Fez história em 1996 ao tornar-se no primeiro piloto português a pontuar no Mundial de Fórmula 1, no Grande Prémio da Austrália, onde somou um sexto lugar.

Em entrevista ao SAPO Desporto, Pedro Lamy abordou o regresso da Fórmula 1 a Portugal, 24 anos depois e espera que a prova possa ter continuidade no Autódromo de Portimão. O piloto recordou ainda o seu percurso na competição de automóveis mais importante do mundo, revelando que a determinado ponto ficou desiludido, acabando por abandonar a competição em 1996 ao serviço da Minardi. Anos mais tarde voltou à glória ao vencer as 24 horas de Les Mans, na categoria GTE Am e ao sagrar-se campeão do mundo em GT2.

SAPO Desporto: Se Portugal conseguir manter Portimão no circuito mundial da Fórmula 1, isso poderá ajudar-nos a voltar a ter um piloto na prova rainha do automobilismo?

Pedro Lamy: Se continuar a haver o Grande Prémio de Fórmula 1 em Portugal era o ideal. Voltamos a estar na lista. Não sei se vamos voltar a ter Grandes Prémios nos próximos anos ou não, mas pelo menos menos somos um dos primeiros candidatos. Se houver alguma mudança no calendário, passamos a ser uma das possibilidades. E espero que isso aconteça. Contudo, isso não será um critério para um piloto português chegar à Fórmula 1. Não é por haver um Grande Prémio em Portugal que vamos ter automaticamente um piloto português. Não acho que as coisas se vão transformar assim tão rapidamente. Vai é certamente motivar as pessoas e os pilotos jovens para que trilhem o caminho certo para chegar à Fórmula 1 e isso pode entusiasmar mais algumas pessoas para que isso aconteça, mas não é certo.

SAPO Desporto: O que representa o regresso desta prova a Portugal, tantos anos depois?

Pedro Lamy: Sempre tivemos um grande carinho pelo desporto automóvel e particularmente pela Fórmula 1. Nos ralis também, mas a Fórmula 1 sempre foi muito acarinhada em Portugal. É bom termos o Grande Prémio cá. Vamos conseguir 'vender' o nosso país e isso talvez entusiasme todas as partes para que no futuro hajam condições para manter a Fórmula 1 em Portugal.

Pedro Lamy no autódromo do Estoril
Pedro Lamy no autódromo do Estoril créditos: © 2012 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

SAPO Desporto: Hamilton pode ultrapassar o número de vitórias de Michael Schumacher, algo impensável há alguns anos. O que é que o britânico tem de especial?

Pedro Lamy: Tem muito talento e para além disso tem conseguido estar nas melhores equipas no momento certo. Esteve na McClaren, depois passou para a Mercedes. A melhor equipa quando pensou que tinha as condições para ter o melhor piloto decidiu contratá-lo e isso fez com que Hamilton conseguisse atingir todos esses títulos e as vitórias. Já tem as mesmas que o Schumacher e no próximo Grande Prémio já poderá ter mais uma.

SAPO Desporto: Porque é tão complicado um piloto manter-se na Fórmula 1 por muitos anos?

Pedro Lamy: Há poucos lugares na Fórmula 1 e havendo tão poucos lugares há sempre muitos pilotos que querem entrar na Fórmula 1. É difícil entrar, mas mais difícil é um piloto manter-se lá. Os melhores é que se conseguem manter muitos anos. Estamos a falar de um leque de 20 pilotos que são os melhores pilotos do mundo, supostamente. Têm que ter a idade certa, a experiência certa para estarem lá. E os resultados é que ditam a continuidade ou não.

SAPO Desporto: Como é que foi chegar à Fórmula 1 com 21 anos, ainda por cima vindo de um país tão pequeno como Portugal. Continua a ser um problema muito nosso, a nossa dimensão?

Pedro Lamy: Acima de tudo somos 10 milhões de habitantes e em percentagem temos menos probabilidades. O nosso mercado também limita o número de empresas, patrocínios. Há uma diferença para os outros países. O facto de se ser português não impede um piloto de chegar à Fórmula 1. Um piloto se fizer uma boa carreira, vencer nos karts, passar para a categoria do Fórmulas e vencer tudo até à porta da Fórmula 1, esse piloto vai ter grandes probabilidades de entrar na Fórmula 1, mesmo sendo português. Se conseguir bater todos os recordes em idade jovem e ganhar nas categorias todas, de certeza que vai entrar na Fórmula 1, senão seria completamente injusto. Sendo assim é possível...Mas para um português chegar à Fórmula 1 é preciso ser muito melhor do que outros, não basta ser igual, tem que se ser muito melhor do que os outros.

"Para um português chegar à Fórmula 1 é preciso ser muto melhor do que os outros, não basta ser igual"

SAPO Desporto: No seu tempo teve o azar de não estar nas melhores equipas. Sente que com outras condições podia ter dado mais ?

Pedro Lamy: Se olhar para a minha carreira, eu venci em quase todas as categorias e entrei na Fórmula 1 muito cedo, com 21 anos. Se tivesse ido para uma equipa mais competitiva...Tudo bem que tive um acidente que pode ou não ter travado um pouco o interesse de outras equipas e isso prejudicou o meu percurso. Se tivesse tido a oportunidade de estar numa equipa mais competitiva teria tido melhores resultados. Posso fazer a comparação com os pilotos que correram comigo em outras categorias inferiores, e eu venci quase todos e andei na frente a lutar com todos. Vários desses pilotos tiveram sucesso na Fórmula 1. Foram para Williams, como foi o caso do David Coulthard ou do Rubens Barrichello. Mas o que passou, passou. Às vezes até pode parecer um bocado de desculpa, mas na minha análise é a realidade.

"Se tivesse tido a oportunidade de estar numa equipa mais competitiva teria tido melhores resultados. Em categorias inferiores venci Coulthard, Barrichelo entre outros que tiveram sucesso na Fórmula 1".

SAPO Desporto: Acabou por dececioná-lo essa experiência na Fórmula, pelo facto de não ter conseguido lutar por outros objetivos, como fazia em outras categorias?

Pedro Lamy: Fiquei triste por não ter conseguido estar numa equipa mais competitiva, mas se calhar também me cansei muito rapidamente de andar a 'penar' em equipas fracas. Estava muito habituado a vencer e de repente estava ali numa categoria que é o topo e estava a sentir-me completamente injustiçado e quanto mais cedo saísse dali mais feliz ficaria. E foi isso que aconteceu. Saí e passei a ser feliz. Voltei a vencer corridas e voltei a vencer campeonatos. Mas olhando para trás, se calhar tinha feito as coisas de forma diferente e insistido um pouco mais. Mas ganhei muitos campeonatos e tive muitas vitórias e isso satisfaz-me.

"Cansei-me de andar a 'penar' em equipas fracas. Saí da Fórmula 1 e passei a ser feliz"

SAPO Desporto: Antigamente havia mais mão do piloto na condução do carro, hoje em dia há muita ajuda tecnológica. Podemos dizer que há uma excessiva interferência da tecnologia na Fórmula 1?

Pedro Lamy: Eu acho que os carros hoje em dia são mais fáceis de guiar, mas continua a ser muito difícil levá-los ao limite. Eu acho que os carros estão muito mais parecidos hoje em dia na Fórmula 1. Há mais tecnologia, mas não deixa de ser difícil na mesma. Os melhores pilotos têm que lutar muito para serem melhores do que os outros. Hoje um piloto que esteja numa categoria abaixo, adapta-se facilmente à Fórmula 1. Desde que esteja bem fisicamente e quando digo bem fisicamente é mais o pescoço. Os carros antigamente eram mais pesados, não havia direção assistida, era tudo à força. Os carros têm hoje eventualmente mais 'forças g', forças laterais, mas os pilotos também estão muito mais bem sentados, há direção assistida, há uma série de situações que facilita muito a vida de um piloto. Não acho que os pilotos antigamente é que eram bons e os de agora não prestam. Os pilotos de hoje em dia têm tanto ou mais talento do que os outros de há muitos anos atrás.

"Os carros de Fórmula 1 antigamente eram mais pesados, não havia direção assistida, era tudo à força."

SAPO Desporto: A Mercedes tem dominado na era híbrida e parece estar sempre muito à frente da concorrência. Isso tem afastado as pessoas até porque as corridas chegam a ser monótonas, já que ganham sempre os mesmos e há uma grande diferença entre as equipas. O que a FIA podia fazer para diminuir as diferenças e aumentar a competitividade?

Pedro Lamy aos comandos do seu Minardi nos tempos em que estava na Fórmula 1
Pedro Lamy aos comandos do seu Minardi nos tempos em que estava na Fórmula 1

Pedro Lamy: Eu acho que não há muito a fazer. Ao longo dos anos a FIA tem feito um bom trabalho no que diz respeito aos regulamentos. Não concordo, as equipas estão muito mais próximas uma das outras do que antigamente. Se calhar este ano é diferente, em outros anos a Ferrari estava bem mais competitiva e dava luta à Mercedes. A equipa este ano está a jogar sozinha, o Hamilton está a jogar sozinho na frente, às vezes o Verstappen está próximo dele à frente do Bottas. O Hamilton é que é o líder da Fórmula 1 atualmente. Mas se analisarmos julgo que a Red Bull não está assim tão longe da Mercedes. Na Fórmula 1 há sempre uma equipa que é sempre melhor. Antigamente era a Mclaren, depois passou a ser a Williams, mais tarde foi a Ferrari durante muitos anos e depois houve uma fase em que o melhor técnico vai para a melhor equipa e depois o melhor piloto também se junta à melhor equipa. Depois aparecem pilotos como o Schumacher, Hamilton e eventualmente o Senna e acaba por se juntar o útil ao agradável. A melhor equipa junta-se ao melhor piloto e normalmente são imbatíveis e é o que está a acontecer agora.

"Falta de competitividade na Fórmula 1? Não concordo, as equipas estão muito mais próximas uma das outras do que antigamente."

SAPO Desporto: Dos jovens pilotos da atual Fórmula 1, qual deles merece a sua preferência e porquê?

Pedro Lamy: Hamilton é sempre um piloto de referência, temos o Max Verstappen que também é realmente um sobredotado e tem sido um piloto que tem demonstrado que é mais rápido do que todos os outros. Era interessante vê-lo ao lado de Hamilton, mas por outro lado ele é muito mais jovem. Depois também da nova geração, temos o Charles Leclerc, Carlos Sainz, o Lando Norris, Daniel Riccardo, o Pierre Gasly. São todos muito bons, e os bons pilotos transformam os outros também em melhores pilotos. A Fórmula 1 está bem recheada de pilotos muito competitivos.

SAPO Desporto: Agarrou o sonho de estar na Fórmula 1, venceu as 24 horas de Les Mans, foi campeão do mundo de GT2, o que lhe falta fazer no automobilismo?

Pedro Lamy: Vivo mais o momento. Já estou numa altura em que tenho que acalmar e tenho que pensar em parar, e de vez em quando fazer uma corrida ou outra. Não tenho nada específico em mente, espero de alguma forma poder estar ligado ao automobilismo, vamos ver o que é que pode acontecer.

O Grande Prémio de Portugal realiza-se entre os dias 23 e 25 de outubro no Autódromo de Portimão.

*Artigo corrigido e atualizado