Mohamed Salah é a estrela do futebol egípcio dos últimos anos. O extremo tem brilhado ao serviço do Liverpool, mas isso não melhorou em nada a imagem do desporto-rei neste país africano. Antes pelo contrário.
Neste dia 8 de fevereiro cumprem-se quatro anos desde a última tragédia que envolveu polícia e adeptos num jogo de futebol no Egipto. Mas a história de mortes e violência, que continuam a devastar o futebol egípcio, começou bem antes nos confrontos de 2012 em Port Said, e que até tiveram um português como protagonista.
A tragédia de Port Said ocorreu no primeiro dia de fevereiro de 2012 após um jogo entre o Al-Masry e o Al-Ahly no Estádio de Port Said, no nordeste do Egito. Na altura, Manuel José, antigo treinador do Benfica, orientava o Al-Ahly, foi alvo dos 'ultras', tendo levado socos e pontapés.
Nessa quarta-feira negra, 74 pessoas morreram. Além destas vítimas mortais, os confrontos causaram 188 feridos, de acordo com o balanço oficial do governo, mas outras fontes indicam que o número pode rondar os mil.
Os confrontos começaram mal o árbitro deu por terminado o jogo em que o Al-Masry impôs a primeira derrota da temporada ao Al-Ahly (3-1), na 17.ª jornada do campeonato egípcio, com os adeptos do Al Masry (de Port Said) a atirarem pedras, tochas e garrafas para os do clube adversário, o Al-Ahly, do Cairo, à época treinado por Manuel José, tendo inclusive ferido alguns jogadores.
O delegado de saúde de Port Said, Helmy Ali al Atny, explicou na altura que a maioria das mortes resultou de fraturas no rosto e hemorragias internas, mas que também houve um grande número de feridos devido à queda de grades de proteção do estádio de Port-Said.
Os jogadores do Al-Ahly foram conduzidos ao balneário, depois de serem perseguidos pelos seguidores do Al-Masry, que, segundo Manuel José, provocaram pequenas invasões de campo a cada golo da equipa local.
Aquele que é um dos piores incidentes de sempre em eventos desportivos estendeu-se a um estádio do Cairo, onde se disputava o jogo entre o Al-Ismailiya e o Zamalek, com parte das bancadas a serem incendiadas. Os confrontos entre autoridades e habitantes locais prolongaram-se durante vários dias.
Após estes desacatos, a Federação Egípcia de futebol decidiu suspender indefinidamente o campeonato da primeira divisão.
Nova tragédia em 2015
Desde estes incidentes que o Ministério do Interior egípcio tem limitado o número de bilhetes. Em dezembro de 2014, as autoridades egípcias decidiram autorizar o regresso, em número limitado, de espetadores a alguns jogos do campeonato da primeira divisão de futebol.
Foi já em fevereiro de 2015 que se realizou o primeiro jogo com presença de público desde a tragédia de Port Said. Esta 'benece' não podia ter terminado pior já que resultou numa nova tragédia que cumpre hoje quatro anos. Pelo menos 22 pessoas morreram e outras dezenas ficaram feridas.
O dérbi entre os rivais Zamalek, que tinha confirmado Jesualdo Ferreira como novo treinador, e o Enbu decorreu com as bancadas do Estádio Defesa Aérea, no Cairo, ocupadas e não à porta fechada, como tinha vindo a acontecer desde 2012, desde os episódios de violência ocorridos no estádio de Port-Saïd.
Neste jogo, apenas dez mil adeptos podiam entrar no estádio, que tem capacidade para 30 mil, tendo os bilhetes esgotado rapidamente assim que foram colocados à venda.
De acordo com o ministro da Saúde egípcio, citado pela Agência France Presse, os confrontos começaram à porta de um estádio, situado na zona nordeste da cidade, depois de alguns adeptos terem tentado forçar a entrada no local para assistirem à partida.
Os adeptos que fazem parte do grupo Ultra White Knights (Cavaleiros Brancos, em português), desprovidos de bilhete, tentaram forçar a entrada no estádio para poderem assistir ao jogo, disse na altura a polícia.
"Um grande número de adeptos do Zamalek apareceram no estádio Air Defense para ver o jogo e tentaram entrar à força, o que levou os militares a impedirem a continuação do assalto", afirmou o ministro do Interior, citado pela agência Reuters.
Os agentes da polícia usaram gás lacrimogéneo para dispersar os adeptos, que, de acordo com a polícia e testemunhas, responderam com 'very lights' e incendiaram viaturas que estavam estacionadas nas imediações do estádio. A maioria das vítimas mortais acabou por morrer sufocada ou pisada pela multidão que começou a protestar pelo uso do gás lacrimogéneo.
Após estes confrontos, a liga de futebol no Egito foi, novamente, suspensa por tempo indeterminado e foram emitidos mandados para a detenção dos líderes da claque do Zamalek. Apesar da violência, o jogo foi realizado e terminou com um empate a uma bola.
Dias depois, o Ministério Público egípcio ordenou a libertação de 18 pessoas suspeitas de terem participado nos incidentes. As pessoas libertadas pertenciam aos 'ultras' do Zamalek, e foram colocados em liberdade após o pagamento de uma fiança de 200 libras egípcias (cerca de 23 euros).
Público nos estádios volta a ser permitido em 2018
Em fevereiro de 2018, a federação egípcia de futebol revelou que as autoridades egípcias permitiram que os jogos do campeonato nacional possam ter assistência, até um máximo de 300 adeptos.
“A decisão aplica-se ao campeonato egípcio e é restringida a 300 espetadores por jogo, mas este número poderá ser aumentado nos jogos da Taça do Egito, dentro de algumas semanas”, disse à agência France Press, Mostafa Tantawi, assessor de comunicação da federação, o qual ressalvou, todavia, que os clubes “serão responsabilizados pelas ações dos seus apoiantes”.
Em setembro de 2017, um tribunal do Cairo condenou 14 adeptos, entre os quais ‘ultras’ do Zamalek, a sentenças entre dois anos e prisão perpétua por terem participado em confrontos.
Já em dezembro desse mesmo ano, 28 adeptos do Al-Ahly foram sentenciados por um tribunal de Alexandria a um ano de prisão por usarem ‘t-shirts’ em homenagem aos que pereceram no estádio de Port Said, apelidados de mártires.
Os últimos tempos no Egito têm sido calmos em termos de confrontos entre polícia e adeptos, mas existe sempre o receio de que possa voltar a suceder até porque as relações entre as forças de segurança e os ‘ultras’ dos clubes, em particular do Al-Ahly e do Zamalek, que são os mais ativos, permanecem tensas.
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