Dois jogos, seis pontos. Depois da dúvida provocada pela vitória sofrida no primeiro encontro, a seleção portuguesa não só garantiu frente à Turquia a qualificação para os oitavos-de-final, como assegurou o primeiro lugar do grupo. Um dado relevante, uma vez que, em teoria, consegue evitar um adversário mais sonante na próxima fase do Euro.

Depois de uma entrada impetuosa da Turquia, que apesar de tudo raramente fez estremecer a muralha lusa, Portugal conseguiu colocar em campo a sua supremacia qualitativa e com a ajuda preciosa de uma sequência de erros defensivos cometidos pelo adversário. Um dado que em nada retira mérito à seleção, que soube aproveitar com mestria as ofertas da Turquia.

Bernardo Silva abriu o marcador, Samet Akaydin marcou na própria baliza e Bruno Fernandes, já na segunda parte, encostou para o fundo das redes uma bola oferecida de bandeja por Ronaldo.

A título individual, destaque para a enorme exibição de Pepe, que aos 41 anos continua a mostrar não os ter. Um jogo soberbo do experiente defesa, que aos 83 minutos recebeu uma merecida ovação aquando da sua substituição. Uma decisão de Martínez que ilustra bem a importância de Pepe, cuja gestão física exige-se criteriosa e muito bem medida. Tal como aconteceu.

Venham de lá os 'oitavos', mas antes, na próxima quarta-feira, há duelo com a Geórgia.

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A vitória da razão sobre a emoção

E de repente, qual teletransporte, estávamos em Istambul. Foi a sensação com que qualquer português presente no Signal Iduna Park ficou no início do fervoroso Portugal-Turquia.

Até para os mais apaixonados por futebol, chegava a ser incómodo o ensurdecedor apoio turco, em clara maioria populacional e sonora nas bancadas do Estádio do Dortmund, mais do que habituado a estas andanças.

Empurrados pelos cânticos quase bélicos, a Turquia cedo se aproximou da baliza de Diogo Costa e com perigo. Apesar disso, logo aos 2 minutos, o ímpeto turco, um tanto ou quanto descontrolado taticamente - como já se previa - permitiu um contra-ataque rápido após uma perda de bola em zona proibida.

O aviso foi deixado por Ronaldo, mas sem perigo. O mesmo não se pode dizer do que aconteceu 5 minutos depois, agora na baliza de Diogo Costa. Kerem Akturkoglu esteve muito perto de abrir o marcador, mas Rúben Dias disse presente com um corte 'in extremis'.

Portugal mostrava alguma dificuldade em segurar a bola, muito por causa da pressão exercida pela Turquia, muito forte nos duelos e quase sempre a ganhar as segundas bolas. Apesar do gigante coração, à seleção turca faltava, aqui e ali, maior discernimento e sobretudo equilíbrio sempre que perdia a bola.

O exemplo mais flagrante coincidiu, aos 22 minutos, com o golo de Portugal. Tudo começou em Rafael Leão, um dos melhores até então, que soube ver a tempo e horas a desmarcação de Nuno Mendes. Ao lateral bastou levantar a cabeça e encontrar Bernardo Silva -  feliz só e abandonado no meio da área -, ele que foi tão criticado no jogo com a Chéquia. De frente para a baliza, o médio do City atirou sem hipóteses para Altay Bayındır.

Quase sem tempo para digerir o golo sofrido, que afetou notoriamente a equipa turca, Portugal lançou-se para o ataque à boleia de Cancelo. O passe para Ronaldo, que se desmarcava, não chegou ao destinatário, mas teve o efeito desejado. E tudo porque Samet Akaydin decidiu atrasar a bola para o guarda-redes sem levantar a cabeça. A bola, essa, acabou no fundo das redes, apesar do esforço inglório de Altay Bayindir, que tudo tentou para evitar o segundo golo. Uma trapalhada descomunal do defesa central turco que se representava um duro golpe para as ambições turcas, já melindradas com o primeiro golo encaixado.

Foi o sexto autogolo neste Euro 2024, num registo que caminha a passos largos para ultrapassar o registo recorde de 11 golos marcados na própria baliza, no Euro 2020.

A vencer por 2-0, a seleção assentou o seu jogo, mais tranquila, menos titubeante no processo ofensivo, mas nem por isso se poupou a um calafrio. Mais uma vez por intermédio de Akturkoglu, a Turquia esteve perto de reduzir a desvantagem. O extremo passou habilmente pela defensiva portuguesa, mas no momento chave perdeu o duelo com Diogo Costa, que após um remate rasteiro defendeu para canto.

Ao fim dos primeiros 45 minutos, apenas uma má notícia para Portugal. O amarelo para Rafael Leão por simulação, o segundo neste Europeu e pelo mesmo motivo do primeiro, que deixa o avançado do AC Milan fora do jogo com a Geórgia. A seleção nacional ia para o intervalo a vencer, e de forma justa, depois de resistir à fortíssima entrada em campo da Turquia, sabendo aproveitar as falhas defensivas e a pouca estabilidade emocional turca, muita crítica da arbitragem na maioria dos lances disputados.

A vencer por 2-0, Martínez lançou para o jogo Rúben Neves, para o lugar de Palhinha, e Pedro Neto, para o lugar do já amarelado Rafael Leão. De forma quase antagónica relativamente ao início da primeira parte, a segunda metade começou claramente com ascendente de Portugal, muito tranquilo e sem se expor a sobressaltos. Por outro lado, à Turquia continuava a faltar-lhe sobretudo discernimento, com uma série de erros não forçados. Nos primeiros 10 minutos um remate de muito longe de Yusuf Yazici foi o melhor que a Turquia conseguiu, o que se revelava obviamente insuficiente para a desejada reviravolta.

A tranquilidade de um lado e a falta dela do outro, deixavam evidente o desfecho da partida. E se dúvidas houvesse, a trapalhada de Zeki Çelik, com uma tentativa de corte completamente falhada, dissipou-as. Na cara do golo ficou Cristiano Ronaldo, que abdicou do rebuçado para que Bruno Fernandes adoçasse o pé.

Assim foi. O lance, de tão estranho pela tamanha facilidade com que tudo aconteceu, chegou a parecer precedido de fora-de-jogo. Mas não. Tudo limpo e estava feito o terceiro, dez minutos depois de ter arrancado a segunda parte. Com ele, moldava-se o marcador final com uma machadada quase definitiva nas aspirações turcas, suficientemente abaladas para vislumbrar qualquer reação.

E de facto, o decurso do jogo provou isso mesmo. Uma segunda parte sem história, que até permitiu fazer uma gestão do esforço físico dos titulares, já a pensar nos próximos jogos, especialmente o dos oitavos-de-final.

Aliás, do segundo tempo, ficaram sobretudo as incursões dos adeptos mais destemidos, prontos a fazerem sprints em direção a Cristiano Ronaldo, desagradado com as evidentes fragilidades da segurança. Um deles, uma criança que não tinha mais do que 8 anos, levou no telemóvel a fotografia e no coração aquele momento, que nunca esquecerá.

Saiu sob um enorme aplauso dos adeptos turcos, que se pudessem, atrevo-me a dizer, faziam o mesmo. Porque à falta de um resultado melhor, Ronaldo era mesmo o ponto alto da tarde. E ali tão perto. Demasiado perto, percebemos agora.

*Reportagem na Alemanha com Evandro Delgado e Afonso Trindade de Araújo, enviados especiais do SAPO Desporto