Quando a bola começar a rolar a partir das 20h45 desta quinta-feira no dérbi lisboeta entre Sporting e Benfica, os olhos estarão centrados nas duas balizas para ver quem irá levar a melhor.

O Estádio do Algarve será palco da Supertaça, o primeiro jogo oficial da época. Nas conversas habituais entre amigos, antes de a bola rolar, costumam-se fazer prognósticos sobre resultados e os marcadores dos golos.

No entanto, a chave do jogo poderá passar pelos guarda-redes, muitas vezes negligenciados nas antevisões dos adeptos. Esta foi a base de uma pequena conversa com um especialista na matéria, a respeito do duelo entre Benfica e Sporting. Trubin e Rui Silva, os últimos guardiões das duas fortalezas, têm a tarefa de evitar que os colegas fiquem em maus lençóis.

Ricardo Rebelo Gonçalves, treinador UEFA B e treinador de guarda-redes no Caldas SC, autor do livro, 'O Guarda-Redes Também Joga – Guia para profissionais', falou com a Sportinforma sobre os dois homens que terão a tarefa de manter as suas balizas a zeros.

Rui Silva deu tranquilidade à baliza do Sporting

Chegou apenas em janeiro mas rapidamente se tornou dono e senhor da baliza leonina. Rui Silva veio dar estabilidade a um sector que muito sofreu nos Leões nos últimos anos. Ricardo Rebelo Gonçalves destaca a sua postura, capacidade e tranquilidade entre os postes.

"Desde a sua chegada em janeiro de 2025, Rui Silva tem sido uma peça fundamental na equipa do Sporting, tendo mesmo um papel muito importante na conquista do bicampeonato e Taça de Portugal. A sua qualidade e experiência permitiram uma adaptação muito rápida ao futebol português e à dinâmica da equipa. Mesmo perante cenários de dificuldades que a equipa foi sofrendo desde a saída de Ruben Amorim, a confiança e segurança de Rui Silva transmitiu estabilidade à defesa leonina", destaca o especialista em defesas das balizas.

Rui Silva trouxe segurança em momentos decisivos e demonstrou capacidade de liderança e comunicação com a linha defensiva, sendo um importante fator na organização e solidez da equipa, explica o autor
Rui Silva
Rui Silva Rui Silva créditos: AFP or licensors

"Este foi, porventura, o maior fator de destaque na afirmação de Rui Silva: a sua tranquilidade e regularidade, transmitindo uma sensação de fiabilidade na baliza. Essa consistência foi sendo consolidada através de uma assinalável estabilidade da posição base e equilíbrio no seu posicionamento dinâmico em diferentes contextos (por exemplo, em situações de 1x1 ou remates de média e longa distância), na sua velocidade gestual e no domínio dos espaços curtos. A sua presença tem sido crucial em momentos decisivos, e tem revelado uma capacidade consistente de fazer aí a diferença", explica o especialista em guarda-redes.

O técnico Rui Borges manteve o 3-4-3 de Amorim e João Pereira, mas viria a mudar-se para o 4-3-3. Será que estas mudanças influenciam a forma de atuar de um guarda-redes? Ricardo Rebelo Gonçalves explica.

"O sistema 3x4x3 utiliza uma linha de 3 defesas centrais, que tende a ser mais compacta no centro, e que permite ainda exercer uma maior pressão no meio-campo adversário. Isto exige do guarda-redes uma maior capacidade de defesa do espaço, nomeadamente na cobertura do espaço atrás da defesa, e uma organização concertada na construção particularmente com o posicionamento dos centrais dos corredores e o central do meio", começou por dizer.

"Num sistema de 4x2x3x1 tende-se a dar uma maior solidez no corredor central com uma linha de 4 e duplo pivô à sua frente. Isto permite ao guarda-redes focar-se mais na organização da linha de 4 e articulação com os médios defensivos nos equilíbrios e ações de contenção/pressão ao portador da bola. Este facto pode expor o guarda-redes a uma maior frequência de ações de cruzamento. Em termos de construção, e dependendo das dinâmicas imprimidas na equipa, permite ter uma ligação de corredores e setores mais próxima e segura, em função do tipo de pressão adversária", adiantou o treinador de guarda-redes no Caldas SC, antes de concluir.

"Considerando que o 4x2x3x1 oferece uma maior robustez defensiva através do duplo pivô, e que as características primárias de Rui Silva apontam para um guarda-redes eficaz entre os postes e em cruzamentos, o 4x2x3x1 pode favorecer mais a segurança e a estabilidade das suas exibições, pois a equipa estaria mais protegida na zona central, diminuindo a exposição a saídas de risco", finalizou.

Trubin: altos e baixos de um guarda-redes em evolução

Anatoly Trubin viveu uma época de altos e baixos no Benfica, tendo sido decisivo com as suas defesas em muitos jogos, mas também com alguns erros que custaram caro aos encarnados, como na Liga dos Campeões diante do Barcelona ou recentemente no Mundial de Clubes frente ao Chelsea.

Eventualmente, o estilo de Lage acabou por potenciar as características de Trubin, que era um estilo que se assemelhava mais até aquilo que havia experienciado com Luís Castro no Shakhtar Donetsk, explica Ricardo Rebelo

O ucraniano começou com Roger Schmidt e depois passou para Bruno Lage. Dois técnicos com ideias diferentes. Será que isso influencia a forma de atuar do guarda-redes? Ricardo Rebelo Gonçalves, que também é Professor Adjunto Convidado do Departamento de Desporto, Exercício e Saúde da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leiria diz que sim e explica como "o estilo de Lage acabou por potenciar as características de Trubin".

Mundial de clubes 2025: Benfica-Bayern Munique
Mundial de clubes 2025: Benfica-Bayern Munique Anatoliy Trubin brilhou a grande altura na segunda parte e segurou o triunfo do Benfica. créditos: EPA/ERIK S. LESSER

"A filosofia de Roger Schmidt privilegia um estilo de jogo mais intenso e agressivo, procurando uma pressão mais alta e a recuperação rápida da bola. Isto obriga a que o guarda-redes acompanhe a unidade defensiva e jogue mais alto e em contexto de defesa do espaço com maior frequência", analisou o homem que prepara os guardiões do Caldas FC.

"Já Bruno Lage procura um ataque mais posicional e valorização da posse de bola através da criação de superioridade numérica em diversas zonas do campo para progredir, apesar de ser também forte no momento de transição ofensiva, dependendo naturalmente das características dos jogadores em campo. Aqui, o papel do guarda-redes pode ser enfatizado em momentos de construção e distribuição, para além da necessária segurança nas ações de defesa de baliza ou de cruzamento. Em ambos os treinadores, a capacidade de comunicação e organização da defesa continua a ser crucial", terminou, na conversa com a Sportinforma.

Na sua análise ao ucraniano, Ricardo Rebelo Gonçalves, detalhou as qualidades de Trubin e os aspetos onde ainda pode melhorar.

"Nas suas ações assume um princípio de utilização da área corporal aumentada. Sólido no contexto de 1x1, onde define muito bem os timings de redução, fecha o espaço da baliza ou condiciona a ação de finalização do adversário e revela coragem e bravura. Considerando o contexto de defesa de baliza, é especialmente eficaz nos remates de média e longa distância, com particular apetência para as grandes penalidades Apesar da estatura, revela uma agilidade bastante assinalável, o que o torna muito reativo nos espaços mais curtos. Muito concentrado e estável mentalmente", detalhou o especialista.

E onde Trubin pode crescer?

"Porventura, e apesar de revelar precisão na distribuição média e longa, o seu jogo de pés pode evoluir no sentido de o tornar ainda mais competente em diferentes sistemas e formas de organização ofensiva – por exemplo, assume riscos desnecessários na tentativa de reconhecer espaços de ataque e quebrar linhas de pressão adversárias no corredor central. Outros potenciais fatores de melhoria passarão pelo domínio na defesa do espaço, com destaque no controlo da profundidade, onde parece ser guarda-redes de reação e privilegiar os espaços mais próximos da baliza", comentou.

No seu livro, 'O Guarda-Redes Também Joga - Guia para profissionais', Ricardo Rebelo Gonçalves apresenta cerca de 280 exercícios de treino para ajudar os treinadores a planear treinos eficazes e ajustados às exigências do futebol moderno. O livro é fruto de uma prática de reflexão e partilhas acumuladas ao longo do tempo pelo autor, resultantes da interação com diversos atletas e profissionais.