As seleções nacionais, escolhem e selecionam os jogadores mais preparados, na opinião dos selecionadores e dos respetivos corpos técnicos, para acrescentarem rendimento desportivo individual e coletivo, atual e momentâneo à equipa. Do que observo nos últimos 13 anos, as seleções jovens não fogem muito desta premissa que é posta em prática em todos os escalões nacionais da Federação Portuguesa de Futebol. Não está aqui em causa a legitimidade desta decisão, antes pelo contrário.
Contudo, o facto de o critério de escolha ser o rendimento desportivo atual, faz com que muitos dos jovens selecionados desde tenra idade (sendo sub15 o primeiro momento) não sejam chamados para convocatórias de níveis etários superiores, em anos seguintes. Isto porque alguns dos fatores preponderantes que potenciam o rendimento desportivo nestes primeiros patamares pubertários, prendem-se com o nível das capacidades físicas e da maturidade cognitiva dos praticantes. Ora estes dois aspetos estão em geral diretamente relacionados com os níveis de desenvolvimento biológico de cada jovem. No escalão de sub15 por exemplo, podem existir jogadores com 15 anos e um desenvolvimento biológico de 17 e um jogador com a mesma idade cronológica, mas com 13 anos de idade biológica. Apresentei um exemplo extremo, mas possível. Ora como é óbvio essas diferenças têm um peso grande no rendimento desportivo apresentado nesse escalão etário e originam as tais convocatórias de alguns jogadores que não revelam potencial para darem seguimento ao seu percurso nas seleções nacionais em escalões mais próximos dos escalões seniores.
Á medida que os patamares etários aumentam, as diferenças maturacionais entre jogadores da mesma idade diminuem. No escalão de sub17, as maiores diferenças existem apenas num grupo mais restrito de jogadores e já são por isso uma exceção. Geralmente estas exceções estão ligadas a jogadores que nasceram no último trimestre do ano e/ou então jovens que estão mesmo muito atrasados no seu desenvolvimento. É interessante verificar que dois dos jogadores que se encontram nos patamares desportivos e competitivos mais elevados da geração nascida em 2002 não fizeram parte da maioria das convocatórias de preparação e apuramento para o Campeonato da Europa de sub17 nem foram escolhidos para participarem na Fase Final do mesmo. Estou a falar do Nuno Mendes e do Francisco Conceição.
Tendo por base as premissas de seleção já mencionadas anteriormente não questiono as opções técnicas tomadas. O talento e potencial do Nuno e do Francisco saltavam à vista desde os escalões mais jovens, mas de facto existiam jogadores portugueses sub17 que estavam em patamares de rendimento desportivo semelhantes ou até mesmo superiores nas suas posições, tendo em conta as ideias de jogo idealizadas para a Seleção Nacional.
Penso que seja importante alertar para estas situações por vários motivos. Por um lado, os clubes, as famílias, os empresários e os próprios jovens jogadores devem ser pacientes, porque nem todos os talentos necessitam do mesmo tempo para se desenvolverem e manifestarem. O nível de desenvolvimento biológico aliado a outros fatores pode realmente atrasar o aparecimento do tal maior rendimento desportivo. O talento adjuvado por boas condutas dos praticantes, inseridos numa boa estrutura, em condições normais, irá dar frutos em competição mais tarde ou mais cedo. Pelos vistos, mesmo atribuindo muito valor à representação do seu país (eu sei o nível de motivação e entusiasmo que a grande maioria deles nutre por essas participações) o Nuno Mendes e o Francisco Conceição não desistiram mesmo depois da ausência nesses momentos competitivos e continuaram a trabalhar arduamente para que a sua oportunidade um dia surgisse. Neste momento ambos representam a seleção A e jogam em duas equipas de topo a nível mundial.
Por sua vez, há vários anos que lido com a situação contrária. Jogadores que tinham uma grande preponderância no clube e nas Seleções jovens e que em algum momento começam a perder esse espaço. Isso pode dever-se a inúmeros fatores, sendo que várias vezes pode estar também associado exatamente a vantagens geradas por um desenvolvimento biológico adiantado em idades mais baixas. Para muitos deles, esta situação também é altamente frustrante. As convocatórias para as Seleções trazem consigo uma maior visibilidade e estatuto para os jogadores convocados. São criadas expectativas nas famílias, nos empresários e nos próprios jovens que muitas vezes não são totalmente reais e alcançáveis. É nesta fase que as marcas de roupa se chegam à frente e começam a patrocinar esses “ativos mais valiosos”. É também nesta fase que na escola, junto dos seus pares, os habituais convocados deixam de ser apenas jogadores do clube e passam a ser jogadores da Seleção Nacional, trazendo consigo um acrescido valor de estatuto. Perder tudo isto de repente, sem muitas vezes se entender as possíveis razões para tal, é muito duro. Muitos deles sentem que não fizeram nada de diferente ou de errado e na verdade, a grande maioria continuou a treinar de forma séria e empenhada.
Para estes, é também muito importante que não desistam, que não fiquem presos a esse sentimento e que se superem. Têm de continuar a treinar arduamente e talvez tenham de se reinventar enquanto jogadores. Possivelmente terão de desenvolver alguns recursos que não foram tão importantes em idades mais baixas porque tinham outros atributos físicos e maturacionais que lhes davam vantagem no jogo que agora por si só, já não são suficientes para promover grandes diferenças de rendimento desportivo. Nós próprios enquanto treinadores de formação, devemos perceber como podemos ajudar os jogadores e o clube nessas situações. Já experienciei bons resultados decorrentes por exemplo, da adaptação desses jogadores a uma nova posição. Claro que nem sempre esse caminho é possível ou mesmo o melhor para aquele caso, uma vez que cada situação e cada jogador são únicos.
Penso que todo o tipo de situações descritas é delicado e complexo, devendo ser geridas de forma sensível, com base na individualização de cada caso e com um acompanhamento próximo. Do mesmo modo, considero fundamental que os treinadores de formação e respetivas estruturas formativas, tenham preocupação com o desenvolvimento alargado de ferramentas técnicas e táticas nos jogadores, para que estes consigam resolver os problemas que surgem no jogo sem que recorram em exclusivo às suas vantagens físicas momentâneas. Algumas dessas estratégias poderão passar pela diferenciação de grupos de nível em treino, adaptação de exercícios, individualização de objetivos e escolha do escalão etário adequado, de treino e de competição para cada jovem.
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