Paris2024 quis fazer diferente e talvez tenha feito pior, com a magia da cerimónia de abertura a ser ofuscada pela chuva, mas também pela experiência apenas parcial vivida pelos espetadores daquele que é ‘o’ momento dos Jogos Olímpicos.
Descrita como “um convite lançado ao mundo inteiro para viver emoções únicas em conjunto, fazer soprar um vento de modernidade e de audácia nos Jogos, ao deslocar o desporto dos seus espaços habituais e criar momentos partilhados com o maior número de pessoas”, a cerimónia de abertura de Paris2024 falhou na sua última premissa – além de ter ‘obrigado’ os assistentes a lidar com a chuva, a espaços diluviana, e momentos iniciais de monotonia absoluta, antes de ir em crescendo até ao apoteótico e belíssimo final.
Ao sair de um estádio e prolongar-se por seis quilómetros no rio Sena, privou os 320.000 espetadores que a ela assistiram ‘in loco’ de uma experiência total – e, por que não dizê-lo, da magia desse momento -, sendo essencialmente pensada para a transmissão televisiva, único meio para testemunhar os 12 momentos idealizados por Thierry Reboul e ‘orquestrados’ pelo diretor artístico Thomas Jolly.
O ‘Prólogo’ levou a chama na sua última ‘estafeta’, com a tocha olímpica, iluminada em Olímpia em 16 de abril, a iniciar o seu percurso final nas mãos de Zinédine Zidane, entrando no Sena, na Ponte d’Austerlitz, ponto de partida para o ‘Encanto’ e para o desfile das delegações: a cortina (de água) abre-se e o barco da Grécia encabeça a frota, recebida por uma coreografia de jatos de água.
A ‘encantadora’ viagem pelo Sena ‘parou’ em ícones musicais franceses, com Lady Gaga a cantar ‘Mon truc en plumes’ e 80 artistas do mítico Moulin Rouge, rigorosamente vestidos de rosa, a protagonizarem um ‘can can’.
Depois da exuberância, hora de homenagear os trabalhadores parisienses: em ‘Sincronismo’, não foram esquecidos nem os construtores da Notre-Dame, nem os seus ‘sucessores’, os obreiros das medalhas que os atletas conquistarão nestes Jogos, numa gigantesca coreografia, presenciada pela ‘lenda’ Michael Phelps, o mais medalhado desportista olímpico, que tomou de assalto as pontes, os cais e até os telhados de Paris.
O sino toca, chega a ‘Liberdade’, num cruzamento entre os ‘Miseráveis’ e a Revolução Francesa, pleno de romance, mistério e desejo, no qual o espírito da revolução, incorporado pelos surpreendentes Gojira, dá lugar à doçura do amor, sem esquecer uma discreta homenagem aos filmes da Nouvelle Vague.
Como não podia deixar de ser, sucedem-lhe a ‘Igualdade’, momento em que a tradição e a modernidade se tocam – Aya Nakamura atuou com a Guarda Republicana –, e a ‘Fraternidade’, evocada numa visita ao Louvre da tocha, transportada em todo o momento por um ‘anónimo mascarado’.
O museu que agrega culturas e liga a França saiu das suas portas e seis dos seus rostos icónicos emergem do Sena, num percurso sobressaltado pelo roubo da ‘Mona Lisa’ – perpetrado pelo ‘Minions’ -, pretexto para uma viagem às ciências da imagem e da ficção científica francesas, com passagem no Museu d’Orsay.
A ‘Sororidade’ é embalada pelo hino, impactante na voz da cantora lírica Axelle Saint-Cirel, e pela bandeira francesa, numa ‘mise en scéne’ também ela inédita para este momento protocolar, que não é mais do que um pretexto para homenagear as mulheres ‘pintadas a ouro’ na história de França.
Das mulheres aos homens, com o ‘Desportivismo’ a recordar figuras históricas do país, num encontro inusitado com os desportos modernos, nomeadamente o breaking, única modalidade em estreia em Paris2024.
Foi na ‘Festividade’, anunciada por uma passerele com modelos profissionais e não só, que Portugal entrou em cena – com os atletas de capa vestida -, juntamente com outras 68 delegações, nomeadamente a dos Estados Unidos, cuja ‘entrada’ antecedeu um ‘salto’ ao Taiti, e de França, num hino à modernidade e à juventude, que foi um dos pontos altos da noite e tornou o Sena uma imensa pista de dança, mergulhada, depois, na ‘Obscuridade’.
A noite caiu em Paris e a festa deu lugar à reflexão, num parênteses pacifista com ‘Imagine’ a ressoar nos céus da capital francesa, vindo de um piano em chamas em pleno rio, num apelo à reconciliação e harmonia, do qual nasce ‘Solidariedade’, um cavaleiro a galope que atravessa a Ponte D’Iéna até ao Trocadéro e também a história olímpica e os seus campeões, enquanto entram as bandeiras de todas as 206 nações participantes nestes Jogos.
Era momento de ‘Solenidade’: a bandeira olímpica ondeia agora junto à Torre Eiffel, depois de ser içada ao som do hino, o mais antigo símbolo olímpico da Era Moderna, com os Jogos da XXXIII Olimpíada a serem declarados abertos pelo presidente francês, Emmanuel Macron.
O misterioso ‘mascarado’ era, afinal, um truque. Zidane surgiu no palco com a forma da torre Eiffel para passar a tocha a Rafael Nadal, numa surpreendente escolha para transportar a chama, embora o espanhol tenha a sua história pessoal intimamente ligada a Paris, ou não fosse o ‘rei’ de Roland Garros.
Não seria o único grande campeão ‘estrangeiro’ a transportar a tocha, reunindo-se num barco com os norte-americanos Carl Lewis, Serena Williams e Nadia Comaneci, ao mesmo tempo que a mais icónica imagem da capital francesa era palco de um jogo de luzes, atracando depois junto ao Louvre, para transmitir a chama a Amélie Mauresmo.
A ‘Eternidade’ viveu-se no Jardim de Tuileries, com um desfile de grandes nomes do desporto francês, de Laure Manaudou a Renaud Lavillenie, cabendo ao judoca Teddy Riner e à histórica Marie-José Perec acender uma pira olímpica em forma de balão de ar quente, que iluminou o céu parisiense – onde ficará a pairar até ao fim dos Jogos -, enquanto a aguardada Céline Dion concluía com “Um hino ao amor” uma cerimónia sempre em crescendo.
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