Um barco que é “tudo menos confortável”, onde a “vida é interrompida” pela necessidade de fazer uma manobra ou mudar uma vela, é o cenário diário das 11 mulheres que formam a única equipa feminina da Volvo Ocean Race.
“Conforto não há muito neste barco”, garante à agência Lusa Carolijn Brouwer, uma holandesa com um português quase perfeito, fruto dos vários anos que viveu no Brasil, para explicar logo de seguida que as mulheres que integram a equipa SCA têm uma fibra única.
Com o veleiro magenta, no qual já fez sete etapas da Volvo Ocean Race em fundo, Carolijn Brouwer não hesita em garantir: “Acho que somos um tipo de mulheres que já estão enquadradas noutro nível, no nível de mulheres aventureiras”.
A velejadora holandesa, antiga atleta olímpica, admite que a vida a bordo é comandada pela rotina, que pode ser “interrompida” a qualquer momento se “for preciso fazer trabalhos que exigem a presença de todas no convés, como uma manobra ou a mudança de uma vela”.
Quando não surgem tais necessidades, toda a tripulação se rege por um sistema de rotação “de quatro horas no convés e quatro horas de descanso”. “Quando se está no convés estamos sempre a trabalhar. Nas quatro horas de descanso é preciso trocar de roupa, comer, fazer a higiene diária e descansar. No máximo, se se conseguir dormir duas horas e meia é muito bom. Se tudo correr bem, em 24 horas conseguimos dormir seis ou sete horas, mas de forma interrompida”, explica.
As quatro horas de descanso são passadas num espaço bastante pequeno, onde tudo está arrumado ao milímetro: seis camas de cada lado, dois bicos de fogão e uma “espécie” de casa de banho.
Durante as etapas, algumas das quais duram mais de 20 dias, a tripulação ingere três refeições desidratadas - confecionadas com água que é dessalinizada - e alguns ‘snacks’, que representam um consumo diário de cinco a seis mil calorias.
Depois de uma interrupção de 12 anos, a Volvo Ocean Race, a maior competição mundial de vela oceânica, voltou a ter uma equipa feminina, agora patrocinada pela empresa sueca de produtos de higiene SCA, que conta com um mercado maioritariamente feminino.
Carolijn Brouwer garante que a equipa, composta por um total de 14 velejadoras, “não se inferiorizada, é tratada como respeito pelos adversários” e assegura: “na água somos todos iguais”.
A velejadora holandesa, que já viveu 10 meses em Lisboa, considera que o ano e meio que a equipa teve de preparação em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, e a concentração são dois fatores de extrema importância, e garante que a cada partida os problemas ficam para trás.
“Assim que o barco sai do porto, deixamos todos os problemas para trás e o foco de concentração é trabalhar bem e fazer com que o barco ande o mais rápido possível”, assegura.
Carolijn Brouwer, que em 2002 já tinha participado na competição, confessa que o mais difícil é sempre despedir-se do filho de quatro anos e que o segredo para enfrentar esses momentos “é concentrar-se nas chegadas”.
“Cada vez que tenho de me despedir dele é muito difícil, mas concentro-me nas chegadas. Tenho a certeza que faço o barco andar mais rápido quando sei que tenho o meu filho à minha espera no outro lado do mundo” conta.
Com o SCA na sexta posição da geral, e em terceiro nas regatas de porto, Carolijn Brouwer considera que “o resultado não está a mostrar o esforço da equipa” e destaca a forma como a formação tem vindo a evoluir, desde a saída de Alicante, a 11 de outubro. Depois de três edições como velejador, o brasileiro João ‘Joca’ Signorini assume agora o papel de treinador da equipa, liderada pela ‘skipper’ britânica Sam Davis.
Com sete regatas disputadas e a poucos dias da partida de Lisboa para Lorient, Signorini mostra-se “satisfeito” com o resultados, mas garante estar consciente de que “ainda há muito trabalho a fazer”.
Ao contrário de todos os outros Volvo65 da competição, que têm oito tripulantes, o SCA integra 11 velejadoras, para, segundo Joca Signorini, “nivelar a parte física”.
“Nos barcos à vela, o peso é muito importante. Esta foi uma forma que a organização encontrou para tentar nivelar a parte física. Se comparáramos o peso médio de uma mulher com o de um homem e colocarmos 11 contra oito vai ser muito parecido”.
A Volvo Ocean Race vai deixar Lisboa a 07 de junho rumo a Lorient, em França, onde terminará a oitava etapa.
Na Bretanha, Carolijn Brouwer vai voltar a ver o filho, que entretanto viajará de avião, mas aí o pequeno Caio dificilmente estará a comer um pastel de Belém, como aconteceu na chegada do SCA em Lisboa.
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