O desporto vai ganhando cada vez mais preponderância na defesa de causas sociais. Há modalidades que se envolvem mais que outras mas, com o passar do tempo, quase todos acabam por 'cavalgar a onda' do momento e não ficar de fora.
Nos Estados Unidos da América, um país dividido e com muitos problemas de integração, uma das causas que vem ganhando protagonismo é a igualdade entre brancos e negros, a não discriminação baseada na cor da pele. A luta ganhou mais força com o renascimento do movimento 'Back Lives Matter', potenciado pela morte do afro-americano George Floyd às mãos da polícia.
Durante anos, nem todos os desportos tiveram a mesma abertura para aceitar os negros nos Estados Unidos. Entre eles, o golfe foi sempre o mais restrito.
Masters de Augusta: racista, machista e muito exclusivo. Mas tudo está a mudar
E quando se fala de golfe nos EUA, é impossível não falar do Augusta National Golf Club, o mais restrito e exclusivo clube da modalidade no país. Aqui decorre um dos mais prestigiados torneios de golfe do Mundo onde só se entra por convite. Além de exclusivo, o Augusta National Golf Club foi sempre um palco onde reinou o machismo e o racismo, ou não fosse este um torneio jogado num dos estados (Georgia) onde a segregação racial tem profundas raízes.
O cunho racista e preconceituoso deste restrito clube, com menos de 300 membros, ficou patente numa frase mítica de Clifford Roberts, um dos seus fundadores: "Enquanto eu viver, todos os golfistas serão brancos e todos os caddies serão negros". Suicidou-se em 1977. E de lá para cá, muita coisa mudou.
Nos últimos anos o Augusta National Golf Club tem vindo a adaptar-se às novas realidades, pressionado pelos ventos da mudança que sopram nos EUA.
Durante anos, este foi sempre um local para homens brancos e só. Apenas 45 anos depois da sua fundação, o clube permitiu a participação de um negro na prova. A honra coube a Lee Elder, o primeiro afro-americano a disputar o tão prestigioso Masters, em 1975. Caia assim a primeira barreira racial no Masters de Augusta, prova que se disputou pela primeira vez em 1934.
Este é um torneio peculiar, com regras próprias. Até 1983 os golfistas não podiam levar os seus caddies. E todos teriam de ser negros; só em 1990 passou a admitir sócios negros (Ron Towsend, presidente do grupo Gannettt Television, foi o primeiro); nunca tinha aceite mulheres até 2012, quando permitiu a entrada de Condoleezza Rice (Secretária de Estado dos EUA na administração do presidente George W. Bush, entre 2005 e 2009), Darla Moore e Virginia Rometty; e só em 2019 o Augusta National Golf Club realizou o primeiro Master feminino mas apenas na categoria amadora.
Mas Augusta está a mudar. A eleição de Joe Biden para presidente dos EUA e de uma mulher negra, Kamala Harris, para vice-presidente, é um sinal para as instituições com fortes traços de discriminação, um sinal de que está mais do que na hora de mudar. E foi nessa sequência que o Augusta National Golf Club anunciou finalmente uma homenagem a Lee Elder, o primeiro negro a disputar o tão prestigiante torneio.
Lee Elder abriu as portas para Tiger Woods
A história de Lee Elder até ao topo é uma história de superação, lutas contantes, de sofrimento, de quebrar barreiras. Como quase todas as histórias dos negros de sucesso nos EUA. Nascido a 14 de julho de 1934 em Dallas, Lee é o mais novo de 10 irmãos. Perdeu o pai aos 10 anos, morto na Segunda Guerra Mundial, e a mãe, três meses depois da morte do pai. Teve de deixar a escolha e começar a trabalhar num campo de golfe. Ali encontraria a sua vocação.
Mudou-se depois para Los Angeles onde continuou a trabalhar no golfe, agora como caddie, onde teve um verdeiro contacto com a modalidade primeira vez. E nascia uma paixão. Aos 40 anos, foi finalmente permitido que disputasse o Masters de Augusta, a 10 de abril de 1975.
Para singrar, Lee Elder sabia que tinha de derrubar barreiras. Em 2019, numa entrevista ao 'El Pais', contou que tinha de trocar de roupa nos parques de estacionamento porque não permitiam a um negro usar os balneários dos campos, destinados apenas aos brancos. Em outras ocasiões, a sua bola desaparecia misteriosamente, talvez roubada por um sócio nada agradado por ver ali um negro. E até ameaças de morte sofreu em Augusta. Mas Lee Elder não se importou. Era preciso abrir caminho para outros sonhadores.
A entrada de Lee Elder no torneio não se deu por compaixão dos sócios e dirigentes do clube, nem por qualquer abertura ou por simpatia. Fizeram-no porque não tinham alternativa. Em 1974, Lee Elder, venceu o Open de Monsanto, o seu primeiro triunfo no PGA Tour e que lhe garantiria um convite para disputar o Masters de Augusta.
Quando Tiger Woods venceu o Masters de Augusta em 1997 (já venceu a prova em cinco ocasiões, a última em 2019) e tornou-se no primeiro negro a ganhar a prestigiosa prova, Lee Elder estava lá, para testemunhar o seu legado e ver o momento em que o vencedor é presenteado com o tão sonhado casaco verde, a indumentaria dos campeões.
A história dos dois com o torneio é feito de coincidências: Lee Elder nasceu no ano em que se disputou a primeira edição do Masters de Augusta, em 1934; disputou a prova pela primeira vez em 1975, ano em que nasceu Tiger Woods, o homem que viria a mudar a história do golfe.
Além de ter sido o primeiro negro no Masters de Augusta, Lee Elder foi também o primeiro afro-americano Ryder, em 1979, e também o primeiro a receber o prémio Bob Jones, a maior condecoração concedida pela Federação de Golfe dos EUA.
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