonçalo Ramos abandonou as águias a poucos dias da competição, sendo que o internacional português era fundamental para o modelo de jogo de Schmidt (ofensivamente e defensivamente). Não poderemos exigir o mesmo de Gonçalo Ramos a Arthur Cabral por exemplo. Enquanto que Ramos era um jogador que procurava constantemente movimentos de rotura, procurando oferecer espaços para os seus colegas, sabendo explorar muito bem espaços vazios, Arthur Cabral é um jogador que gosta de ter mais bola no pé, que joga melhor de costas para a baliza e que tem uma melhor relação com bola. Isto dificultará a existência de espaço entre linhas uma vez que existem menos movimentos de rotura que arrastam a linha defensiva adversária.

Sem bola, em organização defensiva, o Benfica defende muito à imagem daquilo que foi a temporada passada, isto é, predominantemente num 4-4-2. Aplica quase sempre um bloco alto no pontapé de baliza adversária e é aqui que gosta de ganhar bola para ferir o adversário. Relembrar ainda que este bloco alto pode ser prejudicial para o Benfica, uma vez que existe mais espaço nas costas da linha defensiva que terá de ser compensado pelos membros da mesma e pelo guarda-redes das águias. O ano passado existiram dificuldades (com Vlachodimos), todavia, este ano espera-se um maior conforto neste momento em consequência da presença de Samuel Soares ou Trubin que são guarda-redes mais fortes na saída da baliza e no controlo da profundidade.

É importante ainda perceber que 35% (14) dos golos sofridos pelo Benfica na temporada passada foram a partir do corredor direito (onde existiu uma constante mudança de jogador na função de lateral direito) - dados do livro "Rogerball - O Benfica de Schmidt". Espera-se que estes números melhorem com a estagnação de Bah, no entanto, pelo lado contrário, espera-se que o lado esquerdo sofra até a afirmação de um lateral esquerdo.

No que diz respeito à transição ofensiva, somente 15% dos golos marcados, isto é, 19 em 131, foram concretizados através deste momento de jogo, em consequência da óbvia maioria de controlo de jogo que os encarnados necessitaram de assumir na temporada passada - dados do livro "Rogerball - O Benfica de Schmidt" - tornando assim o momento de organização ofensiva o mais produtivo. Para além disso, existiram inúmeros erros na tomada de decisão em último terço por parte das águias. Curiosamente, os dois golos marcados frente ao Estrela de Amadora foram através de transição ofensiva, em consequência da pressão alta exercida pelos encarnados.

O momento mais fraco deste modelo de jogo de Roger Schmidt foi e deverá continuar a ser a transição defensiva, principalmente com a ausência de Florentino, um dos melhores recuperadores de bola pela Europa fora.

No que diz respeito às bolas paradas (ou esquemas táticos), os encarnados fizeram 10 golos de canto, 6 de livre e 15 de grande penalidade. Relembrar uma vez mais a influência de Grimaldo, principalmente na cobrança de livres diretos. Todavia, esta temporada o Benfica ganhou dois novos cobradores: Di Maria e Kökçu.

O plantel cresceu, pelo menos no que diz respeito à qualidade. O meio-campo ganhou com a entrada do ainda não adaptado Kökçu e o ataque ganhou criatividade com Di Maria. Perdeu-se Grimaldo e até Vlachodimos pode sair do 11, mas ganhou-se Trubin. No geral, o Benfica melhorou significativamente a nível individual com as entradas dos seus novos reforços, porém a gestão do plantel terá de ser diferente, sendo que o próprio Roger Schmidt já admitiu que a gestão de tempo de jogo será diferente. E será aqui que as coisas se podem complicar...

Existem jogadores com estatutos, jogadores com qualidade e jogadores com elevadas expectativas, sendo impossível dar o tempo de jogo desejado para todos eles. Di Maria já mostrou sinais aquando da sua substituição na primeira jornada, João Mário deverá de ter mais dificuldades em jogar e existem rumores de que David Neres, Florentino, Morato e Schjelderup querem abandonar o Benfica. Existirá descontentamento de alguns que poderá passar para o coletivo. A gestão do plantel será importantíssima para a qualidade de jogo da equipa, uma vez que a componente psicológica e motivacional é importantíssima para aquilo que é o rendimento.

Este Benfica poderá ser inferior ao do ano passado, onde cada jogador sabia o papel que desempenhava dentro do plantel, existindo hierarquias bem definidas. Evidentemente que isto é o futebol e que todos os jogadores têm de lutar pelo seu lugar no 11 inicial, todavia, estamos a abordar um nível onde existem mais egos do que vontade de trabalhar.

A grande luta de Roger Schmidt da presente temporada deverá passar pela gestão de recursos humanos, isto é, na gestão dos seus jogadores (principalmente os seus teóricos suplentes).
É mais fácil transmitir ideias para um jogador feliz do que para um jogador triste.

Rogerball - O Benfica de Schmidt
Rogerball - O Benfica de Schmidt créditos: Rogerball - O Benfica de Schmidt