Na última parte da entrevista exclusiva ao SAPO Desporto, David Coulthard abordou a questão da fraca presença feminina na Fórmula 1. O piloto escocês de 52 anos, vice-campeão do Mundo de Fórmula 1 em 2011, acredita que é uma questão de tempo até ter mulheres a competir entre os melhores pilotos na prova rainha do automobilismo.
Antes do Red Bull Showerun Lisboa, David Coulthard revelou ao SAPO Desporto que brevemente deverá sair um relatório sobre a iniciativa 'More Than Equal', que será estudo global com a Hintsa, uma empresa com muitos anos de Fórmula 1 e que faz avaliação de treino físico e psicológico dos pilotos.
A empresa tem "todos os dados do ponto de vista da força física, da reação" para mostrar como a Fórmula 1 também pode ser das mulheres.
Veja a última parte da entrevista de David Coulthard ao SAPO Desporto
'More Than Equal': mulheres na F1 é uma ideia que agrada a todos
"Quando cumpre em todos os outros aspetos não há nenhuma razão para as mulheres não competirem na Fórmula 1. A última questão vai ser a forma como visualizam. E aí não há diferença entre dez homens sobre como vão ver o ângulo [de ataque às curvas] e as decisões que tomam. Vão ver que será o mesmo com 10 mulheres diferentes", atirou.
O escocês revelou que está a apoiar a iniciativa 'More Than Equal' para que não aconteça com outras mulheres o que aconteceu com a irmã: um talento no karting que não teve oportunidades.
"A minha motivação para estar envolvido a tentar ajudar as mulheres a entrar no desporto motorizado é que tive uma irmã mais nova que faleceu há nove anos. Ela corria de forma bem sucedida no Karting, mas como tinha menos seis anos do que eu, quando tive a minha oportunidade de entrar nos carros e fui contratado pela Polestar Racing e mais tarde pela Red Bull, toda a família, os meus pais e mesmo a minha irmã estavam entusiasmados e mais focados em mim, por isso ela não teve o mesmo nível de apoio. E tenho pena porque perdeu a sua oportunidade, não pelo talento, mas pela oportunidade em si", contou.
Coulthard revelou que "há muitas raparigas no Karting que têm talento" mas por não terem "a mesma preparação de um Max [Verstappen] ou de um Lewis [Hamilton], não podem operar ao mesmo nível."
"Precisam do mesmo desenvolvimento físico, mental, no campo ou ficam em desvantagem. É nisso que estamos a trabalhar a longo prazo e acredito que vai demorar uma década para chegar a esse nível. Não quer dizer que alguém em Karting daqui a cinco anos não tenha o potencial de se aproximar da Fórmula 1. Não sei o que não sei, mas sei que Roma não foi construída num dia", lembrou.
O trabalho passa por ter "um programa que identifique os melhores no karting" e que "dê às raparigas a mesma preparação física e mental que os rapazes têm, até chegarem à adolescência, tipicamente quando há uma divisão no desempenho, quer pela falta de apoio ou de fé".
"É nesse momento-chave que devemos dar apoio e guiar para o nível que puderem evoluir nas corridas", completou.
Na entrevista exclusiva ao SAPO Desporto, Coulthard contou que ideia de ter mulheres a pilotar na Fórmula 1 é do agrado de todas as equipas. O escocês lembrou que Ferrari, Mercedes ou Red Bull gostariam de ter "um equivalente ao Lewis Hammilton, ou Max Verstappen, como mulher", mas tudo tem o seu tempo.
"Isto não é uma questão de forçar alguém que não tem as capacidades. Há 100 homens, rapazes, que não têm as mesmas capacidades que o Verstappen. Há mesmo milhares, milhões. As equipas querem os melhores e se isso acabar por ser uma mulher, vão ficar felizes por a ter. Se for uma situação em que, numa equipa há um líder, e raramente temos dois pilotos ao mesmo nível a trocar vitórias, isso também seria aceitável. Mas se não tentarmos e não dermos suporte nunca vamos lá chegar", garantiu.
Women Series: uma ideia que não agradou às mulheres
Nos últimos anos a Federação Internacional do Automóvel criou a Women Series para ajudar e desenvolver as mulheres que aspiram chegar a Fórmula 1. A primeira prova deste campeonato de Fórmula exclusivo para mulheres arrancou em 2019, com vinte pilotos e seis corridas.
No entanto, esta escolha da FIA não recebeu unanimidade. Pippa Mann, uma piloto britânica que corre na IndyCar usou o Twitter na altura para criticar esta opção de separar em vez de integrar as mulheres: "Que dia triste para o automobilismo. Aqueles com financiamento para ajudar as mulheres decidiram segregá-las em vez de apoiá-las. Estou profundamente desapontado por ter tamanho retrocesso histórico."
Entre as mulheres, a britânica Jamie Chadwick parece ser quem está melhor preparada para entrar na Fórmula 1. Vencedora das edições de 2019 e 2021 da W-Series, Chadwick entrou na academia de pilotos da equipe de Fórmula 1 Williams em 2019, como piloto de desenvolvimento.
A também britânica Alice Powell, a finlandesa Emma Kimiläinen, a neerlandesa Beitske Visser e a espanhola Marta García são outros dos nomes que se sobressaem na W-Series.
David Coulthard recordou quem nem todas irão conseguir prosseguir carreira nas pistas, mas as oportunidades dadas poderão abrir-lhe as portas noutros ramos do automobilismo.
"[A W-Series] colocou a Jamie Chadwick a correr nos Estados Unidos da América, temos a Naomi Schiff que já não está a correr, mas trabalha para a Sky como repórter e broadcaster. Ninguém conhecia a Naomi há três anos e agora tem a base para uma carreira profissional, não como piloto, mas na verdade não era tão boa como a Jamie”, disse.
Coulthard lembrou que “o desporto de elite não é dar uma medalha de ouro a todos”, mas sim sobre quem ganha ou não ganha. Se alguém tiver uma oportunidade e não conseguir, pode sempre fazer outra coisa dentro do desporto automóvel.
“O que fizemos foi acelerar a oportunidade para as mulheres nos desportos motorizados de serem reconhecidas pelo talento que têm", finalizou.
Com o crescimento da Fórmula 1, muito graças às redes sociais e às séries em canais de streaming, haverá cada vez mais mulheres a interessarem-se pela modalidade e a quererem fazer parte dela.
Coulthard assinala esse crescimento e a entrada das mulheres nos tradicionais desportos masculinos.
"Em termos gerais penso que as novas gerações se estão a interessar mais, muitas jovens raparigas estão a envolver-se mais. Em geral os desportos femininos tiveram mais atenção no futebol e em outros grandes torneios. As mulheres estão a perceber que também podem ser celebradas nos tradicionais 'desportos masculinos', aqueles que "historicamente têm os grandes espetáculos televisivos e as grandes receitas".
"Gosto que as novas gerações e as raparigas tenham interesse, porque gostam do espetáculo, dos pilotos, porque têm curiosidade sobre a engenharia e tecnologia e o ritmo rápido das corridas dos Grandes Prémios", confessou o escocês, que é consultor da Red Bull.
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