A decisão do Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) em abdicar da aplicação do castigo ao médio do Sporting João Palhinha “não faz sentido absolutamente nenhum”, frisa o jurista Gonçalo Almeida.
“O atleta foi sancionado com um jogo de suspensão no âmbito de um processo disciplinar que deu azo a vários recursos. A decisão que transitará em julgado, salvo eventual recurso para o Tribunal Constitucional, é aquela agora proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), que concluiu que a decisão originária do CD da FPF devia ser respeitada. Trata-se de aplicar uma sanção que, entretanto, estava suspensa em virtude dos recursos”, notou à Lusa o ex-advogado FIFA e especialista em direito desportivo.
O órgão disciplinar federativo confirmou hoje que, face ao ponto sexto do artigo 164.º do regulamento disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), “os cartões amarelos exibidos numa época ao jogador não contam para efeito de acumulação na época seguinte”, impedindo que a respetiva sanção “alguma vez venha a ser cumprida.”
“Esta nota de esclarecimento do CD da FPF não faz sentido. O que faria sentido seria, perante uma decisão transitada em julgado, confirmando a sanção de um jogo de suspensão, esta aplicar-se de imediato, mesmo que seja na época seguinte. Caso contrário, sempre que uma decisão final seja conhecida na época seguinte, ninguém será sancionado. Seria aberrante e altamente perigoso”, reiterou Gonçalo Almeida.
Horas antes, o STA tinha confirmado a incompetência do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) na apreciação ao recurso do futebolista do Sporting face ao quinto cartão amarelo visto na edição 2020/21 da I Liga, de acordo com o acórdão a que a Lusa teve acesso.
“É mais uma decisão no âmbito deste processo que é tudo menos surpreendente e até bastante expectável. Aliás, o único aspeto verdadeiramente surpreendente foi o facto do TAD se ter considerado competente para decidir sobre o assunto, contrariando, de forma gritante, a sua própria lei. Matérias em torno da amostragem de cartões escapam à sua jurisdição”, notou o jurista, aludindo ao artigo quarto da lei daquela instância de recurso.
O STA frisou que “as questões estritamente desportivas serão aquelas que tenham por fundamento e origem normas de natureza técnica ou caráter disciplinar, emergentes da aplicação de leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das provas”.
“Havia o risco de, entretanto, o João Palhinha ter sido transferido nesta última janela de transferências e a sanção disciplinar ser aplicada ao serviço de um clube no estrangeiro. Esse cenário não se verificou e parece-me que esta novela disciplinar chega ao seu fim com a confirmação do Supremo Tribunal Administrativo da decisão anteriormente proferida pelo Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS) ainda que caiba recurso, apesar de improvável, para o Tribunal Constitucional”, concluiu Gonçalo Almeida.
João Palhinha recebeu o quinto cartão amarelo no triunfo sobre o Boavista (2-0), da 15.ª jornada, em 27 de janeiro de 2021, e foi sancionado com processo sumário, tendo o CD da FPF considerando improcedente o recurso do Sporting e mantido a suspensão.
O médio apresentou uma providência cautelar no TCAS para suspender a eficácia do castigo e foi utilizado pelo treinador do Sporting, Rúben Amorim, a partir dos 61 minutos da vitória frente ao rival Benfica (1-0), no dérbi da ronda seguinte, em 01 de fevereiro.
Em 16 de março, o TAD anulou a sanção automática de um jogo de castigo, mas sem retirar o cartão amarelo, ao basear-se na admissão do erro do árbitro Fábio Veríssimo em admoestar o jogador ‘leonino’, que terminou a época sem cumprir a referida suspensão.
A FPF recorreu para o TCAS, que, em 07 de outubro de 2021, aceitou este apelo por unanimidade, dada a “ausência de jurisdição do TAD para apreciar e decidir sobre o cometimento da infração prevista”, revogando a anulação do castigo imposto pelo CD, decisão também ‘selada’ hoje pelo STA, após o recurso interposto por João Palhinha.
Adaptando-se para evitar que os futebolistas pudessem recorrer em nome próprio para o TAD, o CD da FPF passou a partir de 15 de fevereiro de 2021, com base neste imbróglio, a dar a clubes e agentes desportivos a possibilidade de defesa em processos sumários.
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