Um dos episódios mais negros da história do futebol. Em 1994, no primeiro Mundial organizado nos EUA, a Colômbia de Valderrama, Rincón e Asprilla estreara-se com uma derrota por 3-1 diante da Roménia, mas ainda havia tempo para emendar a mão, frente aos anfitriões do torneio, no californiano Rose Bowl.
Os 'cafeteros' entravam em campo abalados pelos recentes acontecimentos: a morte do irmão do defesa Herrera, num acidente de viação que levantava suspeitas, os rumores de que René Higuita teria morrido na prisão (estava preso por envolvimento num sequestro) e as ameaças de morte para Maturana e para o médio Gabriel Gómez, caso este integrasse o onze frente aos norte-americanos – e a verdade é que ficou mesmo no banco.
Aos 35 minutos, Andrés Escobar, titular indiscutível dos colombianos, tentou intercetar um cruzamento de John Harkes, mas acabou por introduzir a bola na própria baliza, abrindo caminho à vitória dos EUA, que voltaria a marcar aos 52’ por Earnie Stewart, antes de Adolfo Valencia reduzir para 2-1 aos 90’. Os sul-americanos estavam eliminados do Mundial - de nada serviu o triunfo frente à Suíça (2-0) no terceiro jogo - e o autogolo de Escobar (o primeiro da sua carreira) ficaria para sempre associado à queda precoce de uma das favoritas à vitória final.
Durante o torneio, o futebolista assinava uma coluna no jornal 'El Tiempo'; uma espécie de diário, onde relatava o ambiente vivido na seleção colombiana. O seu último texto, datado de 29 de junho, acabava da seguinte forma: "Até logo, porque a vida não termina aqui." Para ele, infelizmente, viria a terminar três dias depois.
Na madrugada de 2 de julho, o defesa-central estava num parque de estacionamento de uma discoteca em Medellín, quando foi abordado por dois homens, os irmãos Pedro e Santiago Gallón, que estavam ligados ao tráfico de drogas e a grupos paramilitares. A conversa subiu de tom e acabou mesmo em tragédia, com o motorista e segurança dos irmão Gallón, Humberto Muñoz, a assassinar Escobar com seis tiros.
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Colômbia ainda chora pelo seu 'Caballero'
A morte do defesa de 27 anos chocou a Colômbia e o Mundo. Era apelidado de ‘Cavalheiro do Futebol’ pelo estilo de jogo, mas também pela personalidade e comportamento fora do campo, sobretudo na forma como ajudava as comunidades mais pobres de Medellín. Mais de 100 mil pessoas, incluindo o Presidente da Colômbia, César Gaviria, compareceram ao funeral.
Humberto Muñoz, autor dos disparos, foi condenado a 43 anos de prisão, mas só cumpriu 11, saindo em outubro de 2005 por bom comportamento. Garante que o fez na sequência de uma discussão motivada por divergências de opinião sobre futebol. A teoria mais defendida, contudo, é a de que o crime se deveu a consideráveis perdas financeiras dos narcotraficantes, que teriam apostado milhões no sucesso da seleção colombiana no Mundial de 1994.
Os irmãos Gallón, que se dirigiram a Escobar na famigerada noite com insultos e ameaças, foram detidos por implicação na morte do jogador, mas acabariam por ser libertados por falta de provas - Santiago voltaria a ser capturado pelas autoridades em 2018, por tráfico de droga.
Andrés Escobar, que estava a cinco meses de casar com a namorada de juventude, a dentista Pamela Cascardo, tornou-se um símbolo da violência e do caos que grassava nas ruas da Colômbia nos anos 90. O defesa não tinha qualquer ligação a Pablo Escobar (apesar de partilharem o apelido e a cidade natal), que havia sido assassinado em 1993, e sempre recorrera ao futebol para inspirar os jovens de Medellín, na esperança de os afastar de um futuro ligado ao crime.
Desde 2002, uma estátua em sua homenagem está erigida na sua cidade natal e o pai conseguiu cumprir-lhe o sonho de criar um projeto social para crianças em Medellín, o ‘Andrés Escobar Project’.
"Até hoje, as pessoas se lembram dele, isso conforta-me. Isso tem a ver com os valores e princípios que ele tinha. Era um rapaz muito amigável, bastante divertido. Um tipo de pessoa que está em extinção", recorda o seu irmão Santiago.
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