Em 2018, quando Portugal subiu ao topo do futsal Europeu, nas bancadas do Arena Stozice em Ljubljana, estava um português com um bombo a apoiar os lusos, num dos seus muitos contributos à modalidade em Portugal. O homem do bombo era, nada mais nada menos que Arnaldo Pereira, o mais internacional dos internacionais portugueses no futsal, uma verdadeira instituição na modalidade em Portugal. Foram 2018 jogos com as quinas peito, a defender a bandeira de Portugal nos quatro cantos do mundo.
Na altura, Ricardinho contou que Arnaldo Pereira lhe tinha dito que se não fosse o próprio a levantar o troféu por Portugal, seria ele. Mas o respeito de Ricardinho para com o antigo colega de seleção e no Benfica não se fica por aqui.
"É fantástico, com goleadores máximos como André Lima, Joel Queirós ou Cardinal, ser o goleador da seleção com 139 golos, mas não gostaria de passar o Arnaldo no número de jogos, pois acho que ele merecia mais por parte da FPF”, disse o mágico durante o programa em direto ‘Futsal Talks’, do comentador de futsal Rui da Cruz, no dia 26 de maio de 2020.
Arnaldo Pereira retirou-se do futsal mas o futsal não se retirou de Arnaldo Pereira. Continua a sofrer com o mesmo fervor de há muitos anos. Foi do lado de fora, em casa, que viu João Matos ultrapassa-lo em jogos em Mundiais de Futsal (18 para o jogador do Sporting, contra 17 do antigo craque do Benfica), numa lista liderada pelo mágico Ricardinho.
Tem sido, na companhia dos filhos e da mulher, que tem sofrido com os jogos da Seleção no Mundial que decorre na Lituânia. Este domingo, cairá o pano sobre a prova. E Arnaldo espera voltar a festejar. Ele e todos os portugueses.
Portugal já cumpriu o que prometeu: medalhas. Mas, estando na inédita final, não resta outra coisa que banhar-se a ouro e subir ao topo do futsal mundial.
Em entrevista telefónica ao SAPO Desporto, Arnaldo Pereira não tem dúvidas: este Portugal está mais que preparado para ser campeão do Mundo.
SAPO Desporto: Como tem visto os jogos e a evolução da Seleção Nacional no Mundial de Futsal?
Arnaldo Pereira: "Tenho visto uma seleção muito confiante, com personalidade, que isso é que é importante, que sabe aquilo que quer e aí tem demonstrado, durante todos os jogos, daquilo que é capaz".
SAPO Desporto: O que Portugal poderá esperar da Argentina, atual campeã do Mundo e que eliminou o Brasil nas meias-finais?
Arnaldo Pereira: "São muito fortes defensivamente, muito aguerridos, tem muita vontade, mas espero que Portugal continue com a sua grande personalidade que tem tido em todos os jogos. E visto que tem conseguido uma coisa que não é normal, que é recuperar sempre de resultados. Isso quer dizer que tem uma mentalidade muito forte e acreditam muito naquilo que fazem: tanto no 5 para 4 com no jogo jogado. Espero que levem de vencida a Argentina. Já é merecido um Mundial, tal como foi merecido o Europeu".
SAPO Desporto: Portugal parece uma seleção melhor preparada para as adversidades… Que diferenças encontra nesta seleção em relação às que fez parte, pelo menos a nível mental?
Arnaldo Pereira: "Acho que é o conhecimento do jogo em si. Os jogadores hoje em dia estão mais preparados para tudo o que jogo pede, tanto para defender o ataque de 5 para quatro, para atacar usando o 5 para 4. Eles já têm mais conhecimentos sobre o jogo, acreditam mais naquilo que se tem vindo a fazer, levam vários anos a fazer a mesma coisa, já estão entrosados. E nós, naquela altura, não tínhamos tanto conhecimento do jogo. Na altura, o nosso objetivo era chegar mais longe [n.r.d. Portugal ficou no 3.º lugar no Mundial de 2000], não o conseguimos mas chegámos às medalhas. Mas esta seleção tem muito mais conhecimento do jogo. Se calhar, podem não ter tanta técnica mas tem muito mais informações sobre o jogo agora do que nós na altura".
SAPO Desporto: Os clubes portugueses têm crescido muito, temos o Sporting e o Benfica que já foram campeões europeus e têm estado quase sempre nas 'final-four' da Liga dos Campeões...Este crescimento da Seleção também é consequência do excelente trabalho nos clubes?
Arnaldo Pereira: "Sim, é óbvio. Os clubes trabalham muito bem, o Sporting chega quase sempre às 'final-four' da UEFA e isso é de salientar e quer dizer que tem feito um trabalho e que já tem grandes jogadores. Claro que depois isso é levado à seleção porque os jogadores já tem nome, já gostam dos grandes jogos, já tem experiência dos mesmos, e isso vê-se nos jogos das Seleções. Mas tenho de salientar também o trabalho da Federação Portuguesa de Futebol. Nós, quando começámos, não havia seleções de sub-16, sub-18 e sub-19... eles têm feito um grande trabalho nesse aspeto para que depois os jogadores possam ter melhor conhecimento do jogo e quando chegarem à Seleção, estejam mais à-vontade para depois chegar-se aos resultados que têm sido obtidos"
SAPO Desporto: Como analisa o trabalho de Jorge Braz à frente da Seleção, desde 2010?
Arnaldo Pereira: "Tanto como pessoa como treinador, o trabalho dele é magnífico, não há palavras que definam o trabalho dele à frente da Seleção. Tive o privilégio de estar vários anos com ele e também com o Orlando Duarte, em épocas diferentes, mas o trabalho do Braz é notório. Tanto a nível desportivo como pessoal, ele consegue transmitir os valores para dentro do campo, tanto do jogo em si como os seus valores. É isso que o tem levado a conseguir grandes resultados".
SAPO Desporto: Como é que um jogador vive um momento como este, antes de uma final de um Mundial?
Arnaldo Pereira: "É um jogo diferente dos demais. Há sempre um bocadinho de ansiedade mas, assim que o jogo começa, só pensamos na vitória e em dar o nosso melhor. Mas o tempo que antecede o jogo, a noite anterior, fica-se sempre com alguma ansiedade, mas depois tudo passa quando chega o momento, leva-se toda a ansiedade para dentro do campo para vencer o adversário"
SAPO Desporto: É vantajoso, a nível psicológico, o facto de Portugal ter decidido os jogos da fase a eliminar no prolongamento ou penáltis? A equipa pode estar mais cansada fisicamente pelos tempos-extra mas, animicamente, muito melhor por ter ultrapassado as barreiras que encontrou…
Arnaldo Pereira: "Acho que sim. Mas é como eu tinha dito: esta seleção tem muita personalidade, pode estar a perder por um ou dois golos, não atira a toalha ao chão. Se calhar, antigamente deitávamos a toalha ao chão, mas o que vejo nesta seleção … pode estar a perder e acredita sempre que pode dar a volta ao resultado e que o golo vai chegar. E é isso que os tem levado a conseguir os resultados que têm feito. E não vamos dizer que é sorte, porque tem grandes jogadores, dois grandes guarda-redes, o Bebé e o Vítor Hugo - não vou falar do terceiro porque ainda não jogou - que tem demonstrado o seu valor quer nos penáltis quer nos prolongamentos, quer em jogo jogado. Mas isso tem a ver com a sua grande personalidade, independentemente do resultado estar em 5-0, 6-0 ou 7-0 ou estarem a perder 0-1, 0-2. Acreditam sempre no seu trabalho e é isso que os tem ajudado a levar de vencida as outras equipas.
SAPO Desporto: Ser campeão Mundial ajudaria Portugal a atrair ainda mais os craques desta modalidade e também a uma maior projeção do país a nível internacional? Já temos estrelas do futsal brasileiro, do futsal russo e mesmo espanhol na nossa liga…
Arnaldo Pereira: "Sim, se formos campeões mundiais, todo o mundo vai estar de olho em Portugal. Isso aconteceu lá fora com o futebol quando fomos campeões da Europa [em 2016], e como vimos, tudo evoluiu à volta do futebol. Já fomos campeões da Europa de futsal, passamos a ser olhados de outra maneira, sermos campeões do Mundo terá o mesmo efeito. Fará com que tudo evolua, com os jogadores de grande qualidade a verem com outros olhos a possibilidade de virem para a Liga Portuguesa. E isso ajudará na evolução dos clubes, a criar melhores condições na modalidade, tanto no masculino como no feminino e também nas formação. Até os próprios clubes passariam a investir mais na formação porque iriam perceber que há cá valores e isso seria magnífico porque passaríamos a não ter tanta necessidade de jogadores estrangeiros, visto que iríamos ter um grande leque de jogadores de qualidade. Tudo iria evoluir à volta do futsal."
SAPO Desporto: Onde vai ver a final?
Arnaldo Pereira: "Vou ver em casa, com os meus filhos e a minha mulher. Sinto-me mais a vontade, quando estou nestes momentos, gosto de gritar, e é melhor estar em casa sossegado. É que ainda vibro muito com a seleção, apesar de já não estar lá, mas é como se estivesse.
SAPO Desporto: Como viu os jogos a eliminar?
Arnaldo Pereira: "Com comprimido debaixo da língua não, mas sempre com o coração nas mãos…".
A final do Mundial de futsal, entre Portugal e Argentina, disputa-se no domingo, às 20h00 (18h00 em Lisboa), na Zalgiris Arena, em Kaunas, na Lituânia, após Brasil e Cazaquistão decidirem o terceiro e o quarto lugar do torneio, com início às 18h00 (16h00 em Lisboa).
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