Vamos partir para a etapa dentro de alguns minutos. A noite começa a desaparecer e já se vislumbra alguma luz do dia que vai nascer. Os carros já estão todos colocados na grelha de pré partida. Arrumamo-los aqui muito cedo e só depois vamos tomar o pequeno-almoço e ouvir o briefing. Como de costume, esperamos a nossa hora de partir.
A primeira linha de carros só parte às seis da manhã. Enquanto espero, aproveito para arrumar bem a bagagem e aperto-a com cintas para que não se mova durante etapa, ponho protetor solar, limpo o para-brisas, verifico a pressão dos pneus, arrumo as garrafas de água que hoje têm de ser a dobrar e garanto que temos toda a comida necessária...É que hoje é etapa maratona.
Maratona quer dizer que partimos com trabalho para dois dias e, quando se puser o sol, paramos, montamos a tenda, improvisamos um jantarinho e dormimos. Dormimos onde calhar e, no dia seguinte, continuamos a nossa progressão.
Às vezes as coisas correm bem e conseguimos agrupar-nos com outras equipas. Então montamos um grande acampamento, conversamos, contamos as nossas aventuras... Há sempre quem cante, quem ria... Enfim, convivemos. Gostamos de saber o que se passa com as outras, principalmente gostamos de perceber que sentem as mesmas dificuldades do que nós. Às vezes cria-se até um pequeno ambiente de festa. O ano passado uma das participantes levou um pequeno fogo de artifício que lhe tinha sido dado por uma antiga Gazela. Tivemos o prazer de ver o céu decorado por aquelas imagens de luz e foi magnífico. Embora sozinhas no meio do deserto, sentimo-nos importantes.
Outras vezes ficamos mesmo sozinhas onde quer que estejamos. Recordo que em 2008, ano em que participei de camião, depois de uma etapa de agonia pelo deserto fora, tínhamos como único objectivo chegar ao CP para nos encontrarmos com as outras e termos um pouco de companhia. A etapa tinha sido particularmente difícil e parecia-nos que tínhamos perdido desmaiado tempo. Imaginávamos as outras raparigas divertidas a gozar o pôr-do-sol já com as tendas montadas ao lado da bandeira que marca o CP.
Apesar de ser particularmente difícil, para não dizer quase impossível, forçamo-nos a andar um pouco durante a noite. Quando chegámos ao local onde supostamente deveria estar o CP não vimos ninguém e julgámos estar no sítio errado. Decido fazer um círculo com o camião para varrer o horizonte com os faróis e tentar perceber onde estariam todas as outras. Para nosso desespero não havia nada nem ninguém no horizonte...apenas a noite escura. Mas eis que vislumbramos um marroquino que caminha decidido sem nos prestar qualquer atenção. Desço do camião e vou a correr ter com ele e pergunto-lhe se viu o CP do rali ali por perto, ao que ele me respondeu "Sim, sou eu!" deixando-me completamente desconcertada... e continuou a andar. Segui-o com o olhar e só então dei conta que lá ao longe, na direção para a qual se dirigia, havia uma bandeira imóvel no meio da escuridão. Era mesmo o CP e, de repente, fomos invadidas por uma gigantesca onda de alegria que alimentou o nosso entusiasmo para o dia seguinte. Afinal éramos as primeiras a chegar!
As etapas maratonas têm destas coisas e também a particularidade de estarmos verdadeiramente isoladas e sem qualquer forma de comunicação. É por isso que deixo já, antes de partir, esta pequena nota sobre as etapas maratonas.
Comentários