Um novo documentário na Netflix dedicado ao futebol saudita revela estádios lotados e estrelas internacionais do futebol, mas levanta um debate sobre o uso do desporto para melhorar a imagem da Arábia Saudita, que deve ser anunciada oficialmente pela FIFA como organizadora do Campeonato do Mundo de 2034, na quarta-feira (11).
Dividida em seis episódios, a série 'As Esrelas do Campeonato Saudita' estreou há apenas três semanas antes da votação do Congresso da FIFA, que deve confirmar a candidatura da Arábia Saudita, a única que foi apresentada, como organizadora do Mundial.
A votação será uma etapa crucial na estratégia do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, que utiliza o desporto como mecanismo de reforço da influência da Arábia Saudita e para melhorar a imagem do país no cenário internacional.
O futebol está no centro desta estratégia e a série destaca a transformação do Campeonato Saudita graças às chegadas de estrelas como Cristiano Ronaldo, Neymar e Karim Benzema, protagonistas do documentário.
A produção também coloca em evidência a "paixão histórica" dos sauditas pelo futebol, lembrando que vários dos seus clubes foram fundados há quase um século e que existem grandes e tradicionais rivalidades.
Mudar as percepções
Apesar de a política ficar em segundo plano na série, Mohammed bin Salman aparece brevemente para entregar um troféu da Taça do Rei da Arábia Saudita ao Al-Hilal, treinado por Jorge Jesus e onde jogam os portugueses João Cancelo e Rúben Neves, que foi campeão do torneio após vencer na final o Al-Nassr de Cristiano Ronaldo e Otávio.
O avançado português afirma diante das câmeras quea sua aventura no país é, acima de tudo, desportiva: "Não estou aqui por dinheiro ou pelo que as pessoas vão dizer. Estou aqui para ganhar".
Mas segundo Danyel Reiche, investigador da Universidade de Georgetown no Qatar, as estrelas estrangeiras "não estão somente pelo futebol".
"Eles participam de uma missão mais ampla, que tem o objetivo de normalizar a imagem da Arábia Saudita e mudar as percepções internacionais".
Além do futebol, o país recebeu torneios importantes de ténis, combates de boxe e corridas de Fórmula 1. Mas estes eventos receberam críticas por serem ferramentas de "sportswashing", desviando as atenções das violações de direitos humanos, como o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, em 2018, e as prisões de dissidentes.
O príncipe herdeiro negou as acusações, declarando à Fox News: "Se isso faz a economia saudita crescer, continuarei a fazer 'sportswashing'".
As críticas devem continuar, especialmente se a Arábia Saudita for confirmada como organizadora do Mundial de futebol de 2034.
"A série provavelmente não mudará a opinião dos críticos mais ferozes, que olham para estas iniciativas sob o prisma do 'sportswashing'. Ela parece mais destinada ao público curioso para compreender as ambições sauditas em torno do futebol", opinou Kristian Coates Ulrichsen, do Instituto Baker da Universidade de Rice, dos Estados Unidos da América.
Altos e baixos do Campeonato Saudita
A série também mostra os desafios da Saudi Pro League, a segunda que mais investiu no mundo em 2023, atrás apenas da Premier League de Inglaterra.
"A chegada de jogadores estrangeiros tem impactos positivos e negativos", reconhece Abdulrahman Ghareeb, avançado saudita que perdeu espaço com as novas contratações.
Apesar das imagens de adeptos a agitar as bandeiras nos estádios, a média de público continua baixa: na temporada 2023/2024 foi de 8.158 espectadores, contra os 9.701 do ano anterior, segundo o site Transfermarkt.
Algumas estrelas sofrem para se adaptar às condições locais, entre elas o calor intenso que faz os jogos serem disputados à noite. O inglês Jordan Henderson trocou o Al-Ettifaq pelo Ajax depois de apenas seis meses e Neymar, que sofreu uma grave lesão no joelho, ficou quase um ano sem jogar.
Esses "desfalques" inesperados permitiu que alguns jogadores sauditas brilhassem. "O meu objetivo é que um jogador saudita possa superar uma estrela estrangeira", declara Feras al-Birkan, avançado do Al-Ahli.
Para muitos, esta transformação do futebol saudita é algo para ser avaliado a longo prazo. "No futebol, o que conta é como termina", afirma o português Jorge Jesus, técnico do Al-Hilal.
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