A prancha encaixa-se-lhe nos pés como se fizesse parte do corpo. Adele Vankerschaver tem 13 anos, é número um mundial no ranking sub-13 de snowboard slopestyle e está a viver o tipo de adolescência com que muita gente sonha: entre as montanhas da Áustria, as ondas de Portugal e o coração de uma paixão que cresce à velocidade de um 720 no ar.

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Mas tudo começou com um gesto simples. Uma prancha, neve fresca e a curiosidade de experimentar. “Foi em Baqueira, com os meus pais e amigos. Como já andava de skate, apanhei o jeito rápido”, recorda com um brilho nos olhos. “E gostei logo da velocidade, da liberdade, de brincar na neve. Foram só cinco dias... mas fiquei viciada.”

Não é exagero. Adele não nasceu nas montanhas, mas parece ter sido moldada por elas. Os pais — aventureiros, desportistas, meio nómadas — sempre levaram o desporto a sério, e ela herdou isso sem esforço. “Vivemos seis meses por ano numa autocaravana na Áustria, que foi o meu pai que construiu. É pequena, mas é tão divertida!” E nos outros meses? Estão em Ponte da Barca, no turismo rural da família. “Lá tenho o meu próprio quarto, ando de skate, brinco com amigas, nado. Tenho um pé na montanha e outro no mar.”

Talvez seja essa dualidade — liberdade com estrutura, disciplina com brincadeira — que explica como é que uma rapariga de 13 anos lida tão bem com a pressão de liderar o ranking mundial e competir com atletas mais velhas.

“Dá motivação. Tento fazer coisas novas, coisas que nunca pensei conseguir fazer. Mas também há pressão, claro. Quero fazer tudo bem, mostrar o meu melhor.” E quando está prestes a descolar para um salto num grande evento, o segredo é simples: “Foco-me. Não penso em muita coisa. Vejo o ramo e digo a mim mesma: vou conseguir aterrar.”

Conseguiu — e com estilo. Na etapa de Livigno, Itália, lançou-se pela primeira vez num salto olímpico: 20 metros num, 22 noutro. Estava nervosa, confessa. “Mas no fim consegui fazer um 360 e um 720. Fiquei tão feliz. Orgulhosa mesmo.”

Não se trata só de talento. Adele vive e respira snowboard. Os dias de treino começam cedo, com um pequeno-almoço reforçado e, por volta das 8h30, já está de prancha calçada. Treina até às 14h30 — quando os saltos já não estão tão definidos — e depois vem o momento de pura diversão: andar só por andar, fazer rails, inventar truques. O prazer nunca se perde.

Mas a vida dela não se resume à neve. Há o skate, que veio primeiro, e que continua a ser uma base técnica e emocional importante. “O skate é fácil. Só precisas de um skate e pronto. Ensina-te a nunca desistir, dá-te coragem.” E há também os desenhos — o escape criativo onde repousa a cabeça e o coração. “É quando relaxo. Desenho o que me vier à cabeça. Há uns anos até desenhei o meu skatepark de sonho, quando o meu pai estava a construir o nosso em casa.”

Apesar da tenra idade, Adele tem já noção do impacto que pode ter noutras raparigas. “Não penso muito nisso, mas sim, estou orgulhosa. Fui a primeira rapariga com 12 anos a fazer um 80. Espero mostrar que tudo é possível. Sonhar é o mais importante. E confiar em ti própria.”

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Daqui a cinco anos, Adele vê-se a competir nos Jogos Olímpicos. E não tem dúvidas: mesmo que não estivesse no topo, estaria sempre ligada à prancha. “O snowboard é o que gosto mais. Isso não vai mudar.”

E para quem está agora a dar os primeiros passos na neve, deixa o conselho de quem já caiu, aprendeu, levantou-se e voou: “Nunca pares de sonhar. Tudo é possível. Acredita. E nunca te esqueças: o mais importante é divertires-te na montanha.”

Federação atenta ao prodígio

A precocidade de Adele não passou despercebida à Federação Portuguesa de Desportos de Inverno, que está a acompanhar de perto o percurso da jovem atleta. Pedro Flávio, presidente da Federação, acredita no potencial da campeã portuguesa para marcar presença nos grandes palcos internacionais e deixa claro que o trabalho de base já está a ser feito.

“Estamos a tentar que a Adele seja integrada num programa de esperanças olímpicas para o próximo ciclo”, explica o dirigente, referindo-se ao período pós-Jogos Olímpicos de Inverno de 2026, em Milão-Cortina. “Ela terá idade para competir no Festival Olímpico da Juventude Europeia em 2027 e nos Jogos Olímpicos da Juventude em 2028. Acreditamos que pode alcançar resultados muito relevantes para Portugal.”

Apesar de Portugal não ter tradição forte nos desportos de inverno, Pedro Flávio destaca o crescimento da modalidade e o apoio prestado a atletas emergentes como Adele.

“Nunca tínhamos tido uma atleta com esta idade e com um nível tão elevado. Ela terminou a época como número um mundial no ranking sub-13 de snowboard slopestyle, e ficou em oitavo lugar no ranking global até aos 18 anos. É revelador do seu enorme potencial”, salientou.

O acompanhamento tem sido constante, não só ao nível desportivo, mas também escolar. Adele estuda à distância numa escola certificada para atletas de alto rendimento, conciliando os treinos intensivos nas montanhas com as aulas online, sempre com o apoio dos pais.

“Ter uma estrutura familiar sólida é meio caminho andado”, sublinha Pedro Flávio. “É um percurso exigente, mas ela tem maturidade, talento e tudo para chegar longe”, garantiu.