Para não "trair" o movimento de protesto no seu país, a iraniana Sara Khadem apresentou-se sem véu num torneio de xadrez, uma decisão arriscada que obrigou-a a procurar exílio em Espanha.

A vida da grande mestre do xadrez, 17.ª jogadora do mundo aos 25 anos, deu uma grande volta a 26 de dezembro de 2022, no campeonato mundial de partidas rápidas em Almaty, no Cazaquistão.

O ponto de viragem foi a sua decisão de aparecer sem o hijab, o véu islâmico, para não "trair" o movimento de protesto que eclodiu no Irão após a morte da jovem curdo-iraniana Mahsa Amini, a 16 de setembro, sob custódia policial, explicou Sara em entrevista à AFP, feita no sul da Espanha.

Sara Khadem pediu que o local não fosse identificado "por questões de segurança".

"O governo iraniano pode perseguir-nos até mesmo em outros países. Já fizeram isso no passado com outros iranianos", justificou.

Reproduzida em todo o mundo, a sua foto sem véu não escapou do radar das autoridades iranianas. Um conhecido seu, com boas fontes, disse-lhe que ela era alvo de um mandado de prisão e que seria "presa ao voltar ao Irão".

Sem levar nada, nem mesmo um tabuleiro de xadrez, Sara seguiu para a Espanha com o seu marido, Ardeshir Ahmadi, e seu filho de um ano. Ardeshir Ahmadi é um diretor de cinema canadiano com origens no Irão, de 32 anos e ex-apresentador de televisão.

"Hipócrita"

"Nunca o usei de maneira habitual", disse ela sobre o véu, de modo que lhe pareceu "hipócrita" fazer "à frente das câmeras algo em que não se acredita".

Sara recusou-se a pedir desculpas, conforme exigido pelas autoridades iranianas.

"O motivo era pessoal, mas, na hora de fazer isso, teve a ver, obviamente, com o que estava a acontecer no Irão (…) Sentimos muito inspiradas e encorajadas" pelos protestos e pelas personalidades iranianas que ousaram remover o véu, acrescentou.

Em outubro, a alpinista Elnaz Rekabi competiu apenas com uma faixa na cabeça no campeonato asiático de escalada em Seul, o que foi interpretado como um gesto de solidariedade para com as manifestações no Irão

"Deixar o Irão completamente não era algo em que pensávamos", afirmou, explicando que afastar-se dos seus pais "foi a decisão mais difícil" da sua vida.

Sara, que prefere não usar o seu sobrenome completo (Khademalsharieh, que significa "serva da religião"), disse que entrou em Espanha com um visto obtido para torneios de xadrez. Agora, ela e o marido beneficiam de uma permissão de residência concedida pelo Estado espanhol pela compra de um imóvel no valor mínimo de 500 mil euros.

Recebida em janeiro pelo chefe do governo espanhol, Pedro Sánchez, com quem disputou uma partida, a atleta tem consciência da sua "boa sorte", uma vez que “não é fácil para muitos iranianos obterem um visto, devido à situação atual".

Khadem já sofreu a ira do regime iraniano em 2020. Foi proibida de viajar durante seis meses, após abandonar a seleção iraniana em protesto pela derrube de um Boeing ucraniano por parte do Exército iraniano. No incidente, morreram 176 pessoas. Segundo Teerão, o avião foi abatido "por engano".

"Foi um pausa enorme […], um sentimento horrível. Achei que fosse o fim da minha carreira", lembrou a jovem, que joga xadrez desde os 8 anos e que sacrificou parte dos seus estudos pelo desporto.

“Tive de prometer” às autoridades “que não emigraria”, confidenciou, esboçando um sorriso.

Sara Khadem espera voltar à competição em breve, seja sentada diante de um tabuleiro, seja como comentadora. E se diz "otimista" sobre o futuro do seu país.

"Talvez uma grande mudança exija mais sacrifícios", mas "acho que chegará um dia em que todos poderemos voltar", completa.