Além de anunciar a instauração de um processo disciplinar, o Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol emitiu um comunicado público, algo que o próprio conselho afirma ser "raríssimo", onde aborda o caso Marega, devido à "repercussão social que teve".
O CD afirma que nunca se demitiu e que nunca se demitirá das responsabilidades que lhe são impostas, enumerando algumas das decisões "severas" já aplicadas.
"O Conselho de Disciplina não cria as normas que lhe é dever aplicar. Ao Conselho cabe a tarefa - não isenta de dificuldades - de aplicar as normas aprovadas pelos órgãos com competência para tal", escrevem, antes de realçar as limitações existentes no trabalho da CD.
"Perante tais normas, de acordo com o que elas estipulam, o Conselho não dispõe da liberdade de aplicar sanções para além das balizas que lhe são (legitimamente) impostas", realçaram.
O orgão, presidido por José Manuel Meirim, realça que para condenar um clube num caso deste género é necessária prova, que terá de ser obtida durante a instrução.
Leia o comunicado na integra:
"1. Este fim de semana, nas competições profissionais de futebol, registou-se mais uma situação de violência cujos factos serão, necessariamente, apurados em adequado procedimento disciplinar.
2. Pela repercussão social que teve, entende-se ser útil uma expressão pública deste órgão, algo que é raríssimo, & deve ser excecional, mas que, neste caso, se julga perfeitamente justificado.
3. Este Conselho de Disciplina (mandato 2016/2020), quer nas competições desportivas não profissionais, quer nas profissionais, tem como uma das suas bandeiras o sancionamento das infrações disciplinares que têm por base comportamento incorreto e violento do público.
4. Mas foi bem mais longe.
É já apreciável o número de decisões —algumas delas pendentes de recurso no Tribunal Arbitral do Desporto — que, nesse âmbito do combate à violência — a todo o tipo de violência — conduziram à aplicação das sanções mais gravosas que os regulamentos disciplinares admitem, como jogos à porta fechada ou interdição de recinto desportivo.
5. Mais longe uma vez mais. Foi com este Conselho de Disciplina, Secção Profissional e Secção Não Profissional, que se aplicaram sanções severas no domínio de discriminações bem mais disfarçáveis, como as que têm por base o sexo ou a orientação sexual.
6. Em suma, o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, nunca se demitiu — bem pelo contrário, é bem ativo —, nem se demitirá, até ao final do seu mandato, das responsabilidades públicas que lhe cabem — sancionando quando exista prova e nos termos dos regulamentos no domínio das patologias mais sérias do futebol.
7. O Conselho de Disciplina não cria as normas que lhe é dever aplicar. A0 Conselho cabe a tarefa — não isenta de dificuldades — de aplicar as normas aprovadas pelos órgãos com competência para tal.
8. Perante tais normas, de acordo com o que elas estipulam, o Conselho não dispõe da liberdade de aplicar sanções para além das balizas que lhes são (legitimamente) impostas.
9. Por outro lado, não pode o Conselho de Disciplina preencher - através da analogia —as falências das normas disciplinares que não cobrem — ou não cobrem devidamente — tudo aquilo que, em dado momento, se entende que deveria estar previsto.
10. Os poderes disciplinares exercidos pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol são poderes sancionatórios de natureza pública e daí decorre que o órgão se encontra bem limitado na aplicação das normas disciplinares, o que faz todo o sentido.
11. Dispõe, por exemplo, o artigo 1139 (Comportamentos discriminatórios em função da raça, religião ou ideologia), do Regulamento Disciplinar das competições organizadas pela LPFP:
"Os clubes que promovam, consintam ou tolerem exibição de faixas, o cântico de slogans racistas ou, em geral, com quaisquer comportamentos que atentem contra a dignidade humana em função da raça, língua, religião ou origem étnica serão punidos com a sanção de realização de jogos à porta fechada a fixar entre o mínimo de um e o máximo de trêsjogos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 200 UC e máximo de 1.000 UC. (destacado nosso)"
12. Ora, como se pode ver com relativa facilidade, sancionar um clube ou uma sociedade desportiva, exigirá, desde logo, prova, a recolher ou não na instrução disciplinar, pelo órgão próprio, que não o Conselho, de que tenha ocorrido, em alternativa, uma situação de promoção, consentimento ou tolerância.
13. A jurisprudência do Conselho de Disciplina, sobre esta norma e a correspondente no Regulamento Disciplinar da FPF, é abundante e encontra—se disponível na página da FPF.
14. O Conselho de Disciplina espera, desta forma, informar o verdadeiro amante do futebol e do desporto em geral. Mais não pode fazer.
Cidade do Futebol, 18 de fevereiro de 2020
José Manuel Meirim
Presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol"
No último domingo, Marega foi substituído ao minuto 71 do jogo da 21.ª jornada da I Liga, entre o FC Porto e o Vitória de Guimarães, depois de ter sido alvo de cânticos e gritos racistas por parte de adeptos da equipa minhota.
Vários jogadores do FC Porto e do Vitória de Guimarães tentaram demovê-lo, mas Marega mostrou-se irredutível na decisão de abandonar o jogo, numa altura em que os 'dragões' venciam por 2-1, resultado com que terminou o encontro. O emblema minhoto pode ser punido com um a três jogos a porta fechada, de acordo o Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) sobre atos que “promovam, consintam ou tolerem” comportamentos racistas.
O artigo 113.º do regulamento em vigor define as sanções a “comportamentos discriminatórios em função da raça, religião ou ideologia”.
A caso ganhou contornos internacionais e foi notícia lá fora, sendo noticiado em várias televisões mas também em jornais online.
Em Portugal, vários clubes mostraram a sua solidariedade para com Moussa Marega, entre eles o Rio Ave, o Sporting, o SC Braga.
O caso extravassou o futebol e foi comentado por vários quadrantes políticos, quase todos a reprovarem os insultos racistas contra o maliano.
Dirigentes e deputados de vários partidos, incluindo os líderes do CDS-PP, da Iniciativa Liberal comentaram na redes sociais condenando os insultos dirigidos ao jogador Marega, do FC Porto.
O primeiro-ministro manifestou também a sua "solidariedade" com Marega e o "repúdio total" por atos racistas contra o futebolista do FC Porto, esperando que "as autoridades ajam como lhes compete" para impedir que voltem a acontecer. Antes, o secretário-geral adjunto do PS, José Luís Carneiro, tinha repudiado os insultos racistas de que foi vítima Marega, salientando que estes atos atentam contra a Constituição e devem ter consequências. Já o Secretário de Estado do Desporto e da Juventude, João Paulo Rebelo, em entrevista à RTP, elogiou a decisão do maliano em abandonar o terreno de jogo.
O Bloco de Esquerda (BE) quer saber que medidas concretas vai o Governo tomar na sequência dos insultos racistas de que foi alvo o jogador do FC Porto Marega durante um encontro no domingo com o Vitória de Guimarães. Em comunicado, o BE dirige algumas perguntas ao Ministério da Educação e, em concreto, à secretaria de Estado do Desporto e da Juventude, e presta a sua solidariedade para com Moussa Marega e para com “todos os que não desistem de fazer da prática desportiva uma casa da igualdade”.
O Presidente da República condenou, esta segunda-feira, os insultos racistas de que o jogador do FC Porto Marega foi alvo no domingo, lembrando que a Constituição da República é muito clara na condenação do racismo, xenofobia e discriminação. O Presidente da República sublinhou que só pode “condenar, como sempre, veementemente, todas as manifestações racistas, quaisquer que sejam”.
A associação SOS Racismo defendeu que os responsáveis pelos insultos racistas ao futebolista Moussa Marega devem ser "severamente punidos", considerando que o fenómeno tem que ser "enfrentado antes que se torne incontrolável". A SOS Racismo saúda a decisão de Marega abandonar o relvado, considerando que "era o que todos os presentes deviam ter feito", começando pela equipa de arbitragem.
O PCP pediu a audição, no parlamento, do ministro da Administração Interna, secretário de Estado do Desporto e Liga de Clubes sobre "medidas a adotar" depois das "manifestações de racismo" contra o futebolista Marega.
Opinião diferente teve André Ventura, deputado e líder do partido CHEGA, que desvalorizou o caso, e disse que as reações eram eram "o síndrome Joacine que começa a invadir as mentalidades".
*Artigo atualizado às 18h46
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