"O râguebi ensinou-me muita coisa. Comecei a jogar quando tinha 16 anos, uma idade em que uma pessoa passa por muitas mudanças, e foi um espaço de integração, que me pôs à prova e que me continua a desafiar. É um sítio onde me continuo a sentir sempre desafiada e isso é muito bom". Maria Branco tem 30 anos e joga râguebi desde 2006. Faz parte da equipa do Sporting que tem dominado o râguebi feminino em Portugal nos tempos mais recentes. Integra a seleção nacional e exerce já funções de treinadora ao nível nas camadas mais jovens.

Como ela, são muitas as mulheres que partilham a paixão pelo râguebi, que o jogam e que dele destacam o sentido de união, de amizade e de responsabilidade que a prática da modalidade lhes traz.

Mas o râguebi feminino continua - um pouco por todo o mundo e também em Portugal - a ter de lutar com o estigma de ser ainda visto como um desporto violento, feito para homens. "Às vezes olham-nos de lado por sermos mulheres, mas não deixa de ser divertido. Não deixamos de ser nós por isso", reconhece Yara Fonseca, de 17 anos, jogadora do Ubuntu Rugby que representou Portugal no Campeonato da Europa de Sub-18 de 2019.

Um 'desporto de brutos jogado por cavalheiros'? Nada disso!

O râguebi feminino em Portugal tem uma história recente, de cerca de 20 anos. Muito por culpa desse 'selo' de ser um 'desporto masculino', ideia que contaminou e continua a contaminar a modalidade. Só muitos anos depois de estar estabelecido nos homens foi jogado o primeiro campeonato nacional feminino, em 2001.

"Desporto violento e para homens? Tinha a mesma ideia no início. Pensava: ‘Placagem? Meu Deus, elas vêm todas contra mim, eu vou cair e vou-me partir. Não é nada disso!"

Quem o garante é Inês Barbosa, de 17 anos, que há dois anos e meio joga no Belas Rugby Clube e também representou Portugal no Europeu de Sub-18 do último ano. "É muito mais técnico e está pronto para não nos aleijarmos se executarmos da forma correta", salienta.

João Moura, responsável pelo râguebi feminino na Federação Portuguesa de Rugby (FPR), cargo ao qual chegou com o objetivo de dar uma ‘nova vida’ a esta variante, reconhece que não é nada fácil combater esse estigma de modalidade violenta, feita para homens, mas acrescenta que o problema vai mais além e está ligado àquilo que é a cultura desportiva em Portugal.

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"Acho que, no geral, as mulheres são pouco incentivadas a praticar desporto em Portugal, apesar de haver bons exemplos no desporto feminino. Olhando para o que é a realidade de um rapaz e de uma rapariga na escola, e com o contacto desportivo de um e de outro, quando há uma menina a sair um pouco dos padrões do vólei, da dança ou da ginástica, e a querer praticar futebol ou râguebi, isso ainda choca muito numa primeira fase. Sobretudo sendo o râguebi", refere João Moura, que conta com uma vasta experiência numa modalidade que começou a praticar no Algarve, antes de se mudar para Lisboa e para o Belenenses, onde jogou e começou a treinar os escalões jovens, tendo sempre também uma estreia ligação ao râguebi feminino

"Como conseguimos mudar essa mentalidade? Tem sido uma das perguntas que mais tenho colocado internamente e em que mais tenho pensado. Não é fácil…acho que tem de passar muito por uma sensibilização, por aproveitar as redes sociais e os bons exemplos que há la fora para tentar desmistificar um pouco o que é o desporto feminino no geral e o râguebi feminino em particular, tentando criar uma mentalidade diferente", acrescenta.

Maria Branco, que começou a jogar no CDUP, no Porto, antes de rumar ao Sporting, segue na mesma linha de pensamento. "Portugal tem ainda uma visão muito tradicional nas suas ideias e isso é visível no desporto feminino. Para muita gente, não é suposto uma mulher fazer desporto. A atividade desportiva, para muitos, é ainda visto como uma coisa de homens. São os homens que vão ao futebol, são os homens que jogam futebol, basquetebol, etc.", acrescenta.

Há, ainda assim, quem sinta que o panorama estará a mudar. "Já aconteceu dizerem-me que isto é uma modalidade de rapazes, embora nos dias de hoje já não seja tanto assim. Apesar de estar ainda na cabeça de muitas pessoas, já não faz sentido. Este desporto em si não é violento, as pessoas é que olham para ele assim. Bem jogado, o râguebi não é violento", assegura Patrícia Batista, colega de Maria Branco no Sporting, alguns anos mais nova.

Os últimos tempos, de facto, trazem sinais de esperança e mostram uma vontade de rumar contra esta maré.

A aposta do Sporting no râguebi feminino, rumo à hegemonia…Ibérica

Um desses sinais vem do Sporting Clube de Portugal, que há cerca de seis anos começou a apostar na variante feminina do râguebi. As 'leoas' conseguiram alcançar a hegemonia a nível nacional, conquistando todos os títulos disputados nos últimos anos, e deram também cartas lá fora, com a conquista das duas últimas edições da Taça Ibérica, onde as campeãs nacionais medem forças com as campeãs espanholas.

"Foi uma hegemonia alcançada pelo trabalho. As nossas atletas adoram vencer e está no ADN delas, no ADN do Sporting. No ano passado fizemos uma época perfeita, esta época para lá caminhamos. Não é fácil estar sempre no topo, mas elas têm conseguido, fruto, claro, de muito trabalho", explica Pedro Leal, treinador das ‘Leoas’.

Tratou-se de um processo rápido e positivo para o râguebi nacional, segundo o técnico. "Este projeto desenvolveu-se muito rapidamente. Começámos na segunda divisão e, em dois anos, chegámos à primeira. O Benfica era, então, muito forte, era o campeão nacional, mas felizmente nos últimos 4 anos conseguimos inverter isso. Tem sido taco a taco, mas temos sido mais fortes e tem sido bom para nós e para o râguebi português", salienta Pedro Leal.

João Moura reconhece que os triunfos do Sporting, especialmente os alcançados na Taça Ibérica, são benéficos para o râguebi feminino nacional. "Foi importante para o nosso râguebi porque, ganhando a Taça Ibérica nos últimos dois anos, isso acabou por dar visibilidade ao râguebi feminino e mostrar o que de bom se faz no râguebi português", salienta.

Para esses compromissos ibéricos, o Sporting recorreu nos últimos dois anos a duas jogadoras neo-zelandesas que, estando inscritas, acabaram por participar em mais alguns jogos do calendário nacional. O treinador Pedro Leal justifica a vinda dessas jogadoras com o facto de o Taça Ibérica ser jogada em râguebi de XV, variante que, entre as mulheres, não se joga com regularidade em Portugal, dado o escasso número de atletas. O Campeonato Nacional Feminino era jogado, até há poucos anos, na variante 'tens' e, esta temporada, o jogo decisivo, no qual o Sporting bateu de forma clara a Agrária de Coimbra, foi jogado numa - pouco comum - variante de râguebi de XIII.

"Em Portugal, como não há ainda râguebi de XV no feminino, não temos jogadoras com capacidade física para atuarem em determinadas posições fundamentais nessa variante. O ano passado vieram duas neo zelandesas que nos ajudaram, este ano veio uma neozelandesa e uma portuguesa que lá jogava, a Larissa Lima. Ajudam-nos a elevar a fasquia da equipa e dos treinos. Foi muito positivo e, para o ano, esperamos poder contar com elas novamente", explica o técnico das 'verdes e brancas', tetracampeãs nacionais.

O empenho de João Moura na FPR e um sonho: uma seleção feminina de râguebi de XV

João Moura aproveita para deixar uma sugestão: o campeão nacional - neste caso o Sporting - poder recorrer para esse jogo da Taça Ibérica - cujos benefícios em termos de visibilidade para a modalidade a nível nacional todos reconhecem - a jogadoras a nível interno, de outros clubes, que seriam 'emprestadas' para esse encontro em particular.

"Se estamos a recrutar uma jogadora de fora para jogar aquele jogo específico, porque não levar uma jogadora portuguesa, de outro clube, que atue nessa posição, podendo assim desenvolver-se a outro nível. Que se possa fazer um acordo entre clubes e federação que o permita. Seria benéfico para todas as partes", sugere.

É apenas uma das muitas ideias que João Moura tem para o desenvolvimento do râguebi feminino em Portugal.

"Quando me convidaram para me dedicar ao râguebi feminino foi para olhar pelas seleções. Neste momento, o desafio que me colocaram em cima da mesa foi o de criar uma selecção de XV sénior e de manter a de sevens, ficando com responsabilidade direta enquanto selecionador nacional", explica.

Não é, contudo, uma tarefa fácil e são muitos os problemas que vai encontrando.

Um deles é o número de atletas à disposição. Neste momento, segundo dados facultados pela FPR, existem 515 jogadoras 'federadas', face a 6214 jogadores 'federados' no setor masculino. Ou seja, num universo de 6729 praticantes de râguebi, apenas pouco mais de 7% são do sexo feminino. A nível mundial, a relação é de uma praticante do sexo feminino por cada cinco praticantes masculinos, ou seja, 20%.

"Esse é um dos grandes desafios. No ano passado a federação terminou com pouco mais de 550 jogadoras inscritas a nível nacional. É francamente reduzido", reconhece João Moura, embora saliente que se tem verificado um ligeiro aumento nos últimos anos (em 2017, o número de jogadoras de râguebi no nosso país era de 469).

Essa disparidade entre o número de praticantes masculinos e femininos leva a que nos escalões mais baixos, até aos sub-14, não existam equipas exclusivamente femininas, sendo formadas equipas mistas. "O panorama é escasso e tem sido um desafio grande para a federação. Existem sempre algumas jogadoras nos escalões intermédios que se diluem naquilo que é a atividade do râguebi feminino. As sub-18 que já tem capacidade para tal são absorvidas no escalão sénior e até aos sub-14 o râguebi pode ser jogado de forma mista", explica o coordenador do râguebi feminino da FPR.

Esta época, porém, acrescenta João Moura, foram já dados passos importantes, com torneios nacionais femininos de sub-16 e sub-18, havendo ainda mais duas atividades agendadas. "O Feedback também tem sido positivo, tanto da parte das meninas, que percebem que há um espaço para elas, sem terem de estar com os rapazes e com as mais velhas, como por parte dos treinadores", garante.

João Moura, coordenador de râguebi feminino da Federação Portuguesa de Râguebi
João Moura, coordenador de râguebi feminino da Federação Portuguesa de Râguebi João Moura, coordenador de râguebi feminino da Federação Portuguesa de Râguebi créditos: Sapo Desporto

Ao longo dos últimos anos tem sido dada uma primazia grande à variante de sevens e houve mesmo anos em que, no feminino, só se jogou essa variante em Portugal, nota João Moura. O desafio, agora, é chegar ao râguebi de XV no feminino.

"Eu gostava de ver essa transição.  É interessante perceber que em grande parte dos países – e nós devemos olhar para o que acontece lá fora, de forma a adaptar bons exemplos à nossa realidade e às nossas necessidades – como Espanha, França, Itália, os principais campeonatos são campeonatos de XV, independentemente de haver também uma aposta estratégica nos sevens  e de haver um programa específico para eles. Nós ainda não estamos nessa fase, nem de longe nem de perto, mas temos que caminhar para aí", refere.

A existência de uma competição interna de râguebi de XV ajudaria a fazer crescer o número de jogadoras e potenciaria uma seleção nacional. Apesar de tal ainda não ser uma realidade, João Moura acredita que o sonho de colocar em campo essa seleção portuguesa sénior feminina de râguebi de XV num jogo internacional amigável pode ser concretizado já este ano.

"Estou convencido que já este ano vamos conseguir realizar pelo menos um jogo internacional de râguebi de XV. Era, para mim, uma grande vitória".

Para ajudar a concretizar esse objetivo foi recuperado um processo intermédio que já existiu no passado: as Academias. As jogadoras têm a sua semana normal no clube e, como parte do processo da seleção nacional, fazem um treino semanal com João Moura no Estádio Nacional, para o qual há uma convocatória de acordo com o respetivo rendimento.  Estas Academias, que existem em moldes semelhantes para a seleção principal e para as sub-18, são mais um passo para cativar as jogadoras, mantê-las na modalidade e trazer ainda mais atletas do sexo feminino ao râguebi.

"Mãe, pai...vou jogar râguebi"

Mas como costumam reagir as famílias quando uma 'menina' chega a casa e diz que quer jogar râguebi? As reações são diversas.

"Custou um bocadinho convencer em casa a deixarem-me jogar. Não foi fácil, porque acho que é visto como um desporto pouco feminino. Não é a imagem tradicionalmente feminina que se imagina. Os pais pensam sempre mais num vólei, numa ginástica, num ballet para as suas meninas. Não foi fácil dizer que queria fazer um desporto de contacto, em que volta e meia chegava a casa com olhos negros", recorda Maria Branco.

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Já Isabel Ozório, outra colega de Maria no Sporting, onde é capitã de equipa, não teve os mesmos problemas. "Ao contrário de algumas amigas e outras jogadoras, não tive problema nenhum com os meus pais e amigos. A minha família sempre me apoiou nas minhas decisões. A preocupação foi mais a de conciliar com os estudos", relembra.

A jovem Yara Fonseca, do Ubuntu Rugby, conta uma história diferente. Para ela, o râguebi chegou como uma prenda de aniversário 'especial': "Em casa, a minha mãe tinha dois desportos proibidos: o hóquei em patins e o râguebi. Como sabia que ela não gostava, pedi-lhe como prenda de anos poder jogar!", explica.

A entrada no mundo do râguebi, essa, também varia de jogadora para jogadora.

"Comecei a jogar quase sem querer. Recebi um convite para ir experimentar, porque tinha aberto uma equipa feminina no CDUP. Inicialmente não tinha nenhum interesse, não conhecia muito a modalidade, mas fui ficando…até hoje", conta Isabel Ozório.

Isabel Ozório é a atual capitã da equipa do Sporting
Isabel Ozório é a atual capitã da equipa do Sporting Isabel Ozório é a atual capitã da equipa do Sporting créditos: DR

No caso de Patrícia Batista, também ela jogadora do Sporting, a chegada ao râguebi deu-se mais pela proximidade com a modalidade. "Tinha familiares que já tinham jogado e o meu vizinho era treinador. Resolvi ir experimentar uns treinos e acabei por ficar", relembra.

Inês Barbosa, de 17 anos, jogadora do Belas Rugby Clube, chegou pela mão do irmão e do pai, que já tinha jogado. O irmão jogava futebol, mas trocou essa modalidade pelo râguebi e levou a irmã.

"Experimentei duas semanas e, realmente, é muito diferente de todos os desportos. Já experimentei basquetebol, vólei, mas no râguebi o espírito é diferente".

E Teresa Charters Santos, de 19 anos, que joga no Cascais, foi 'contagiada' por uma amiga. "Vim para o râguebi por causa de uma amiga, que já jogava e me trouxe para o jogo. A início tive algum medo, mas apaixonei-me pelo jogo e agora nem quero pensar em desistir. A família ficou um pouco chocada, mas agora apoia-me bastante”, confessa.

Presença Olímpica falhada por pouco e o êxito momentâneo nos sevens como problema

O râguebi feminino em Portugal viveu um momento alto entre 2014 e 2016. Por essa altura, Portugal alcançou a sua melhor classificação de sempre no Campeonato da Europa de sevens no conjunto das duas etapas da prova, terminando no 5º posto, e esteve depois perto do apuramento para os Jogos Olímpicos. Terá sido o ponto mais alto daquilo que tem sido a atividade internacional de Portugal no râguebi feminino.

Râguebi no feminino: Este desporto também é para elas
Râguebi no feminino: Este desporto também é para elas Na variante de sevens, Portugal esteve perto de se apurar para o Torneio Olímpico de Râguebi Feminino em 2016 créditos: AFP or licensors

Esse pequeno sucesso, contudo, teve um preço.

A primazia - quase exclusiva - dada aos sevens perante esse sucesso levou a que se descurasse praticamente por completo as restantes variantes - ao contrário do que ia sucedendo noutros países - e isso conduziu mesmo ao abandono de algumas atletas, cujas características físicas não se ajustavam a essa variante.

Entretanto, a partir do momento em que o râguebi feminino de sevens se tornou modalidade olímpica, a aposta estratégica a nível técnico e financeiro de países com quem Portugal, por norma, se batia de igual para igual foi crescendo significativamente. "Nós continuámos no mesmo registo e, neste momento, é difícil conseguirmos apanhar de novo um comboio que está em marcha. Porque competimos pouco lá fora e porque temos o nosso processo internos e um orçamento reduzido para dar a melhor preparação as jogadoras", explica João Moura.

Assim, a presença olímpica que outrora esteve perto estará agora bem mais distante de se vir a concretizar, e nas outras variantes ainda se sente o reflexo de terem sido relegadas para segundo plano.

Desenvolver é preciso...mas como?

Para que Portugal possa regressar a esse patamar nos sevens e para que consiga começar a participar também em provas internacionais de râguebi de XV é necessário que o râguebi feminino acompanhe o crescimento que se vem verificando lá fora. "O nosso plano de desenvolvimento passa por organizar competições nos escalões abaixo dos seniores. Passa por encontrar estratégias que não dependem apenas do nosso querer, mas de políticas e capacidade de mobilização dos clubes. E passa por tentar criar nos clubes a capacidade de massa humana para reproduzir aquilo que acontece no râguebi masculino: que uma miúda de menos de 10 anos possa, se quiser abraçar o râguebi, encontrar à sua disposição uma equipa feminina no escalão. Vai ser difícil isto acontecer nos próximos anos, mas gostava muito", reconhece João Moura.

Fundamental será também haver uma aposta forte a nível da comunicação da modalidade. "Temos de olhar para a comunicação que fazemos nas redes sociais e directamente com os clubes. Há que pensar em formas de chegar a mais pessoas e ter uma atividade regular junto dos jornais e meios de comunicação que possa realmente fazer mexer um bocadinho aquilo que é o dia a dia da modalidade", explica o coordenado do râguebi feminino da FPR.

Isto porque, garante João Moura, nas ações que a Federação vai fazendo junto das escolas o feedback é muito interessante.

"É impressionante o número de vezes que fazemos uma ação numa escola e vemos a quantidade de miúdas que adoram a modalidade"

"É incrível constatar nestas idades adolescentes, de 12/13/14 anos, a quantidade de miúdas que tem uma apetência para jogar a modalidade e que, por questões de maturação, até percebe o jogo melhor do que os rapazes, se calhar também por não ter vícios de outras modalidades", sublinha João Moura.

Depois, há outro factor que pode alavancar a modalidade no feminino: o sucesso da seleção masculina, agora de regresso àquele que é o segunda patamar do râguebi europeu de seleções, logo atrás do mítico Torneio das 6 Nações. João Moura relembra a atenção de que o râguebi foi alvo quando a seleção masculina se qualificou para o Campeonato do Mundo, em 2007.

"Em qualquer modalidade há uma relação direta entre resultados e desenvolvimento desse desporto. Neste momento não se fala muito de râguebi feminino, mas a seleção masculina pode ajudar a que isso mude. Lembro-me que em 2007, quando estivemos presentes no Mundial, antes entrávamos numa escola e os miúdos associavam o râguebi ao futebol americano e, naquele período, durante os quatro ou cinco anos que se seguiram, entrávamos numa escola e os miúdos claramente identificavam o desporto e os jogadores. Havia um movimento à volta da modalidade. Penso que precisamos disso outra vez", frisa.

O treinador do Sporting, Pedro Leal, acredita que para desenvolver o râguebi no feminino há que começar pelo râguebi escolar, que é uma realidade lá fora. "Cabe à federação ir as escolas, aos colégios – talvez os privados, que têm mais condições – e começar a partir daí a colocar o râguebi. Penso que a federação está a começar a fazer esse esforço, de forma a incentivar os meninos desde pequeninos a praticar este desporto que é o râguebi e que é uma escola de vida", afirma.

As jogadoras também têm um papel a dizer neste desenvolvimento da modalidade. "Ainda há muita gente que não sabe o que é ou que o confunde o râguebi com outros desportos. Há que mostrar bons exemplos, dar a experimentar a modalidade. Eu digo sempre isto: conheço muito poucas raparigas que tenham vindo experimentar o râguebi e não tenham ficado", destaca Isabel Ozório.

E o futuro? Vem aí um 'boom' do râguebi feminino...mas o profissionalismo é uma miragem

Neste momento, o râguebi feminino português abrange um leque amplo de idades. No processo das Academias da seleção principal que a FPR retomou esta época estão jovens com 18/19 anos e também jogadoras mais velhas, atletas de 36 / 37 anos. João Moura aponta este aspeto como importante para conseguir fazer uma possível renovação, pensando a longo prazo e idealizando uma prestação ao mais alto nível nos Campeonatos da Europa. "Para conseguirmos esse objetivo com uma seleção competitiva, precisamos que as mais velhas vão passando alguma informação às mais novas, porque a porta de entrada para o râguebi no feminino ainda é tardia", ressalva.

E João Moura acredita que poderá mesmo haver um 'boom' no râguebi feminino nos próximos anos. "O que me deixa mais confiante é a atividade que temos vindo a fazer nas sub-16 e nas sub-18. O feedback tem sido positivo, o número de miúdas envolvidas tem vindo a aumentar", destaca.

Olhando para o lote de jogadoras à disposição, o técnico da FPR acredita que existem até jogadoras capazes de o fazer um percurso interessante se rumarem a campeonatos estrangeiros. "Consigo identificar quatro ou cinco jogadoras que, neste momento, já poderiam ter uma experiência interessante lá fora. A corroborar isto, já tivemos no passado 3 ou 4 jogadoras que já tiveram essa experiência", lembra.

João Moura refere-se a Catarina Antunes, que atuou no North Otago e no Otago Spirit, na Nova Zelândia, a Isabel Ozório, que também jogou na Nova Zelândia, envergando os emblemas do Ardmore Marist e dos Counties Manukau, a Catarina Ribeiro, que em França atuou no Toulouse, e a Maria Heitor, que também em França representou o Lille.

Será, ainda assim, necessário que a jogadora tenha capacidade para suportar financeiramente essa aventura, pelo menos no início "Por exemplo, as duas que estiveram em França foram com algum risco próprio, e só depois de lá estarem o clube lhes conseguiu arranjar trabalho. Não havia um contrato prévio. E isso poderá ser uma barreira", lembra João Moura.

Até porque, frisa Pedro Leal, treinador do Sporting, o profissionalismo, no râguebi português, é uma miragem. "Eu joguei râguebi em França e representei a seleção muitos anos e acho que, se no masculino o profissionalismo era impossível, e acho que vai continuar a ser, infelizmente no feminino ainda mais. Em Portugal continua tudo muito ligado ao futebol", frisa o treinador leonino.

Maria Branco também olha para a questão financeira. "Não há jogadoras de râguebi a ganharem milhões de euros. Não tem essa vertente de os pais pensarem que o seu filho pode ser o próximo Cristiano Ronaldo", reconhece.

Porém, há outras outras mais valias que a jogadora leonina destaca.

"O râguebi é um desporto em que há lugar para todos".

"Tem lugar para o maior e para o mais forte, para o mais pequenino e para o mais rápido, e isso é uma coisa muito bonita. Olhamos para um campo de râguebi e vemos muitas fisionomias diferentes, vemos que cada um tem o seu lugar, enquanto olhamos para um campo de futebol e vemos que as fisionomias são quase todas iguais", frisa.

É por isso que Yara, a jogadora do Ubuntu Rugby, fez questão de lançar um repto, a fechar a conversa que teve com o SAPO Desporto: "Que as raparigas da nossa idade percam o medo e que não vão tanto pelas bocas dos outros. Experimentem, para saberem o que é o râguebi na realidade".