O futebol há muito que se tornou numa indústria lucrativa que gera milhões de euros todos os anos. Os clubes passaram a ser Sociedades Anónimas Desportivas cotadas em bolsa e os jogadores passaram a ser activos de uma empresa que está obrigada a garantir lucro.
No processo evolutivo do fenómeno desportivo que é o futebol, surgiu em Portugal na década de oitenta a figura do empresário de futebol. Com percentagens nas transferências e nos salários dos jogadores que podem ultrapassar os 5%, os empresários de futebol tornaram-se mais que um simples agente na intermediação de transferências.
Artur Fernandes, presidente da ANAF (Associação Nacional de Agentes de Futebol), é empresário de jogadores e conhece bem a realidade do fenómeno desportivo em Portugal. Em entrevista ao SAPO Desporto, o agente FIFA explicou que a profissão de empresário de futebol surgiu naturalmente e que foi evoluindo de acordo com as novas realidades comerciais.
Como surgiu esta profissão em Portugal?
«Com o “boom” que o futebol teve, principalmente no início da década de 80 do século passado, e com todas as relações comerciais que a partir daí se estabeleceram, houve também a necessidade de se criar o intermediário no mundo do futebol que depois a determinada altura percebemos que ser só intermediário não era solução. Devíamos também ser gestores de carreira».
Que tipo de relação tem um empresário com os seus jogadores para além de intermediário nas eventuais transferências?
«Nós também somos gestores de carreiras, temos de acompanhar os nossos jogadores dia apos dia, mais as famílias mais os amigos, os problemas que eles têm, hoje não estão bem neste clube querem mudar, hoje o treinador não os pôs a jogar estão um bocadinho tristes e querem desabafar com alguém, e portanto o telefone tem que estar sempre ligado 12 meses ao ano, 24 horas por dia, para tentar acompanhar esta juventude que bem merece e que tem feito um trabalho fantástico por Portugal».
E qual o papel do empresário junto dos outros agentes desportivos?
«O agente tem um papel, sem ser um papel de protagonismo, central porque diariamente falamos com toda a gente relacionada com o futebol. Por exemplo, um jogador raramente fala com os dirigentes, os jogadores raramente falam com outros treinadores, os jogadores raramente falam com directores desportivos. Nós, diariamente, falamos com presidentes, directores desportivos, técnicos, jogadores, comunicação social e até alguns sócios, portanto, nós vivemos de facto no coração do vulcão, estamos ali mesmo no centro e de facto temos uma informação e uma perspectiva diferente de todas as coisas»
Todos os anos, mal terminam as competições oficiais, o mercado de transferências de jogadores torna-se na actualidade desportiva. São centenas de nomes de jogadores apontados aos clubes e muito poucos são aqueles que acabam por vir. Por que razão acontece isto e qual a influência dos empresários neste período de especulação?
«Acho que tem muito de tudo. Tem muito de especulação, tem um bocadinho de mal-entendido e tem um bocadinho de trabalho efectuado pelo próprio clube. Os clubes que trabalham a este nível, a alto nível, têm a preocupação durante a época desportiva de sondar dezenas de jogadores e de preparar a eventual saída do Coentrão, preparar a eventual saída do Falcao, preparar a eventual saída do Matías Fernandez. Portanto, os departamentos de futebol destes clubes e de outros durante o ano têm a obrigação e a competência para ir por esses campeonatos fora e mandar convites ou pedidos de convite para ver jogos no Uruguai, na Argentina, no Brasil, na Escandinávia, em África, onde que quer que seja… Quando estas pessoas da Europa visitam estes países, eles ficam com um apontamento do lado de lá. Então nesta altura em que eles querem vender e promover os seus jogadores eles dizem: “O Porto também cá esteve”, “o Benfica também cá esteve” “ o jogador até é capaz de interessar ao Sporting” e estou convencido que poucos virão neste jogo de promoção. É uma questão de entendimento também porque lhes interessa, porque ao dizer que há um clube português interessado se calhar conseguem vender a um francês ou a um clube espanhol ou vice-versa. É mais publicidade e tentativa de promoção. Eles quando sabem que houve um pequeno interesse de um clube português ou de um clube espanhol metem logo com alguma força o nome na comunicação social».
Como é a vida de um empresário de futebol neste período de transferências?
«Absolutamente intenso, porque as pessoas querem tudo para ontem e nós compreendemos a necessidade que os clubes têm, não só de vender mas também de contratar. Preparar os seus plantéis para daqui a três ou quatro semanas já se iniciar uma nova época e portanto percebemos a intensidade e a pressão das relações».
Considerando a época passada, qual dos três grandes irá movimentar mais o mercado de transferências?
«Estou convencido, por aquilo que tenho acompanhado, que o Sporting está com ideias de começar de novo. Pareceu-me das palavras do novo presidente e do seu departamento de futebol que tem de facto a perspectiva de fazer uma grande remodelação e recuperar alguns anos perdidos. É natural que o Sporting perca mais jogadores do que os outros próprios clubes porque tem nesta altura mais carências e conseguiu menos objectivos quer procurá-los, e se não foram obtidos com aqueles jogadores devem sentir-se mais na obrigação de reformular o seu próprio plantel e também a sua própria organização no futebol. É natural que normalmente quem não consegue obter resultados faça tudo para os conseguir alcançar no ano seguinte. Nesta perspectiva acho que é o Sporting que vai sentir mais alterações.»
Nos últimos anos temos assistido a uma vaga de jogadores estrangeiros no futebol português. Acha que a carreira dos jogadores portugueses pode vir a ser afectada no futuro, uma vez que se está a apostar em jogadores estrangeiros cada vez mais jovens?
«Pelo menos ao nível da II B e da III Divisão deveria haver um maior impedimento a nível de jogadores estrangeiros. Acho que era nestes sectores que devíamos lançar os jovens jogadores portugueses. Começar aos 18/19 anos e metê-los nas II B e III Divisão e esperar aquela ponte extraordinariamente difícil que é a passagem de Júnior para Sénior e ver se eles conseguem de facto dar o salto e a partir daí integrá-los, aos bons, nos campeonatos profissionais. Ao nível dos campeonatos profissionais existe de facto um número de estrangeiros elevado mas nós não podemos ser ingratos a tudo de bom que foi feito no futebol português nos últimos anos».
Mas com tantos jogadores para tão poucos clubes, o que acha que deveria ser feito a nível estrutural para dinamizar o futebol português?
«Devíamos repensar a organização dos quadros competitivos. Parece-me que para quem tem tanta qualidade no futebol uma montra de dezasseis clubes é curta, porque quando temos um produto bom queremos ter também uma montra grande para mostrar o nosso próprio produto e se nós tivéssemos 18 ou 20 equipas teríamos na primeira liga mais quatro técnicos principais com emprego, mais quatro adjuntos, mais preparadores físicos e quatro técnicos de guarda-redes dávamos emprego a mais 16 treinadores. Dava-mos emprego a mais cem jogadores, a uma média de 25 por plantel, isso aumentava o nosso mercado e os miúdos que veem da formação já teriam mais espaço e se fizermos essa comparação e analogia para a II Liga seriam mais 100 jogadores e 16 treinadores isto dava um total de 200 jogadores e 32 treinadores, já para não falar em receitas que eventualmente teriam por direitos televisivos esses mais dois ou três ou quatro clubes na primeira liga. Acho que se somos bons em futebol devemos ter uma montra grande. Houve a determinada altura quem achasse que a solução para o futebol português era reduzir para 12 equipas, vejam o que se passa na Escócia, não se passa nada, são duas equipas sempre a ganhar e não se passa nada, e portanto se nós somos bons devemos ter a pretensão de ter uma montra grande para que as pessoas passem e possam ver».
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