"Quando se entra aqui dentro e se pega num taco e numa bola, tudo o que está para trás, esquecemos". As palavras são de José Basílio, funcionário público e presidente do Minigolfe Clube de Lamego.

Este desporto de origem britânica, teve os seus inícios no século XX, como alternativa ao golfe, num versão menos elitista e mais acessível ao cidadão comum.

"Já conheci de tudo aqui, desde funcionários da câmara, trabalhadores do campo, a juízes jubilados e também grandes quadros na Mota Engil", remata o vice-presidente, Aniceto Fernandes.

É com muito orgulho e com muita "carolice" à mistura que José Basílio divide o tempo entre a divisão de finanças na Câmara Municipal de Lamego e as funções de dirigente, em um dos campos mais conceituados a nível internacional.

É "o único do mundo com as três pistas oficiais", o que permite ao espaço acolher as três disciplinas: Feltgolfe, Petergolfe e Minigolfe.

"Nós limpamos,  lavamos, compomos... e é assim que o clube vai andando. E não ganhamos nada, fazemos porque gostamos. Mas acho que vivemos um excelente momento e creio que estes dois títulos que vieram para Lamego podem ajudar ao crescimento", destaca.

Os dois títulos mencionados por José Basílio foram conquistados por Rodrigo e Francisco, ambos com oito anos: campeão e vice-campeão com as cores do emblema beirão. Um orgulho para o clube.

Minigolfe Lamego
Minigolfe Lamego Francisco, vicecampeão nacional de infantis, houve atentamente as orientações. @André Delgado

Aniceto Fernandes, profissional com vasta experiência na área da saúde, tem a convicção de que a modalidade pode ser um excelente antídoto para moderar miúdos mais hiperativos.

"Há gente que considera que o minigolpe é uma modalidade muito parada, mas os psicólogos aconselham. Os miúdos são obrigados a concentrarem-se e a refletir. Ajuda muito. O Rodrigo tinha alguma dificuldade de concentração e evoluiu muito", salienta.

"Os pais querem que os filhos sejam grandes jogadores de futebol, e não de minigolfe"

Um dos objetivos dos responsáveis passa por captar mais jovens para a modalidade, uma tarefa ingrata face à concorrência da atividade desportiva mais omnipresente: o futebol.

"Temos tentado fazer captações nas escolinhas, mas para isso temos que transportar uma minipista de 3,5 metros, e cada pista custa 1500 euros, e no mínimo temos que levar três ou quatro", explica.

Aos 54 anos, o enfermeiro de profissão pensa agora em dedicar-se ao treino dos mais jovens. "Gostei tanto disto que nunca mais larguei. Já fui dirigente, sub-dirigente, e agora estou seriamente a pensar em tirar um curso", até porque "apercebi-me que treino melhor do que jogo."

Um dos jogadores mais promissores do clube é António Santiago, mais conhecido como Topê. Aos 15 anos, e sem ter tido a possibilidade de competir na categoria de juvenis - por falta de atletas - nos adultos (categoria máxima que engloba jogadores até aos 45 anos) fez um autêntico brilharete ao obter o 14.º lugar no campeonato nacional individual.

No fundo, seguiu uma tradição familiar, depois do avô, do pai e até do irmão mais velho terem começado a jogar. "O meu pai é que me motivou para isto, e quando o meu irmão me ganhava, ficava com aquela 'raivazinha' de me ganhar. Entretanto ele já trabalha, e eu mantenho a vontade de querer jogar", atira Topê.

Para o minigolfe não é fácil chamar os mais jovens, até porque muitos sonham ser 'Cristianos Ronaldos'. "Eu conseguiu chamar o meu melhor amigo, durante três anos, mas desistiu e começou a jogar futsal", recorda Topé.

"Pensam que é um desporto para velhos, e muitos colegas até me perguntam se golfe e minigolfe não é a mesma coisa", completa.

Minigolfe Lamego
Minigolfe Lamego Aniceto Fernandes, vice-presidente do Clube Minigolfe de Lamego

"Os miúdos jogam melhor do que nós, muito melhor. O Topê fez 20 pancadas nos 18 buracos o que foi fantástico", destaca Aniceto, até porque começando cedo, o jogador tem "outra facilidade em chegar a um determinado nível".

Topê já sonha em conquistar o campeonato nacional de adultos, mas sobretudo gostaria de participar numa competição internacional, objetivo que viu gorado nos tempos da Covid-19.

"Fui campeão em 2019, em infantis, e era suposto eu ir a um torneio internacional na Croácia, mas no tempo do Covid. Voltei a sê-lo em 2022, mas faltou o apoio. O que não acontece em clubes como os de Lisboa ou do Porto em que não é necessário pedir ajudas."

Num desporto amador, com pouca expressão e apoios, trata-se de uma tarefa hercúlea angariar fundos que tornem possível a participação em torneios fora do país. "Já conseguimos ir à Alemanha em 2009 e 2012, mesmo assim os custos chegaram aos 15 mil euros e repartimos as despesas com o Clube de Vizela", recorda o vice-presidente do Minigolfe Clube de Lamego.

Sem ajudas de uma Federação que perdeu o estatuto de utilidade pública "devido a má gestão", os apoios cingem-se aos da Câmara Municipal ou patrocínios.

"O nosso orçamento é de 15 mil euros e a câmara dá-nos dois mil euros. O dinheiro foi logo gasto na primeira jornada, com a deslocação a Portel (Évora)", aponta José Basílio.

Os responsáveis do clube assumem que a aposta está vocacionada para os mais jovens e desmistificam a ideia de que se trata de um desporto caro.

"Somos muito mais baratos do que o futebol. Temos aqui escolas de futebol em que os pais gastam muito dinheiro por mês. Aqui paga-se 25 euros por ano. E nós patrocinamos as deslocações e as dormidas dos adultos e dos jovens, pagamos tudo."

"Temos um handicap, chega à altura da faculdade e eles saem, ou então gostam muito como o Topê e voltam", diz José Basílio

"Ao contrário do golfe, aqui um taco serve para a vida. Custa cerca de 80 euros, e com mais outros cem euros compramos as bolas para jogar. Claro que se começamos a gostar, vai-se gastar mais dinheiro. As bolas de minigolfe são caras. Com quatro ou cinco bolas já se joga e depois vão-se adaptando. Não é um desporto barato, também não é de elite. Nós, nas primeiras vezes emprestamos os tacos", sustenta Aniceto Fernandes.

Fundado em 1980, o investimento realizado no Clube Minigolfe de Lamego cifra-se em valores na ordem dos 200 mil euros. O custo de manutenção varia entre os 3000 e os 4000 euros por ano. O circuito conta com três pistas de 18 buracos nas modalidades de Feltgolfe, Petergolfe e Minigolfe.

"Só tenho pena de não ter começado mais cedo". Delfim Teixeira, de 68 anos, é um dos assíduos do clube. O fim da carreira laboral proporcionou-lhe tempo para praticar uma atividade que há muito ambicionava. "Eu sempre disse que quando me reformasse iria jogar minigolfe." 

Clube Minigolfe de Lamego. @André Delgado
Clube Minigolfe de Lamego. @André Delgado Delfim Teixeira, jogador de minigolfe, à direita da foto. @Minigolfe de Lamego

"Foi o Gentil que me trouxe para cá, já o conheço há 60 anos. Ele andava lá, e volta não volta, dizia-me para ir. Também tinha falado com o Aniceto e nas caminhadas, tomei conhecimento. Ensinou-me muita coisa...ainda não sei tudo, nem um bocadinho. É um coisa que se vai  aprendendo, vai-se aperfeiçoando. Tem muito a ver com a direção, com a força", relata.

De tacada em tacada, em pouco mais de um ano convenceram-no a participar no campeonato nacional de veteranos. "Foi para 'matar o tempo'. Nunca pensei em fazer o campeonato nacional e lá fui eu".

Fundamental tem sido também o papel dos veteranos na integração dos mais novos, até porque sobra tempo para jogar e ajudar. "É preciso muito tempo, como em qualquer atividade para se poder evoluir. E no caso do Delfim  e de outros, têm tempo para treinar, e também ajudam quando vêm os miúdos". 

"Eu e o Gentil somos os mais desocupados e recentemente estiveram aqui no minigolfe uns 20 e tal miúdos de um ATL...", partilha o antigo colaborador da Sogrape.

Uma convicção é certa e unanime entre todos os testemunhos: se o campo se situasse no centro da cidade, certamente praticantes não iriam faltar. "Agora muitas vezes recebemos o campeonato nacional de clubes que movimenta muita gente e a maior parte das pessoas nem sabe que isto existe", lamenta Delfim Teixeira.

"Vamos vivendo como podemos. Recentemente tivemos que fazer uma reforma muito grande no campo de 'Felto' devido ao mau tempo no inverno. As árvores e postes de alta tensão caíram", revela o presidente do clube.

"O minigolfe clube de Portugal fica no centro de Miraflores (Oeiras), o mesmo acontece com Minigolfe Clube de Porto. Só a rentabilidade com os alugueres permite obter muito mais dinheiro, mas vivemos com aquilo que temos. Quero sempre mais, mas sei que a Câmara tem que gerir os fundos por várias modalidades", completa.

Entre Relatórios e Contas, José Basílio encontrou no minigolfe um 'escape', um refúgio em que a precisão importa, mas em que o erro não pesa tanto assim. Cada tacada é um momento de pausa na correria dos dias.

Apesar das dificuldades, nada paga o tempo passado a bater uma bola no campo de minigolfe. No campo, tudo se esquece.

"Profissionalmente trabalho na Câmara Municipal de Lamego na divisão de finanças, a minha vida é a trabalhar com números. Eu, às vezes, quando estou na cama, lembro-me: 'aquele fornecedor não foi pago'. Mesmo que as jogadas não me saiam bem, o resto ficou tudo para trás", termina José Basílio.