Drive to Survive [A Emoção de um Grande Prémio em Portugal] é uma série documental produzida pela Netflix com a estrita colaboração da organização da Fórmula 1. Só desta forma é que seria possível ter acesso exclusivo aos bastidores do Campeonato Mundial. São cinco temporadas disponíveis, desde 2019 até 2022 [com intenções de continuar], e todas elas com um grande investimento a nível de produção audiovisual.

Cada temporada é dividida em 10 episódios, sendo a primeira série "a imergir o público dentro dos cockpits, o paddock e vidas dos principais pilotos e chefes das equipas da Fórmula 1", refere a Netflix.

A mente por detrás da série é o produtor James Gay-Rees, que levou até ao cinema obras como Senna, Amy e Diego Maradona.

A temporada mais recente, que chegou à plataforma de streaming em 24 de fevereiro, mostra a época de 2022 na perspetiva dos pilotos e equipas.

Além de serem abordados os pormenores das entradas e saídas dos pilotos nas respetivas equipas em cada época, passamos a conhecer melhor a pessoa por detrás do capacete, que aos fins de semana pilota a mais de 300 Km/h. A imagem e o som são igualmente grandes atributos, deixando preso ao ecrã até o menos interessado na modalidade.

A série tem altos valores de produção e as belas imagens transformam-na num produto requintado, ainda que force uma narrativa. O acesso dado pelas equipas à Netflix rende imagens impactantes, como por por exemplo a de Pierre Gasly (AlphaTauri) no local da morte do amigo Anthoine Hubert, em 2019 no GP de Spa-Francorchamps na Bélgica, ou o acidente de Roman Grosjean no GP do Bahrein em 2020.

A série tem o objetivo de tornar a modalidade mais dinâmica e acessível, mas, como qualquer série, os conflitos entre pilotos e chefes de equipa ajudam a criar interesse para lá das classificações e desempenhos, por vezes previsíveis nas pistas.

A presença da Fórmula 1 num grande serviço de streaming faz parte dos planos da organização para alcançar mais pessoas. Para quem não tem paciência ou tempo de ficar duas horas preso ao ecrã, num domingo de manhã, esta pode ser uma boa solução. Mais, a modalidade aumenta o catálogo de público aficionado. De qualquer forma, enquanto produto audiovisual isolado funciona na perfeição.

O objetivo é simples e direto: ter mais audiência

A Fórmula 1 juntou-se à Netflix para tentar seduzir uma audiência mais jovem, numa parceria cuja missão é "levar o desporto às culturas populares", explicou Ellie Norman, diretor de marketing e comunicação da Fórmula 1.

Drive to Survive quer engrandecer a Fórmula 1, também nas redes sociais, ao mesmo tempo que procura diversificar e expandir a sua audiência.

"Este é um exemplo das mudanças que estamos a introduzir na Fórmula 1. Desde que começamos esta nova era, percebemos que os adeptos querem saber mais sobre os pilotos. A filosofia da Fórmula 1 é tentar fazer deste desporto algo muito especial, que vai para lá do que acontece nas pistas", disse Ross Brawn, antigo diretor da modalidade à AFP, em 2022.

Cada temporada mostra momentos protagonizados pelos pilotos, chefes de equipa e outros intervenientes fora e dentro do paddock. Porém, nem todos quiseram participar. Equipas influentes como a Mercedes ou a Ferrari não participaram em algumas temporadas.

Sobre a não participação de Max Verstappen, atual campeão, na quarta temporada, o produtor executivo Paul Martin disse que "este tipo de produção é muito difícil de fazer", mas avisa que o piloto neerlandês está na quinta temporada. “Se as pessoas criticam como estás a fazer as coisas, a única maneira de lidar com elas é enfrentá-las”, explica Martin.

Como a série impacta a Fórmula 1?

O interesse das pessoas pela Fórmula 1 tem vindo a aumentar e não é por acaso. De acordo com um estudo da Betway Insider, entre 2020 e 2021, a audiência da Fórmula 1 cresceu mais de 58%, isto só nos Estados Unidos da América. Mundialmente, o crescimento foi de 5% no mesmo período, atingindo mais de mil milhões de espetadores.

Houve ainda um crescimento digital, um dos principais objetivos da Liberty Medida, empresa que pagou 4,5 mil milhões de euros pelos diretos de transmissão em 2016. Segundo o site Grande Prémio, entre 2019 e 2020, foi atingida a marca de 800 milhões de utilizadores, correspondendo a um crescimento de 99%, na plataforma de subscrição exclusiva.

Quanto às redes sociais, o número de seguidores duplicou.

Como já foi referido, nem todas as equipas quiserem aparecer na série, mas a verdade é que o sucesso nas audiências fez com que alguns diretores mudassem de ideia.

“Tem sido um sucesso para a Fórmula 1. Se fosse apenas uma série sobre carros em pista, talvez não o fosse, mas como entra em temas como as rivalidade”, contou Zak Brown, diretor da McLaren numa entrevista divulgada pela Betway, site de apostas da Fórmula 1, realçando que a visão das equipas mudou completamente depois de ver a série.

Drive to Survive já foi vista mais de 50 milhões de vezes. A terceira temporada, lançada em 2021, foi a de maior sucesso.

A Liberty Media tem continuado a trabalhar de forma a colocar o desporto novamente no topo das audiências, recorrendo, claro está, aos meios digitais. A julgar pelo número crescente de pilotos a aparecer em capas de revistas, passadeiras vermelhas e programas de televisão, é indiscutível referir que a série elevou o estatuto dos pilotos, assim como da modalidade.

Algumas imagens da quinta temporada

A recente polémica com o tabaco em Drive to Survive

A popular série documental da Netflix oferece às grandes tabaqueiras um meio eficaz para promover os seus produtos, apesar das proibições em vigor. Segundo observadores, a série mostra imagens de carros patrocinados por marcas de tabaco, inclusive em países onde a publicidade ao tabaco é proibida.

"No total, 1,1 mil milhões de minutos de imagens difundidas no mundo inteiro mostraram conteúdo ligado ao tabaco" durante a quarta temporada da série, pode-se ler num recente estudo chamado Formula Money, que recolhe dados ligados à Fórmula 1.

Metade dos episódios desta temporada contém marcas ligadas ao tabaco desde o primeiro minuto, segundo o relatório. Marcas como Philip Morris International (PMI), patrocinadora da Ferrari, e British American Tobacco (BAT), da McLaren, estiveram "muito presentes na série", segundo o estudo.

"As investigações sugerem que PMI e BAT chegam a novos públicos graças à série, inclusive a pessoas que não acompanham as corridas da F1", acrescentou o estudo, referindo-se a uma audiência geralmente mais jovem.

"A Netflix tem a responsabilidade de não oferecer conteúdo que, embora de maneira indireta, promove as marcas de cigarros", explica à AFP Jorge Aldaty, da STOP.

Contactada pela AFP, a Netflix não quis explicar a situação.

A Federação Internacional de Automobilismo (FIA), que gere a Fórmula 1, recomenda há décadas que as marcas de tabaco não sejam permitidas como patrocinadoras da Fórmula 1.

Os fabricantes deixaram de promover as suas marcas de cigarros tradicionais, mas em alguns casos continuam a promover outros produtos, como cigarros eletrónicos.

Estes produtos aparecem em 13 corridas de um total de 22, inclusive no Grande Prémio do México, apesar das fortes restrições em matéria de publicidade ao tabaco vigentes no país.

A PMI, uma das patrocinadoras mais antigas da F1, reduziu a sua participação de maneira significativa, mas continua a beneficiar-se da publicidade. É parceira da Ferrari, mas os seus logos não aparecem nos carros da escuderia, segundo o relatório.

Contactado pela AFP, o vice-presidente de comunicação da PMI, Tommaso Di Diovanni, respondeu que o acordo entre a Netflix e a F1 "não tem nada que ver" com a empresa, afirmando que a marca não aparece nos carros e nos equipamentos dos pilotos desde 2007.

O estudo afirma que este gigante do tabaco, que gastou cerca de 2,5 mil milhões de euros em publicidade desde a sua entrada na Fórmula 1, em 1971, beneficiou das imagens históricas que aparecem na série.

E se o formato se estendesse para lá da Fórmula 1?

Segundo uma notícia do The Athletic [conteúdo pago] o principal campeonato inglês de futebol está em negociações - se bem que numa fase muito inicial - com a produtora responsável de Drive to Survive, para uma série de bastidores da Premier League, realçando que ainda não houve conversas com nenhum dos 20 clubes e que nenhuma decisão foi tomada até ao momento.

Já o The Times afirma que as direções foram informadas sobre as propostas e, em fevereiro deste ano, o Express afirma que a direção executiva da competição está a pensar seriamente em avançar com o projeto para contrariar a queda de espectadores da mais importante competição doméstica de futebol na Europa.

Em Inglaterra, Drive to Survive contribuiu para uma procura sem precedentes de bilhetes para o GP da Inglaterra, quem o diz é o diretor-gerente de Silverstone, Stuart Pringle.

“Depois de sete dias à venda, 75% dos bilhetes foram vendidos – o mesmo número vendido em 32 semanas no ano passado”, disse Pringle.

A produtora por detrás da série - a britânica Box To Box Films - também já fez a série de boxe The Kings, bem como Make Us Dream, um documentário sobre Steven Gerrard.

Ainda há muitos detalhes que precisam ser acertados, como por exemplo, o acesso por parte dos clubes, bem como os direitos de exibição. A decisão terá de ser tomada em conjunto pelos 20 clubes.

Já houve abertura por parte de alguns clubes da Premier League para a realização de várias temporadas de All Or Nothing [Tottenham, Arsenal, Juventus ou Manchester City], na Amazon Prime, e todas elas de grande sucesso entre os adeptos de futebol.

O SAPO Desporto tentou contactar a Liga Portugal para perceber o interesse em fazer parte de uma produção desta envergadura, caso surgisse a possibilidade, mas até ao momento não foi possível obter resposta. Recorde-se que o Benfica já tem a sua própria série na Amazon.