Nem todas as histórias têm um final feliz e esta é uma delas. Miguel Toral era um jovem de 17 anos que lutava contra um cancro, que o derrotou no início de janeiro. Uma das paixões deste jovem espanhol era o futebol, principalmente o seu Bétis de Sevilha.
Numa fase mais avançada da doença, em que a esperança era só uma palavra, Toral contactou a Fundação Ambulância do Desejo a pedir ajuda para ver cumprida uma vontade: seguir o seu clube pelos estádios de Espanha. A imagem de Miguel Toral, deitado numa cama, a assistir à partida entre o Atlético de Madrid e o Bétis no Wanda Metropolitano, na capital espanhola, tornou-se viral. Uma imagem, bela e cruel, que nos faz beliscar da realidade.
Antes do Wanda Metropolitano, Miguel já tinha visitado o estádio do Granada e depois esteve no do Elche. Tudo para acompanhar o seu Real Betis Balompié.
"Pelo Betis vou onde for preciso e espero passar um bom momento. É o que levo do futebol. Para mim, o futebol é tudo, é uma maneira de me distrair e de fugir da realidade", disse, emocionado, Miguel à rádio espanhola Cadena Ser.
No passado dia 02 de janeiro, tinha lugar garantido no Estádio Benito Villamarín, para ver o Bétis-Celta de Vigo, mas o estado de saúde do jovem piorou e a longa viagem de mil (500 para cada lado) quilómetros teve de ser cancelada. Horas mais tarde, soube-se que tinha morrido e o seu clube perdeu por 2-0.
Miguel deu entrada no Hospital Universitario Virgen de la Arrixaca, em Murcia, cidade natal, quando tinha apenas 16 anos. Em setembro de 2021, os médicos da unidade oncológica contaram aos pais que a ciência e a medicina não podiam fazer mais nada a não ser amenizar a dor e o sofrimento. O cancro estava numa fase muito avançada e o jovem acabou por ser transferido para os cuidados paliativos.
Uma sentença que nenhum pai quer ouvir, em circunstância alguma. A Victor e Paqui Toral só lhes restava uma coisa, transformar a angústia em felicidade para o filho no tempo que lhe restava. Ficar à espera não estava nos planos e por isso entraram em contacto com a Fundação Ambulância do Desejo.
"Ver o Betis no estádio de Granada, conhecer o meu ídolo Joaquín e assistir à vitória do Betis no último minuto foi espetacular. Eu, de Murcia, a festejar os golos do Betis no estádio do Granada (cidade andaluza)... Foi lindo", disse à Cadena Ser.
Se Miguel é o protagonista desta história, Joaquín, hoje com 40 anos e ao serviço do Bétis, ajudou a que esta ficasse maior. Em encontros combinados, os dois estiveram juntos em Granada, Madrid (Wanda Metropolitana) e Elche. E foi neste último reduto que o veterano espanhol desabou de emoção. Miguel leu-lhe, em voz alta, uma carta que tinha escrito previamente nas notas do telemóvel. Esse momento ficou registado pelas câmaras do canal do Bétis e que pode vê-lo no vídeo abaixo.
Miguel queria ser jornalista, de desporto claro, e chegou mesmo a publicar artigos para um jornal académico. Ficou-se pela ambição. O que lhe foi roubado em desejo profissional foi-lhe compensado em ilusão de ver de perto as suas estrelas favoritas. Foram mais de 1.500 quilómetros a percorrer Espanha para ver o Bétis e os seu ídolos [consta que também admirava o Barcelona]. Tudo graças à solidariedade de uma fundação sem fins lucrativos, que tudo faz para ver os sonhos realizados.
A Fundação Ambulância do Desejo [Ambulance of Desire Foundation no nome original] realiza os desejos e sonhos de pacientes que estão acamados há muito tempo ou que têm uma doença grave ou incurável. Em 2007, o motorista Kees Veldboer transportava numa ambulância o marinheiro Mario Stefanutto e, no caminho para o hospital, fez um desvio para o porto e ficou profundamente emocionado ao ver a felicidade no rosto de Mario. Então, Kees pediu uma ambulância emprestada à empresa onde trabalhava e organizou uma rota exclusiva ao redor do porto de Roterdão para o acamado Stefanutto, tendo ficado surpreendido com o quão fácil é fazer alguém feliz. Dois meses depois, a fundação era uma realidade.
Onze anos depois a fundação alargou-se para Espanha. O Doutor José Manuel Salas, médico e membro fundador da Fundação Ambulância do Desejo em Espanha, que conviveu de perto com Miguel Toral, esteve à conversa com o SAPO Desporto.
SAPO Desporto - Como funciona um pedido de ajuda na prática? Quais os critérios, como os avalia e qual a disponibilidade para atender a maioria das solicitações?
José Manuel Salas - É muito simples, no nosso site temos um separador que diz "fazer um desejo", no qual a pessoa que quiser concretizar um desejo deve preencher um formulário onde solicitamos alguns dados de contacto, as condições de saúde em que se encontra, necessidades e outros dados de interesse para processar a solicitação. Uma vez que recebemos o formulário preenchido, o arquiteto do desejo entra em contacto com a pessoa que preencheu a solicitação e preenche as restantes dúvidas, e caso o paciente esteja internado num hospital, também entramos em contacto com a equipa médica para obter a aprovação. Com o formulário preenchido, o pedido é avaliado pelo conselho da direção - Laura, Carolina, Manolo e eu - que verificamos se atende aos objetivos da fundação, ou seja, se se trata de um desejo emocional que não se possa realizar por meios próprios por motivo de doença ou problemas de mobilidade e que requeira a ajuda de uma equipa de saúde. Sendo assim, depois é uma questão de organizar toda a logística, pessoal e procedimentos necessários para cumprir o desejo.
Todos os pedidos que recebemos são atendidos, e se cumprem o objetivo, somos tentados a fazê-lo.
SD - Como chegou o pedido de ajuda de Miguel Toral?
JMS - A solicitação chegou-nos através do tal formulário. Neste caso, a equipa da unidade dos cuidados paliativos que cuidava do Miguel conhecia o nosso trabalho e isso facilitou muito o processo. Ligaram-nos diretamente para informar sobre o caso antes de preencher o formulário.
SD - Que impacto acha que este desejo na vida do Miguel?
JMS - Infelizmente não podemos mudar o curso de muitas doenças. Como médico sei que adoraria poder curar todos os pacientes, mas nem sempre isso é possível, porém, tenho a convicção de que podemos cuidar e aliviar o sofrimento. Com a Ambulance Foundation of Desire [nome original] podemos tentar cumprir vontades. O Miguel sempre foi um amante do futebol e durante a última fase da sua vida, quando esteve gravemente doente, apegou-se a este desporto e à sua equipa do Real Betis Balompié para motivar-se numa fase difícil da sua vida. O seu rosto ao conhecer o seu ídolo, Joaquin, capitão de equipa, foi impagável, transbordando de felicidade e emoção, e esse sentimento espalhou-se por nós, que o acompanhámos. Acho que estas pequenas conquistas o ajudaram a enfrentar, de maneira diferente, a fase difícil em que se encontrava.
SD - Apesar de tristes, deduzo que situações como estas devem agregar algum valor como médico.
JMS - Todos os desejos são uma festa e, como disse Kees Veldboer Saw, fundador da Ambulance Wish Foundation, na Holanda, “se olhar para as fotos, todos os pacientes estão com um sorriso ao ver o desejo cumprido, apesar da doença”. Portanto, todos os que participam ficam felizes. O paciente, porque consegue realizar o desejo, e a família e a equipa médica porque veem o paciente feliz ao ver cumprida a sua vontade.
SD - Já ajudaram mais pessoas em situações relacionadas ao desporto?
JMS - A Fundação de Ambulâncias do Desejo, em Espanha tem três anos e a maioria dos desejos que realizamos na área desportiva estão relacionados com o futebol, talvez por ser um desporto muito difundido e que move muitas paixões. No entanto, estamos convencidos de que, pouco a pouco, realizaremos desejos relacionados com outras modalidades em toda a Espanha.
SD - Há algum caso semelhante ou especial que gostasse de destacar?
JMS - Todos os desejos são únicos, especiais e importantes para nós, mas alguns tocam-nos mais a alma do que outros, principalmente quando temos que gerir as emoções ou participar diretamente neles. Prefiro não destacar nenhum acima dos outros, porque todos são mágicos, embora sem dúvida para nós, que somos pais, aqueles desejos cujos protagonistas são as crianças são muito especiais. Vivemos histórias que nos acompanharão pelo resto das nossas vidas, histórias que, sem dúvida, ajudam-nos a valorizar o que é realmente importante.
Aproveitar ao máximo todos os dias de nossas vidas.
Foi o próprio Bétis que anunciou a notícia da morte do jovem através das rede sociais: "Hoje é um dia muito triste. Miguel deixou-nos. Obrigado por seres um exemplo de luta e vida para todos nós". Do clube andaluz enviaram todo o "amor e apoio à família e entes queridos nestes tempos difíceis". Inúmeros seguidores do jovem e do clube recorreram às redes para manifestar o apoio à família e admiração por esta luta de vida, um assunto que se tornou tendência no Twitter.
Uma das últimas publicações [21 de novembro de 2021] de Miguel nesta mesma rede social é um claro exemplo de constante luta e positivismo.
"Este não foi o meu último jogo. Se tiver de ir a Vigo irei sozinho com a minha maca, mesmo que me custe mar e terra. Porque com todo o incentivo que recebo de toda a Espanha, é impossível parar de lutar".
Também se cumpriram desejos no futebol português esta semana
A segunda meia-final da Taça da Liga 21/22, entre o Sporting e o Santa Clara, ficou marcada por mais uma iniciativa de solidariedade social levada a cabo pela Fundação de Futebol. Luís Franco tinha o sonho de conhecer os jogadores da equipa verde e branca, sendo ele próprio um adepto ferrenho dos leões.
A Fundação do Futebol soube desta história e não ficou indiferente a esta situação. Assim, em estreita ligação com o Sporting CP, fez acontecer algo que Luís Franco só nos sonhos imaginava, concretizando o desejo antigo do jovem. Pedro Gonçalves, Jovane Cabral, Tiago Tomás, Luís Neto e Gonçalo Esteves autografaram um cachecol e no final do jogo ofereceram-lhe uma camisola.
O jovem adepto teve um passado bastante difícil, vítima de violência infantil, e sofre de escoliose (desvio lateral da coluna), na região lombar, tendo já sido submetido a três intervenções cirúrgicas. O jovem adepto começou por estagiar na CM Leiria e acabou por ficar a colaborar com o município.
Veja o vídeo
Já na primeira meia-final da prova, entre o Benfica e do Boavista, Márcio Vieira, tetraplégico e limitado a uma maca, também teve direito a uma surpresa por parte da Fundação do Futebol, que adaptou um camarote do Estádio Municipal de Leiria para que este homem de 44 anos assistisse ao jogo, concretizando assim um dos seus desejos.
O momento ficou ainda marcado pela visita do Presidente do Benfica, Rui Costa, tendo este oferecido uma camisola oficial assinada por si.
Em 2022 faz 20 anos que Márcio Vieira, adepto benfiquista, teve o acidente de viação que levou à sua atual condição, estando preso a uma cama e comunicando apenas por SMS, pois apenas consegue mover a mão direita.
Os seus pais, octogenários, são os seus cuidadores, com a ajuda dos irmãos. Apesar de tudo, o leiriense possui uma plena atividade cerebral e intelectual, tendo inclusivamente publicado um livro, o que demonstra o seu exemplo, de força e superação.
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