Futebol em ritmo de caminhada - não há significado mais simples para a tradução das palavras 'Walking Football'. A regra mais importante é que não é permitido correr, ouviu bem: Para alguns o futebol é mais do que um jogo, é um amor para a vida toda, e até pode salvar vidas. O isolamento, o sedentarismo e a depressão agravados pela pandemia podem dar origem a vários problemas de saúde, que podem ser combatidos com a prática desportiva regular, mesmo em idade avançada.
Sem corridas, saltos, rasteiras, carrinhos e cortes, o futebol a passo torna divertida a modalidade independentemente da idade e da condição física, visando proteger quem o pratica. Nascido no ano de 2001 em Inglaterra, foi através da comunidade britânica que o Walking Football se começou a praticar no Algarve, e a partir daí não demorou muito até que surgisse a primeira equipa portuguesa da região: O Sporting Clube de Farense Walking Football, afiliado à casa-mãe.
"Surgiu em 2019, quando uma equipa de ingleses aqui no Algarve nos convidou para um amigável", começa por contar João Reis, um dos responsáveis da equipa. "No primeiro jogo penso que aparecemos quatro ou cinco, e eles tiveram que nos emprestar alguns jogadores. 'E pensámos: Isso é uma coisa engraçada, porque não criar uma equipa? Fizemos uns treinos, houve pessoas que não voltaram, outros que iam insistindo. Depois houve um 'boom', o passa-palavra, o Facebook e hoje somos mais de 30", acrescenta.
Algumas regras do Walking Football
- Seis jogadores em cada equipa, um guarda-redes e cinco jogadores de campo
- Não é permitir correr, com ou sem a bola
- Não é permitido fazer tackle ou qualquer outro tipo de contacto físico
- A bola não pode subir até à altura da cabeça
- Cada jogador só pode tocar na bola um máximo de três vezes estando ela na sua posse
O jogador mais novo da equipa tem 47 anos, o mais velho 77, mas mais à frente no artigo já lhe contamos essa história. Há seis anos atrás, João Reis, antigo dirigente do Farense e hoje um dos capitães de equipa, hoje com 52 anos, foi diagnosticado com diabetes de tipo 2 e percebeu que uma das causas foi o sedentarismo: "Precisava de fazer uma atividade física qualquer, pilatos, caminhadas. O meu médico disse-me: 'a próxima vez que vier cá você precisa de estar a praticar qualquer coisa. E assim foi, algo maravilhoso é também representar o meu clube do coração, só de falar disso fico arrepiado. Representei o Farense até aos 10 anos e aos 50 anos voltei a ter essa sensação, o que é indescritível. E ter a honra de ser o capitão de equipa ainda mais", revela.
Assis Gonçalves, de 53 anos, conheceu o desporto através do irmão, e é a prova de que qualquer um está apto para praticar a modalidade. A única condição, no caso do clube algarvio, é ser sócio do Farense para além de se ter que pagar uma quota mensal de 12 euros que cobre as despesas do aluguer de campos para o acesso aos treinos, que acontecem duas vezes por semana. "Eu sou um peso pesado, tenho 115 quilos, mas aqui somos todos iguais. Não há Messi, nem Ronaldos", refere.
"A vantagem é que mesmo com jogadores mais técnicos ou físicos em campo, neste tipo de jogo acaba por não se notar tanto a diferença. Se jogarmos com um espírito diferente consegue-se não correr, é quase um jogo de sombras, tentar aparecer no espaço, receber a bola no pé", completa João Reis.
Em 2021, 0 Sporting Clube Farense Walking Football foi segundo classificado no torneio Eurocopa Algarve na escalão (maiores de 60 anos) e o terceiro classificado no Algarve Walking Football Cup (maiores de 50 anos)
De forma a aumentar o nível de competitividade da equipa e impor uma certa disciplina o francês Sylvain Laurent, de 37 anos, foi o escolhido para orientar a equipa do Sporting Clube de Farense. Veterano para futebolista, mas o mais jovem do grupo, conta de que forma abraçou este projeto, em regime de voluntariado.
"Comecei por experimentar, mas como não tinha idade para jogar, e eles precisavam de um treinador... Já tinha feito formações em França e foi uma oportunidade para continuar ligado ao futebol", explica.
Ser mais o mais jovem e o líder de um grupo de jogadores, muitos na casa dos 50, 60 anos, não lhe dificultou a vida. O mesmo não se passa no momento em que é preciso alongar depois dos treinos, como confirmou o capitão Mário Reis em jeito de brincadeira: "Às vezes alguns não têm paciência e vão embora." Quanto entram em campo, nos torneios em que participam, o objetivo é a vitória, mas o importante é que todos possam dar o seu contributo, sem falar, claro está, do convívio após os jogos que é um dos grandes condimentos do Walking Football.
"Queremos fazer um grupo. É o nosso objetivo. Depois do jogo gostamos de comer, beber, e conviver um bocadinho. Estamos lá para fazer o melhor, não estamos lá para criticar. Há jogadores com mais ou menos capacidades, mas vai jogar toda a gente. (…) Sou o mais jovem, mas estou aqui para ajudar e para tirar o melhor da equipa”, reitera.
Quem faz das tripas coração para não faltar a um jogo ou a um treino é Mário Moura: É o guarda-redes da equipa e o mais velho jogador do Sporting Clube de Farense, com 76 anos. Este portuense de gema mudou-se para o Algarve para trabalhar por conta própria no ramo da indústria têxtil e por lá ficou, acabando por constituir família. Ao contrário de outros elementos da equipa bem se pode dizer que o desporto nasceu com ele e parece ser o antídoto para curar todos os males.
"Toda a vida fiz desporto. Depois do trabalho fazia caminhadas de 15, 20 quilómetros. Faço ginástica todos os dias. Hoje mais do que nunca faz-me falta o convívio, nem sinto a idade. Tive COVID-19 e outros problemas graves de saúde e o futebol ajudou-me a recuperar desses problemas. Ao fim de 10 dias de ser operado a um cancro fui para a piscina, o médico até ralhou comigo e com o desporto acabei por fazer uma recuperação espetacular”, relata.
"Ao fim de 10 dias de ser operado a um cancro fui para a piscina, o médico até ralhou comigo e com o desporto acabei por fazer uma recuperação espetacular."
Sem pensar em pendurar as luvas, o segundo lugar conquistado no torneio Eurocopa ficou-lhe atravessado, mas acredita que no próximo torneio o Farense vai levantar o 'caneco'. "Tenho um feitio danado, porque não gosto de perder. Mas a idade dá-nos outra temperança, não nos deixa entrar em conflitos. Jogar? De vez em quando lá tenho que ir eu ao endireita. Mas vou caminhando, um dia de cada vez. Amanhã logo se vê", declara.
A jogar em casa emprestada, o Sporting Clube Farense Walking Football já tem a promessa por parte do presidente do Farense João Rodrigues de que terá um espaço para jogar, assim que estiver terminada a Academia do clube. Contudo, será necessário um maior apoio tanto a nível das entidades competentes, como de patrocinadores para que a modalidade possa crescer no nosso país
"Faro tem um enorme deficit de equipamentos desportivos e o futebol seja ele juvenil ou profissional ocupa tudo. Felizmente temos tido patrocinadores que nos têm ajudado muito. Seja em bolas, coletes de treino e pinos, e até para as inscrições nos torneios (que chegam aos 300 euros). Era preciso que as entidades oficiais também entrassem. Penso que há uma oportunidade de negócio, cada vez há mais clubes e em Inglaterra o desporto já foi reconhecido pela federação. Os filhos ou os netos vão querer ver os pais e os avós a jogar. Estamos disponíveis para fazer demonstrações, queremos é mais pessoas nisto", afirma João Reis.
"Os filhos ou os netos vão querer ver os pais e os avôs a jogar Walking Football"
Mas mais importante do que tudo, o Walking Football está a dar uma segunda vida a quem se apaixonou pelo jogo. "Depois das partidas alguém leva umas chouriças, uns biqueirões, outro um pedaço de presunto, umas cavalinhas. Ainda ficamos uma hora, uma hora e meia a falar de política, futebol, do próprio treino dos jogos que vêm aí e é uma forma das pessoas não estarem isoladas em casa. Em Portugal temos um clima ótimo e não aproveitamos. Isto está a dar a esta gente uma segunda vida. Mesmo nos jogos com os ingleses, eles não sabem português, mas fazem-se entender", termina.
Comentários