Sabia-se que a chave estaria na paciência, talvez a palavra mais dita ao longo da semana pelos jogadores e por Roberto Martínez. O que não se sabia era que a recompensa por essa paciência chegaria tão, mas tão tarde.
Apesar da superioridade em campo, a agressividade exibida pelos eslovenos complicou e muito a estratégia da seleção nacional, que só no último suspiro pôde sorrir. Foi nas grandes penalidades, mas foi. E tudo porque Diogo Costa fez o impensável e defendeu os três remates da seleção eslovena.
Uma exibição apoteótica que nos faz recuar 18 anos, quando Ricardo salvou Portugal frente à Inglaterra, ao defender sem luvas as grandes penalidades dos ingleses. Desta vez não foi necessária tamanha ousadia para sorrir no fim e voltar a colocar Portugal no caminho da França.
1.ª parte: Paciência, paciência, paciência
Um 'brinde', como se intitula o hino da Eslovénia, era aquilo que a seleção adversária de Portugal fazia perante a presença surpreendente nos oitavos de final do Europeu. Algo que nunca tinha acontecido, o que se explica facilmente por este ser apenas o segundo Campeonato da Europa que disputava, 20 anos depois da presença no Euro 2020.
A responsabilidade estava, por razões óbvias, do lado da seleção nacional. Um rótulo colocado na testa dos onze eleitos por Martínez, que frente à Eslovénia optou por repetir os titulares que lograram a vitória diante da Turquia, a mais evidente na prova. E o peso do claro favoritismo cedo se exibiu, logo desde o apito inicial, com Portugal a tudo fazer para ser mandão, pressionante e perigoso. Um ímpeto sufocante para os eslovenos, que aos três minutos temeram em dose dupla o que sabiam não poder acontecer: sofrer primeiro. Rafael Leão e Rúben Dias estiveram perto, mas não o suficiente para abrir o marcador.
Martínez tinha pedido uma rápida recuperação à perda de bola para evitar as cavalgadas da dupla atacante eslovena e os primeiros minutos mostravam uma seleção atenta, com a tal "concentração competitiva" pedida por Pepe a meio da semana.
Portugal sabia que marcar cedo representaria o toque de midas para obrigar a Eslovénia a desmontar-se defensivamente, quase sempre com uma linha de cinco, às vezes de seis defesas, no momento defensivo - um cenário constante. Sabendo-o, Bernardo Silva não quis perder tempo e com um cruzamento apetitoso encontrou Bruno Fernandes que, já em esforço, não conseguiu desviar para a baliza de Oblak.
Aos 20 minutos o domínio português era absoluto, mas infrutífero. A muralha eslovena mantinha-se firme, compacta, organizada. Mas também atrevida aqui ou ali, talvez mais do que se esperaria, já que a estratégia de Matjaž Kek não se resumia a fechar-se em copas.
Um sinal que se tornou mais claro a meio da primeira parte, quando a seleção eslava começou a ter mais bola e a ocupar mais vezes o meio-campo de Portugal, terreno que pouco ou nada tinha pisado até então. Um atrevimento que ia empolgando os adeptos eslovenos, mas também os portugueses, que viam o adversário, aos poucos, ficar mais destapado lá atrás.
Aguardava-se um jogo de paciência de Portugal e era paciência que ia demonstrando não perder. Sempre com mais bola, a seleção nacional ia encontrando esperança nas arrancadas de Rafael Leão ou nos cruzamentos de Bernardo Silva, que não raras vezes iam deixando em muito posição ora Ronaldo, ora Bruno Fernandes, sempre muito próximos.
Foi preciso esperar 37 minutos para a primeira jogada de perigo real da Eslovénia. Um corte mal medido abriu uma autoestrada a Petar Stojanovic, que só não entregou de bandeja o golo a Sporar porque o bombeiro Nuno Mendes veio apagar o fogo que ele próprio tinha ateado no início da jogada. Estava melhor a Eslovénia, mais subida, e já perto do final da primeira parte foi a Eslovénia que esteve perto de sorrir. Sesko, estrela do Leipzig, o nome mais sonante dos eslovenos, procurou a sorte com um remate de longe. Diogo encaixou sem dificuldades, naquela que foi a primeira defesa do guardião do FC Porto.
Os últimos minutos do primeiro tempo foram frenéticos, com o jogo a partir-se, e foi por pouco que não terminou em glória para a seleção portuguesa. Rafael Leão encontrou Palhinha à entrada da área e o médio do Fulham atirou ao poste, segundos antes do árbitro italiano Daniele Orsato apitar para o final da primeira parte.
Dos primeiros 45 minutos, em suma, ficava sobretudo o ascendente português, apesar de insuficiente para contrariar a boa agressividade eslovena, que ia segurando o nulo no marcador.
2.ª parte: Paciência, paciência, paciência (sim, o título é mesmo assim, repetido)
Sem mexidas ao intervalo, o segundo tempo iniciou com duas investidas eslovenas, que apesar de não se traduzirem em situações de perigo iminente, reforçavam a ideia de que a Eslovénia, frente a Portugal, não queria apenas defender.
Este 'sui generis' autocarro esloveno ia sabendo como sair do estacionamento com critério, voltando à posição base a tempo e horas, sem permitir imprevistos. Mas a desenvoltura eslovena ia oferecendo mais espaços, ocupados de forma mais inteligente pela seleção nacional.
Sempre a rondar a baliza de Oblak, a equipa lusa parecia estar mais próxima do golo, mas foi precisamente nesse momento que a Eslovénia teve aquela que foi, provavelmente, a maior ocasião do encontro até então. A arma do contra-ataque só não foi letal por Sesko - quem mais? - não concluiu o enorme sprint da forma que pretendia. Passou por Pepe a voar, sim, a voar, e só falhou no momento da finalização, completamente desajeitada para alívio de Diogo Costa e dos que, atrás dele, enchiam um dos topos do Waldstadion.
Por esta altura, Roberto Martínez lançava Diogo Jota para o lugar de Vitinha. Ficou Bruno Fernandes no miolo a fazer o lugar do médio do PSG e o avançado do Liverpool colava-se a Ronaldo na frente de ataque.
O tempo passava a voar, sobretudo na perspetiva portuguesa, que aos 70 minutos continuava sem marcar, algo que desejava fazer o mais cedo possível, de forma a poder destruir precocemente a estratégia da Eslovénia. E essa incapacidade parecia notar-se no jogo da seleção, ansioso e menos paciente. Pelo contrário, e notava-se nas bancadas, os adeptos eslovenos iam acreditando que era possível fazer algo mais. A reação lusa mais eufórica chegou fora das quatro linhas, no momento em que Francisco Conceição saltou do aquecimento para entrar em jogo. O relógio marcava 75 minutos de jogo.
Queria Martínez agitar o jogo, desbloquear a barreira eslovena, mas dez minutos depois da entrada de Conceição, Portugal continuava longe da baliza de Oblak. Chico, à esquerda (e não à direita, onde se sente mais confortável), pedia mais bola, que raramente lhe chegava aos pés. E com o jogo a chegar ao fim, percebia-se também a apreensão da equipa portuguesa, receosa de ser surpreendida com um contra-ataque. Do outro lado, a festa continuava intacta. Sem nada esperar, estar empatado com Portugal a poucos minutos do fim era motivo de enorme alegria nas bancadas e de tamanha confiança no relvado.
E foi já com Chico do lado direito - terá lido Martínez? - que Cristiano Ronaldo esteve perto, tão perto de colocar um ponto final na partida. Valeu Oblak, que agarrou firme.
Nos descontos, muitos nervos de parte a parte. Um jogo taticamente desfeito em pedaços, carregado de emoção, que resistiu a qualquer golo. Chegava o prolongamento e ao meu lado, dois jornalistas eslovenos, olhavam para o outro com uma cara que nem consigo descrever.
E agora?
Era o que perguntava qualquer adepto português ao fim dos 90 minutos. E agora? Afinal, talvez seja bom lembrar, o valor do plantel português, mais de 1054 milhões de euros, contra os 142 milhões de euros da Eslovénia, supunham uma tradução mais expressiva da discrepância clara de qualidade individual entre aa duas equipas. Mas o futebol, caro leitor, caso não se recorde, é um desporto coletivo. E nesse âmbito, não podemos dizer que até ao prolongamento uma equipa tenha sido melhor do que a outra. Não foi. Porque uma foi melhor a atacar, a outra tremendamente boa a defender.
A chegada ao prolongamento era recebida nas bancadas de forma quase antagónica. O receio nos olhos dos portugueses, a euforia nas gargantas dos eslovenos. Deve ter-se apercebido de que já faz algum tempo que não lê qualquer referência a um lance de perigo. Pois bem, tem razão, mas não se trata de qualquer esquecimento. O jogo assim decorria, com demasiado sangue nas veias, mas cada vez menos cerebral. E com isto a bola escaldava, mas longe das balizas.
Até que, já passava dos 100 minutos, Jota levou às suas costas 10 milhões de portugueses, só travados pela perna de Vanja Drkusic já dentro da área. Ronaldo rapidamente segurou na bola, não podia ser de outra forma, ainda se esperou pelo VAR, mas era mesmo grande penalidade. O capitão concentrava-se, Oblak tentava distraí-lo, Rúben Dias colocava-se à frente para que nada desestabilizasse Ronaldo. Olhou, partiu em direção à bola... e falhou. Uma enorme intervenção de Oblak devolvia o sorriso aos eslovenos e deixava Ronaldo em lágrimas. Literalmente.
A equipa ainda estava a consolar Ronaldo quando arrancou a segunda parte, que ficaria marcada por um susto tremendo. Pepe, até então protagonista de um exibição majestosa, atrapalha-se em zona proibida e deixava nos pés de Benjamin Sesko um golo certo. Certo, mas não para Diogo Costa, que se agigantou entre os postes e salvou Portugal de uma hecatombe descomunal. O reconhecimento da importância da defesa chegou assim que o árbitro terminou o jogo, com todos, todos os jogadores e staff agradeceram Diogo Costa e motivaram o guardião para o embate nas grandes penalidades. E em boa hora o fizeram.
Diogo, onde é que queres a estátua?
Aqui, Diogo Costa fez o pleno. Três remates, três defesas! Depois da enorme intervenção ainda no prolongamento, Diogo Costa foi herói. O herói de uma nação. O primeiro foi apontado por Ronaldo, que pediu desculpa aos adeptos assim que bateu Oblak. Depois marcaram Bruno Fernandes e Bernardo Silva. Das lágrimas de tristeza de Ronaldo às de felicidade de Diogo Costa, o jogo com a Eslovénia ficará, certamente, nas primeiras páginas do livro de memórias da seleção nacional.
Quanto à Eslovénia, importa dizê-lo, sai do Euro 2024 sem nunca ter perdido no tempo regulamentar. Quatro jogos, quatro empates. E uma réplica extraordinária: pela entrega, pela forma como soube sofrer, pelo heroísmo demonstrado ao longo de toda a partida. Despede-se de cabeça levantada e, quanto a Portugal, segue-se a França, que dispensa apresentações. Não é, Éder?
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