Senhor da prancha sobre as quatro rodas. Foi ele quem colocou Portugal nas bocas do mundo, mostrando que também podemos ser grandes no skate. O prodígio Gustavo Ribeiro abraçou o título mundial na 'Street League Skateboarding' (SLS) ao conquistar a Supercrown no Rio de Janeiro em 2022. Para quem já fez tanto, o céu ainda é o limite para Gustavo Ribeiro. O sonho passa agora por conquistar o ouro nos Jogos Olímpicos em Paris no próximo verão.
O início
Entre a primeira etapa da 'Street League Skateboarding', que arrancou em Paris (Gustavo Ribeiro foi segundo), e o Campeonato do Mundo que vai ter lugar no Dubai, o atleta de 22 anos rumou a Portugal para retemperar forças, rever os amigos e a família. Foi nesta altura que conversámos com uma das maiores referências da modalidade, uma paixão que surgiu aos quatro anos junto do irmão gémeo.
"Tenho um irmão gémeo e quando tínhamos quatro anos, no Natal, o meu tio quis-nos oferecer um skate. Foi uma prenda surpresa, e no dia seguinte começamos a experimentar no quintal de nossa casa e a partir desse dia nunca mais parámos e começou uma paixão que nunca mais acabou”, começa por nos contar.
Tal como em tudo, muitas vezes olha-se para o talento como se fosse o critério decisivo para se chegar longe em qualquer atividade. Esquece-se facilmente o trabalho, o esforço e o treino. Logo que pegou numa prancha, o menino não desmotivou, apesar da montanha que teria que escalar para ser 'príncipe' numa das modalidades mais técnicas. Vieram as aulas de skate, o primeiro campeonato aos cinco anos e, apesar da tenra idade, logo ali ficaram desfeitas as dúvidas sobre o que poderia vir a ser o futuro.
"Logo que comecei pensei: 'wow, isto é uma coisa diferente', e no primeiro campeonato consegui ficar em terceiro lugar e o meu irmão gémeo ficou em primeiro. Foi a partir desse campeonato e com esse pódio que abrimos os olhos e pensámos: 'É isto que nós queremos fazer'".
“Será que vais ser tu, Gustavo?" Foi dessa forma que os pais do jovem, então com 11 anos, se questionavam sobre o que poderia ser o futuro. Nunca tinha havido um português que tinha singrado na modalidade. Mas desde cedo, o lisboeta não teve dúvidas.
"Foi um processo difícil, mas cheguei àquela fase em que disse ‘ok, se eu quero fazer isto, tenho que me focar’. Algo que eu sempre meti na cabeça desde pequeno é que nada é impossível. Se quisermos e acreditarmos”, atirou.
Quando não se dominam todas as variáveis e o futuro é incerto trabalham-se outras alternativas. Mas para quem confia inteiramente nas suas capacidades não há plano B.
"Nunca tive um plano B, estive na escola até ao meu 11.º ano. A minha mãe é psicóloga e sempre foi uma das melhores alunas. Se eu e o meu irmão tivéssemos más notas os nossos pais não nos deixavam fazer os campeonatos. Mas na realidade eu sempre sonhei ser 'skater', sempre tive esse sonho, e sempre acreditei que conseguiria atingir esse objetivo”, diz convicto, sem hesitar no discurso.
O ‘360 underflip’ é a manobra preferida de Gustavo Ribeiro
Foi a deslizar por entre escadas, corrimões e obstáculos que o jovem lisboeta conseguiu ser a grande referência portuguesa na modalidade. Uma modalidade sim, e não apenas modo de vida.
"Algo que eu sempre meti na cabeça desde pequeno é que nada é impossível"
"Gosto de inspirar os mais novos, ao dizer que por sermos portugueses que não é por isso que não conseguimos fazer o que queremos. Por ser um dos únicos há pressão, mas no fundo dá-me uma alegria imensa ir para o skate park e ver miúdos pequenos a andar de skate. O skate já começa a ser respeitado, as pessoas já começam a ver o skate como um desporto e não só como um 'lifestyle'", lembra.
Skate 24/7
Se para o cidadão comum desligar, depois de um dia de trabalho, é a rotina normal, para alguns o trabalho também pode ser terapia. "Por vezes quando não estou bem, uso o skate para me descontrair, para esvaziar a cabeça. Outra vezes uso o skate exclusivamente para treinar para um campeonato. Eu ando de skate todos os dias, tento-me divertir, dar o melhor de mim, mas depende muito do momento em que estás. Neste momento estou a treinar bastante devido aos campeonatos e à proximidade dos Jogos Olímpicos, mas preciso de andar a todo o momento para treinar as minha manobras, manter a minha consistência, para me sentir confortável e confiante na tábua", lembra.
Se muitos passam a vida à procura do seu grande amor, Gustavo Ribeiro já o encontrou há bastante tempo.
"Já fiquei duas semanas sem andar, quando tenho uma lesão, e nesses dias sinto-me perdido. O skate é a minha profissão, é o que me paga as contas ao final do mês, mas ao mesmo tempo é a minha vida. Se eu não tivesse o skate na minha vida, eu não saberia quem era".
Se em Portugal o futebol é rei, a meca do skate está em Los Angeles, nos Estados Unidos. A Califórnia chamou por Gustavo Ribeiro em 2021. A decisão foi difícil, para trás ficou a família e o irmão gémeo, Gabriel. Embora por vezes a solidão se apodere, o objetivo que provocou a mudança é o melhor antídoto para a luta contra os obstáculos.
"É em Los Angeles que estão todas as marcas, os patrocínios. Tomei essa decisão difícil e passado mais de dois anos ainda não estou 100% adaptado. Às vezes fico sozinho porque não tenho os mesmos amigos que tenho em Portugal, mas eu tomei esta decisão para seguir o meu maior sonho. Por vezes na vida temos que tomar decisões para que algo de melhor aconteça, é quando nos encontramos a nós próprios e ganhamos garra para fazer coisas inacreditáveis”, atira.
"Se eu não tivesse o skate na minha vida, eu não saberia quem eu era"
Campeão do mundo no Rio de Janeiro em 2022 e vencedor da Supercrown no mesmo ano, 2023 acabou por ser um ano menos fulgurante. O momento menos positivo serviu de reflexão, e as mudanças parecem estar a dar frutos. Gustavo Ribeiro terminou no segundo lugar na primeira etapa da Street League Skateboarding (SLS), em Paris, ótimos indicadores para o que se segue na temporada.
"Sinto que estou muito mais saudável, tenho acompanhamento psicológico, de nutrição. Vou ao ginásio todos os dias, tenho fisioterapia diariamente. Sinto que estou muito mais disciplinado do alguma vez estive", destacou.
Estar entre os melhores do mundo não é para todos e o lado mental é que faz a diferença entre os demais. Em entrevista recente, o tenista Rafael Nadal disse mesmo que Novak Djokovic é o melhor de sempre, isto porque num momento pode partir a raquete, mas no próximo ponto está pronto para dar 100%.
"Eu, no passado desvalorizava, mas percebes que nas grandes competições o que faz a diferença é a cabeça. Podes estar a treinar um ano seguido, mas se não estiveres bem psicologicamente, dificilmente irás vencer qualquer competição", refere, acrescentando.
"A chave número 1 para o sucesso é a maneira como tu pensas e enfrentas os obstáculos, e se queres estar no topo tens que ter ajuda psicológica, há muita pressão envolvida e as pessoas não percebem isso", destaca.
Com vários títulos no currículo, difícil é escolher o mais especial. "Há dois: O primeiro quando me sagrei campeão do mundo de amadores, que me abriu muitas portas. Outro foi obviamente o título no Rio de Janeiro em 2022 quando me sagrei campeão do mundo no SLS. Mas todas as minhas vitórias são especiais, ficam na minha cabeça e é difícil escolher", esclarece.
"Podes estar a treinar um ano seguido, mas se não estiveres bem psicologicamente dificilmente irás vencer qualquer competição"
Com os Jogos Olímpicos no horizonte, já no verão em Paris, Gustavo Ribeiro retira ilações importantes do que foi a sua estreia em Tóquio, em 2021, embora não guarde as melhores memórias. Duas semanas antes da competição deslocou o ombro, teve os Jogos em risco, foi 'a jogo' e acabou por ficar-se pela sétima posição. Agora, três anos depois, sente-se mais maduro e preparado para enfrentar as tempestades que se atravessem no seu caminho.
"Estava com a cabeça noutros lugares, lia notícias a dizer que estava pronto, quando na realidade estava magoado. Acabei por ter alta, conseguir ir para os JO, mas não estava preparado da mesma forma. Mesmo assim consegui passar às finais, dei uma queda e infelizmente não consegui o lugar que eu queria. Ainda assim, consegui superar-me. Não tenho as melhores recordações, apesar de ser sido algo que nunca vou esquecer. Ainda assim, aprendi muita coisa, e neste momento nunca estive tão bem preparado e isso também se deve a Tóquio", afirma.
A ambição, essa, é só uma para França: "O meu objetivo é trazer uma medalha de ouro para Portugal. Mas tenho que ser realista, focar-me e tentar ser saudável. Os resultados estão lá e é continuar o que estou a fazer", sublinha.
Inevitável é falar na ligação com o gémeo Gabriel. Gustavo tem praticamente garantida a qualificação olímpica (é quarto no ranking olímpico em que entram os 20 primeiros, Gabriel ocupa a posição 51) e um dos sonhos do 'skater' é participar nas Olimpíadas junto do irmão.
"O meu objetivo é trazer uma medalha de ouro para Portugal"
"Não há rivalidade nenhuma entre nós. Se estivermos os dois na mesma competição, ele ganhar e eu perder, sinto que ganhei. Para mim somos a mesma pessoa, apenas em vidas diferentes. Tenho a maior conexão com ele e um dos meus maiores sonhos era competirmos os dois nos próximos jogos. Não é impossível, ele ainda está no apuramento e bastante preparado, vamos ver o que é que vai acontecer, seria incrível".
Se em cima da prancha deslumbra, na cozinha também é um ás, e ultimamente o português de 22 anos até ganhou o gosto por outra modalidade. "Se não andasse de skate, provavelmente seria cozinheiro. Tenho amigos meus que trabalham como cozinheiros e sei que dá bastante trabalho. Adoro comida boa, comida portuguesa e desde pequeno sempre quis comer bem. Nos tempos livres cozinho bastante, nos últimos tempos tenho publicado alguns vídeos meus a cozinhar e outra coisa que ando a aprender é a jogar golfe. Um desporto que nunca pensei que iria praticar, mas hoje respeito imenso porque é um desporto difícil", conta.
Sem se avistar o final de carreira, o plano pode passar por abrir um restaurante, ou uma pista 'indoor', mantendo sempre a paixão maior no horizonte. "Penso nisso…no que poderei fazer…daqui a muitos anos. Gostava de ajudar a cultura do skate a crescer em Portugal. Gostava de abrir um restaurante, mas o meu plano é fazer algo ligado ao skate, uma escola, um 'indoor', que não há em Portugal. Fazer algo que pudesse ajudar todos os 'skaters'", termina.
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