O futebol tem um lado escuro que muitas vezes nem nós conseguimos imaginar. Fora dos maiores palcos, as divisões inferiores - longe da atenção mediática - são capazes de ser um exemplo do futebol saudável, mas ao mesmo tempo do lado obscuro de certos clubes que enganam jogadores em busca de um futuro melhor.
O 'Diário de Notícias' publicou esta terça-feira uma longa investigação que aborda o tráfico de seres humanos no futebol português, com números a rondar as 256 vítimas e 97 arguidos em processos 'estagnados' na justiça. O caso do União Serpense é o mais recentemente falado e com alguns jogadores a contarem o que realmente se passou.
Tudo terá acontecido no início da presente temporada com Matheus, João, Bruno, Sandro, Yuto e Guilherme (jogadores estrangeiros referidos na investigação), a serem contratados pelo diretor desportivo do clube, Djalma Galhardi, mas que nunca chegaram a ser inscritos no clube depois de todos os esforços na procura de cumprir um sonho em Portugal.
Entretanto, o União Serpense acabou por estar incapacitado de competir na Primeira Divisão do Campeonato Distrital de Beja, com apenas um jogador inscrito, e com o diretor desportivo em fuga. Por lá, ficaram os jogadores que terão sido enganados e que estavam a pagar as suas próprias despesas. De acordo com a investigação do 'DN', o jogador Yuto terá mesmo atingido o valor máximo de 8200 euros em despesas.
A referida publicação aborda ainda de forma mais concreta o caso de Matheus, lateral-direito de 20 anos que veio do São José Esporte Clube e que contou como se deu todo o processo.
"[Galhardi] Disse-me que poderia ir para o clube mas teria que pagar as despesas, que me seriam reembolsadas quando entrasse o investidor que esperavam", explicou o jogador, acrescentando:
"Aproveitaram-se do nosso sonho para ter uma chance no futebol para nos enganarem. O Djalma dizia-me: «Puto, vais ter a tua oportunidade mas vais ter gastos.»"
Com as alegadas promessas a não serem cumpridas e com Galhardi fora, as dificuldades aumentavam: "O presidente disse que não tinha dinheiro para pagar, que a culpa era do diretor, que apenas iria dar alojamento e comida", explicou Matheus, citado pelo 'DN'.
Os jogadores também se viram confrontados com falta de comida e acabaram por se alimentar na pizzaria, cujo dono é Alfredo Mestre, presidente do clube.
Atualmente, já sem qualquer ligação ao clube que também está parado no futebol, são atletas que, aos poucos, encontram uma luz ao fundo do túnel. Matheus e João terão encontrado a felicidade no Sport Clube Odemirense , que os acolheu. Outros procuram uma nova vida em Portugal - a porta de entrada na Europa - ou num regresso ao Brasil.
O SAPO Desporto contactou o presidente do clube, Alfredo Mestre, que confessou ser um dos visados e enganados com toda a situação.
Ainda segundo o dirigente do emblema de Serpa, este tipo de situações com Djalma Galhardi no futebol não serão uma novidade, uma vez que o diretor desportivo já terá ficado a dever cerca de 200 mil reais (o que equivale a 38 780 euros) noutros clubes - uma situação que também terá afetado Emerson Conceição (ex-futebolista que representou o Benfica em 2011/12), que depois terá alertado o presidente do União Serpense.
"Eu acreditei mais no Djalma pelo treinador que o trouxe para cá", explicou-nos Alfredo Mestre, que promete vir falar em público em breve.
Na investigação levada a cabo pelo 'DN' é também referida a intervenção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em casos assumidos como Tráfico de seres humanos no futebol, com a identificação de 256 vítimas, 59 clubes investigados e 97 arguidos (todos agentes do futebol).
No caso do União Serpense, o SEF sinalizou seis jogadores depois de uma queixa efetuada à GNR de Serpa. Foram assim declarados como "vítimas de tráfico".
Comentários