O ‘timing’ chegou para Rui Sousa, que vai despedir-se do ciclismo na Volta a Portugal, com o desejo de ser recordado pela sua entrega e profissionalismo durante 20 anos, nos quais só faltou o triunfo na ‘sua’ prova.
“Há um ‘timing’ para tudo na vida. São 20 anos de profissionalismo, dedicação e empenho. São muitos quilómetros de estrada. Independentemente de, hoje em dia, a minha capacidade física já não ser a mesma, eu entendo que tenho de dar a vez aos mais jovens. Naturalmente, vou ter muita pena, todos os dias me tenho emocionado com aquilo que é o pensamento de despedida, sobretudo, da Volta a Portugal”, explicou à agência Lusa, no dia em que anunciou que vai encostar a bicicleta.
O fim tinha de ser aqui, na Volta a Portugal, a prova que leva, desde sempre, no coração. “Sair e deixar de correr tinha de ser nesta, que é a minha corrida e que é aquela corrida em que o público me apoia de uma forma que nem consigo muito bem descrever. Isso tem sido patente não só na minha terra, mas em qualquer parte do país. Tem muito a ver com esses 20 anos de profissionalismo, de entrega, de luta, de acreditar sempre. As pessoas acabaram por se habituar e acarinham-me por isso. Mas chegou a altura de dizer adeus”, assumiu o ciclista da RP-Boavista, que começou a pedalar aos 12 anos.
Embora seja presidente da junta da União de Freguesias de Barroselas e Carvoeiro, este apaixonado por pássaros (é criador e comerciante de aves exóticas), nascido em Barroselas (Viana do Castelo) há 41 anos, gostaria de ficar ligado à modalidade que foi e é a sua vida e para a qual deu o seu contributo de modo a torná-la mais popular.
“Vou sentir falta de estar na luta, porque sinto que toda a minha vida fui um guerreiro. Luto desde muito novo, sou oriundo de uma família muito humilde, que sempre me deu todo o apoio possível. E depois, dentro daquilo que foi o apoio, tive de lutar, lutar e lutar. Nunca tive nada caído do céu. Sinto-me feliz com aquilo que foi a minha carreira. Naturalmente, gostava de ter vencido uma Volta a Portugal, seria a ‘cereja no topo do bolo’ da carreira de um atleta que tem cinco pódios. Acho que é legítimo pensar que poderia ter vencido alguma. Não foi possível, os outros foram melhores nos momentos cruciais”, reconheceu.
Na hora da despedida, as emoções de Rui Sousa estão à flor da pele, com o veterano boavisteiro a levar muita coisa no coração dos 20 anos que passou como profissional, nas variantes da Porta da Ravessa (1998-2001), Milaneza-Maia (2002-2004), Liberty Seguros (2005-2009), na Barbot (2010-2013) e na Rádio Popular-Boavista (desde 2014).
“Quero agradecer a todas as equipas por onde passei, a todos os colegas que tive. Queria pedir desculpa a todas aquelas pessoas com quem não fui correto na minha carreira, independentemente de ter razão ou não. Nesta modalidade, quase não tenho inimigos – posso ter uma pessoa ou outra. Até ao dia de hoje, continuo a ser um atleta respeitado pelos adversários. Noto que as pessoas gostam de mim e penso que isso tem a ver com a minha postura em corrida. Sempre soube, nos momentos bons ou menos bons [emociona-se], dizer que não venci, porque não fui o mais forte”, lembrou.
Com uma carreira tão longa, o lutador vianense não consegue escolher um momento ou uma data entre as suas cinco vitórias em etapas na Volta (no alto da Torre, em 2008 e 2014, na Senhora da Graça, em 2012, em Santa Luzia, em 2013, e em Fafe, na quinta-feira), os cinco pódios na prova rainha do calendário nacional (foi segundo em 2014 e terceiro em 2013, 2012, 2011 e 2002) ou o título de campeão nacional (2010).
“O menos bom foi o ano de 2003. Em 2002, fiz terceiro e nesse ano era o líder da equipa para a Volta a Portugal e acabei por ter uma lesão no joelho, que deitou tudo a perder. Esse foi o ano negro da minha carreira. Chorei muito, porque pensei que, aos 20 e poucos anos, a minha carreira acabava ali. Foi um sofrimento tremendo, mas consegui, como em tudo na vida, dar a volta por cima. Estou feliz com o que fiz, como corredor dei sempre o meu melhor. Não tenho nada a apontar. Se começasse agora do zero, faria tudo igual”, assegurou.
De lágrimas nos olhos e voz entrecortada, o homem que nos últimos anos têm sido o símbolo mais popular da Volta a Portugal, revelou a sua maior alegria: “Pertenci à história desta modalidade e é isso que me deixa satisfeito”.
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