Embora a maioria "drible" a política, os poucos jogadores de futebol que se posicionam nas eleições presidenciais do Brasil simpatizam mais com o presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro, como é o caso da estrela Neymar.
A ausência de tradição política dos atletas brasileiros e o medo de represálias desportivas ou económicas são as razões pelas quais os jogadores são tradicionalmente apáticos na hora de participar na política.
- Discurso efetivo -
A pouco mais de uma semana da realização da segunda volta entre Bolsonaro e o ex-presidente de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, o atual presidente concentra a maioria dos apoios públicos dos jogadores, começando pelo declarado por Neymar dias antes da primeira volta, vencida por Lula.
O apoio do camisola 10 do Paris Saint-Germain juntou-se ao de atletas em atividade como Felipe Melo (Fluminense) e Lucas Moura (Tottenham), assim como o de velhas figuras da Seleção Brasileira como Rivaldo, Romário, Marcos e Robinho, condenado em Itália a nove anos de prisão por violação sexual.
"Nos últimos anos houve um crescimento muito grande da direita e principalmente da extrema-direita. O futebol acaba por ser uma expressão desse movimento", explica o historiador João Malaia, professor da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Para Malaia, a mensagem liberal bolsonarista tem mais aceitação entre atletas, muitos dos quais se tornam milionários rapidamente, apesar das suas origens humildes.
O discurso do presidente "está muito pautado no sucesso individual, na capacidade que cada um tem de poder superar todas as suas dificuldades. E quando se olha para a trajetória do jogador de futebol, eles são exemplos desse tipo de discurso", afirma o historiador.
- A "solidão" de Lula -
A favor de Lula, que lidera as sondagens, o único que se posicionou publicamente a favor foi o campeão olímpico Paulinho, avançado do Bayer Leverkusen.
Os outros apoios vieram de ex-jogadores como Raí, Casagrande e Juninho Pernambucano, além do ex-selecionoador da Seleção do Brasil, Vanderlei Luxemburgo.
"Gostaria muito que mais desportistas não conservadores se manifestassem porque é muito importante a voz deles", escreveu Casagrande, ícone da 'Democracia Corintiana', na sua coluna no jornal 'Folha de S. Paulo' em setembro.
A 'Democracia Corintiana' foi um movimento pró-democracia surgido dentro do Corinthians na década de 1980, em plena ditadura militar (1964-1985).
Raí, campeão do mundo pela Seleção em 1994 e irmão de Sócrates, falecido em 2011 e outro líder desse movimento, viralizou na última segunda-feira ao expressar o seu apoio ao ex-presidente em plena cerimónia do prémio Bola de Ouro, em Paris.
Para João Malaia, a falta de apoios a Lula pode ser explicada pelos escândalos de corrupção ocorridos durante o seu governo (2003-2010).
- "Represálias" desportivas e publicitárias -
Com exceção da 'Democracia Corintiana' e de manifestações esporádicas, o futebol e a política no Brasil transitaram por caminhos diferentes.
"No Brasil impera muito uma máxima de que o futebol e a política não se misturam. Quem tenta lutar contra esse tipo de máxima acaba por sofrer muitas represálias, principalmente do meio desportivo", explica Malaia.
Por exemplo, o ex-atacante Reinaldo, ídolo do Atlético-MG, atribui as suas escassas aparições no Mundial de Futebol de 1978, na Argentina, à forma como comemorou o seu golo na estreia pela Seleção canarinha contra a Suécia (1 -1): punho cerrado para o alto, inspirado no movimento antirracistas e marxista Panteras Negras.
"Foi um ato muito ousado, pois eu tinha recebido a recomendação de não comemorar daquela forma, inclusive das autoridades argentinas", diz Reinaldo na sua biografia "Punho Cerrado: a história do Rei".
Para Rafael Zanette, especialista em marketing desportivo, as posturas políticas também podem afetar financeiramente os jogadores, com o afastamento de clubes e patrocinadores devido as suas declarações.
"Para empresas, um jogador que se posiciona politicamente gera alertas, porque pode causar uma crise muito grande a qualquer momento", afirma.
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