A 10 de agosto, dia do jogo entre o FC Porto e o Gil Vicente, quando faltam 21 dias para o fecho dos principais mercados, os dragões não anunciaram qualquer reforço. Em cima deste facto, outro também irrefutável: quem perde Pepe e Taremi não pode ficar feliz, é certo.
Mas Vítor Bruno, e bem, parece mais preocupado em trabalhar com o que há, em vez de se lamentar com o que podia ter, mas não tem e, quem sabe, nem chegará a ter. Assim, atirou-se aos leões - sim, ao Sporting - com o que tinha. Saiu da arena, leia-se, de Aveiro, com uma Taça na bagagem.
Mas o que trouxe da cidade dos moliceiros terá sido muito mais do que um pedaço de 15kg de cristal mais uns trocos de prata: uma equipa.
E foi com os 11 que terminam o primeiro jogo oficial da época que o novo treinador portista iniciou o duelo com o Gil Vicente, no primeiro embate da I Liga. João Mário e Grujic, titulares em Aveiro, deram lugar a Iván Jaime e Eustáquio, mas com uma nuance inesperada: Galeno fez marcha atrás para ocupar a lateral-esquerda, passando Martim Fernandes para o lado direito, habitat que é seu por natureza. Pela frente, um Gil bem organizado mostrava-se pouco interessado em justificar desaires com a fatalidade de se perder um treinador a dois dias de iniciar uma época. Carlos Cunha, treinador interino, foi ele a ocupar o lugar deixado por Tozé Marreco. Focada em impedir o golo dos dragões, a equipa de Barcelos chegou a montar uma linha defensiva com seis homens, o que criou grandes dificuldades à equipa da casa. Apesar da maior posse de bola, o FC Porto, com um jogo algo lento e sem a definição desejada no último passe, não conseguia criar perigo.
Assim, ninguém ficará chocado se se disser que o primeiro golo, de Galeno, através de grande penalidade, chegou com um lacinho por desembrulhar. A mão de Buatu encontrou a bola na sua área, mas Cláudio Pereira não encontrou a falta num primeiro momento. Na realidade, nem os jogadores do FC Porto, que sem se aperceberem do sucedido já se preparavam para bater o canto. Valeu Vasco Santos, VAR, que estava atento. E foi com a mesma atenção que Galeno não vacilou dos onze metros, passando agora a somar três golos em dois jogos oficiais esta época. Se a Juventus anda com dúvidas se pagar 30 milhões será demasiado, o avançado brasileiro responde que não e no melhor sítio para o fazer, em campo.
O golo acordou a equipa azul e branca, até então adormecida pelo muro de Barcelos. O Dragão (quase lotado) queria mais, mas o intervalo chegou com a vantagem mínima no bolso. Também do bolso, mas de Carlos Cunha, saiu a nova estratégia gilista para o arranque do segundo tempo. Em desvantagem, a formação minhota deu um ar da sua graça, com um atrevimento moderado que, diria, surpreendeu o início de jogo da equipa azul e branca.
Maxi Domínguez, e logo depois Kanya Fujimoto, sussurravam aos ouvidos dos jogadores do FC Porto 'atenção, não estamos mortos, estamos aqui', mas Iván Jaime não foi na conversa. O espanhol, aliás, os espanhóis, Iván Jaime e Nico González, começam a desenhar o esboço deste novo FC Porto e tudo graças à liberdade que lhes é oferecida por Vítor Bruno.
No caso do médio ex-Famalicão, que acabou a época passada na prateleira, surgiu em campo como um autêntico vagabundo, a deambular entre a ala e a entrada da área, baralhando as marcações da defesa adversária. Já Nico, responsável direto pelas duas grandes penalidades conquistadas - já lá vamos à segunda -, tanto organiza o ataque como surge ele próprio na área, usufruindo do seu bom jogo de cabeça.
Quanto ao golo, dizia, aos 60 minutos, Iván Jaime recebeu à entrada da área uma redondíssima bola de Gonçalo Borges. Num tremendo toque de classe, numa espécie de grande penalidade em movimento, o espanhol ex-Famalicão arrumou a bola de tal forma que desarrumou por completo a resposta impotente de Andrew.
O 2-0 não matava, mas moía o Gil, que a partir desse momento percebeu que a montanha que tinha pela frente se parecia ainda mais difícil de escalar. E mais ficou, de facto, aos 70 minutos, com o 3-0 de Namaso desde os onze metros. Sandro Cruz, aos 78 minutos, acabaria ainda por ser expulso, mas o marcador não sofreria qualquer alteração até ao apito final.
Sem reforços, Vítor Bruno surge no seu novo papel, agora principal, determinado a pôr mãos à obra. O técnico, que esteve 13 anos na sombra de Sérgio Conceição, vai esculpindo a seu bel-prazer a matéria prima de que dispõe, sabendo que há qualidade de base para o fazer. Resta saber se será suficiente ao longo da dura maratona que agora começa. Para já, vai dando para a encomenda.
O momento: A obra de arte de Iván Jaime
Não se pode dizer que é um golo do outro mundo, seria exagerado. Mas o remate do médio espanhol é dotado de uma simplicidade, revestida de um gesto só ao alcance dos mais dotados tecnicamente. Quando a bola lhe cai nos pés, à entrada área, bem de frente para a baliza de Andrew, Iván parece congelar o tempo. Tudo aconteceu em milésimos de segundo, mas o resultado do tão delicioso remate faz-nos crêr que teve minutos para decidir o que fazer. Não teve. É uma grande penalidade em movimento que nem o voo de Andrew conseguiu travar. Bonito de se ver e rever.
O melhor: Galeno
Depois de ter bisado em Aveiro, Galeno voltou a marcar, assumindo de pronto a marcação da grande penalidade que inaugurou o marcador. Sempre de prego a fundo, embora desta vez mais recuado no terreno, o brasileiro vai provando o seu valor. Não é um poço de virtudes, provavelmente nunca será, mas a sua boa forma num momento incerto para si, em que a saída do Dragão é um cenário abordado diariamente na imprensa, é de louvar o foco e compromisso com a equipa. E se dúvidas houvesse, passar de extremo para lateral em prol da equipa deixa claro que Galeno está a crescer e é, hoje em dia, uma peça chave no puzzle azul e branco.
O pior: A saída de Tozé Marreco
Não sabemos o que esteve por detrás da sua saída, mas abandonar uma equipa a dois dias do início da competição revela a crueldade de uma decisão que pode colocar em risco o desempenho da equipa gilista neste campeonato, pelo menos no seu arranque. Apesar disso, reconheça-se, foi com um enorme sentido de responsabilidade e com profunda entrega que os jogadores cumpriram o plano traçado, apenas descontruído pelo notório desiquilíbrio de argumentos que apresentaram as duas equipas. A boa imagem deixada, apesar da derrota evidente, faz-nos questionar como seria o jogo se a equipa não tivesse sofrido um revés tão grande há menos de 72h.
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