Manuel Machado disse este domingo que os clubes pequenos são ´carne para canhão` e apelou a um maior equilíbrio financeiro na Primeira Liga, sob pena de o futebol acabar no futuro. O treinador do Moreirense tem razão, mas essa é a realidade de quase todos os países, em que há clubes grandes e pequenos, no que toca a capacidade financeira e de massa adepta.

As discrepâncias orçamentais não são e estão longe de ser um exclusivo da I Liga portuguesa. Em Espanha, ´mandam` Real Madrid e Barcelona, em Itália é a Juventus, com o Inter e o AC Milan a tentarem reagir esta época. Em França há o PSG, depois um pouco o Mónaco, Marselha, e mais abaixo, o resto. Em Inglaterra, onde dinheiro não falta, clubes como Manchester City, Manchester United e Chelsea tem orçamentos muito superiores aos demais, logo, estão mais perto de serem campeões. Na Alemanha é o Bayern Munique quem domina a seu belo-prazer. No futebol, haverá sempre quem tenha de ser ´carne para canhão`.

Abel ´picou` Rui Vitória com a questão dos orçamentos

A questão dos orçamentos para esta época nem foi levantada em primeira mão por Manuel Machado. Aquando da derrota do SC Braga para o Benfica por 3-1 na Luz, Abel Ferreira queixou-se das diferenças de orçamentos entre os dois clubes para explicar o que separava minhotos de ´encarnados`. E sublinhou que estava curioso para ver o que faria o Benfica na Champions frente a clubes como Real Madrid, Barcelona, Manchester United, emblemas com outras capacidades financeiras.

Rui Vitória respondeu-lhe, lembrando que já fez muito com orçamentos muito baixos (V. Guimarães) e que o Feirense, com muitos menos capacidade que o SC Braga, só ficou dois lugares abaixo dos minhotos na tabela na época passada.

Mas numa coisa Abel Ferreira e Manuel Machado têm razão: é preciso atenuar a diferença entre os ditos ´três grandes` e os outros clubes, diferença essa que tem vindo a aumentar nos últimos anos.

Enquanto clubes como o Benfica,tem um orçamento de 150 milhões de euros para esta época, e Sporting e FC Porto têm valores acima dos 100 milhões de euros para gastar nos respetivos planteis, os pequenos sobrevivem com orçamentos de sete, cinco ou até três milhões de euros. Por isso é que será quase impossível um clube como o Braga ou Vitória de Guimarães (os que vem a seguir aos ´três grandes` no que a capacidade e orçamento diz respeito), ganhar a Liga de Futebol. A diferença é muita. E quando se compara um FC Porto com um Moreirense, por exemplo, a diferença é ainda maior.

Descentralização dos direitos de TV retirou capacidade financeira aos ´pequenos`

Parte dessa diferença poderia ser atenuada com a descentralização dos direitos de transmissão dos jogos, mas os ´três grandes` ´deram cabo` do negócio e deixaram os pequenos a fazerem contas à vida. Benfica, FC Porto e Sporting assinaram contratos individuais com as operadoras NOS e MEO, levando os outros clubes a seguirem os mesmos caminhos. Mas os valores pagos a um dos três grandes nem se compara com o que cada ´pequeno` irá receber.

Pela cedência dos direitos dos jogos a dez anos mais a exploração do canal do clube, o Benfica irá receber 400 milhões de euros (está em negociações com a NOS para aumentar esse valor); o FC Porto recebe 457 da MEO pela exploração do canal do clube, dos direitos de TV e publicidade nas camisolas e no estádio nos próximos dez anos. O Sporting arrecadará 515 da NOS pelo mesmo período pelos direitos de TV, publicidade no estádio e nas camisolas e canal do clube.

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E lá fora, como estão as contas?

Abel Ferreira tinha razão quando apontou a questão do orçamento entre os principais clubes portugueses e os que são candidatos a vencer a Champions. E isso explica o porquê de só o FC Porto ter vencido a Champions na sua versão atual, num ano atípico da competição. E explica também que o máximo que os portugueses têm conseguido são os quartos-de-final, algo já de si é muito positivo, quando se compara as capacidades financeiras dos clubes presentes na prova.

Manda quem pode, o resto também é ´carne para canhão`

O Manchester United, de José Mourinho, é o clube com o maior orçamento em Inglaterra para 2017/2018, de acordo com dados do site ´sportune.fr` Os ´red devils` contam com 655 milhões de euros para gastar no plantel esta época, contra 548 do Manchester City e 472 do Chelsea.

Em Inglaterra, onde os direitos de TV estão centralizados, a média de orçamento para cada clube cifra-se nos 243 milhões de euros. Não é de admirar que clube como o Everton, por exemplo, tenha comprado um jogador como Sigurdsson por 49 milhões de euros. E é um clube que luta por um quinto ou sexto lugar. O Watford, que luta para não descer, tem 113 M€ disponíveis para investir no plantel esta época. São números quase idênticos aos dos três grandes do futebol português.

Na Alemanha o cenário repete: há o Bayern Munique, o Dortmund aproxima-se um pouco e depois há os demais. De acordo com dados do site ´Sportune` relativos a época passada (2016/2017), os bávaros tinham um orçamento de 570 milhões de euros, contra os 360 M€ do Borussia Dortmund. A média de orçamento dos clubes na Bundesliga cifrou-se nos 135,5 M€. O SV Darmstadt 98, por exemplo, tinha um orçamento de 27,7 milhões de euros. A diferença para o Bayern era abismal.

Dentro de campo, a diferença entre as equipas no que toca ao ´budget` disponível pode ser diluído com uma melhor organização e capacidade de um bom treinador formar um grupo coeso capaz de ir além das suas capacidades. Foi o que fez o RB Leipzig, por exemplo, que, com um orçamento de 79 milhões de euros, ficou no terceiro lugar da Bundesliga, à frente de clubes como o Bayer Leverkusen, Schalke04, Borussia Mönchengladbach, Wolfsburgo e Colónia, que tinham orçamentos maiores.

Na vizinha Espanha o cenário é idêntico e também lá os pequenos são ´carne para canhão`. O Atlético Madrid tem sido o único clube a intrometer-se na luta pelos títulos que tem ficado quase sempre nas mãos de Barcelona e Real Madrid, os clubes com maior capacidade financeira.

Na temporada passsada, o Barcelona, por exemplo, contou com 695 milhões de euro de orçamento, num ano em que teve receitas recordes de 708 milhões de euros. Para se ter uma ideia, o Alavés tinha 49 milhões de euros para gastar no plantel em 2016/2017.

Na Champions também são sempre os mesmos

Se nos centramos na Liga dos Campeões, é possível ver que os que lutam pelo título são sempre os clubes que dispõem de maior capacidade financeira.

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O Real Madrid, que venceu a prova na temporada transata, tinha o segundo maior orçamento (610 milhões de euros), só batido pelo rival Barcelona que tinha 695 milhões, de acordo com o jornal espanhol Marca (o Sportfortune diz que o orçamento culé foi de 585 M€]. O Bayern Munique, com 515 e o PSG, com 500, fecharam o lote de clubes com meio milhão ou mais para investir. Seguiram-se Manchester City (474), Arsenal (455), Chelsea (471), Liverpool (385), Juventus (380) e Borussia Dormund (352) no top-ten.

Soluções: regras mais apertadas do fair-play financeiro, tetos salariais

Os principais clubes europeus já começam a ficar preocupados com os valores gastos em transferências esta época. O Bayern Munique foi dos primeiros a pedir um maior controle por parte da UEFA. O presidente do organismo, Aleksander Ceferin, já admitiu a possibilidade de colocar entraves às loucuras do mercado e limitar a diferença entre as equipas mais ricas e as restantes. Uma delas passa por impor um teto salarial.

"Os clubes com melhor saúde financeira estão a ficar mais ricos e a diferença entre eles e os restantes está a aumentar. No futuro, vamos ter em séria consideração a possibilidade de limitar os orçamentos dos clubes para os salários dos jogadores. A introdução de um teto salarial forçaria os clubes a serem mais racionais. Será uma grande batalha e ganhá-la seria, na minha opinião, uma mudança histórica", sublinhou o dirigente esloveno, de 49 anos.

Do fair-play financeiro ao doping financeiro. Como o PSG contorna as regras da UEFA
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Em 2012 a UEFA tinha criado a regra do Fair Play Financeiro, com o objetivo de impedir que as equipas gastassem mais do que o valor das receitas que geravam, mas a aplicação destes regulamentos acabou por ser suavizada nos últimos anos de modo a tentar incentivar o investimento.

PSG acusado de doping financeiro

Clubes como o PSG, o Manchester City e o Chelsea estão a ser acusados contornar as regras, recorrendo ao ´doping financeiro`. O PSG, que está nas mãos do governo do Qatar através de vários fundos, criou um sistema que permite contornar as normas do fair-play financeiro. Tudo começou com um patrocínio anual de 150 milhões de euros com a Emirates, um valor que é o triplo do que recebe os principais emblemas europeus em contratos do género.

Para contornar as regras do fair-play financeiro da UEFA e aumentar as receitas, o clube liderado por Nasser Al-Khelaïfi vai agora assinar mais contratos com marcas relacionadas com o governo do Qatar, capazes de colocar dinheiro no clube: o Instituto do Turismo e uma entidade financeira.

A UEFA quer colocar mão nisto tudo antes que o futebol se torne num restrito clube de... clubes milionários.