O Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) tem de conviver com uma zona de agricultura intensiva e as estufas podem ser só um dos problemas, mas o parque tem outras pressões, no surf por exemplo.
“Estamos numa situação limite”, diz à Lusa Ivo Carmo, surfista, presidente da Associação Foz do Mira, criada em 2003 em Vila Nova de Milfontes como clube de surf, de promoção da atividade na região, mas também com uma vertente ambiental e de limpeza de praias.
A associação tem atividade por todo o parque e por isso Ivo Carmo conhece os problemas ligados ao surf. E por isso diz que se anda a vender uma realidade do PNSACV que não corresponde à realidade, porque o cenário se modificou pelo aumento exponencial da quantidade de escolas de surf, fazendo aumentar a pressão e diminuindo a qualidade do serviço que se presta.
“Imagine um parque natural onde nos orgulhávamos da qualidade no ensino do surf, onde os banhistas tinham acesso à praia, à água, às ondas e a atividades lúdicas. E agora imagine uma praia lotada com escolas de surf, embandeirada de uma ponta à outra, onde não pode ter acesso à praia como banhista, com um elevado perigo de acidentes”, afirma à Lusa.
E avisa que as pessoas que vão procurar a ideia romântica que têm do PNSACV por esta altura o que vão encontrar é uma situação igual a Peniche ou à Ericeira, “mecas do surf”.
Para o Parque defende antes um “surf sustentável”, com qualidade, ligado à ideia do que é o Alentejo, um lugar tranquilo e pouco povoado.
Mas, garante não é o que se passa: “De repente estamos aqui a fazer surf a meio metro de distância, com praias sobrelotadas, uma situação contrária à imagem que vendemos do Parque Natural, de tranquilidade, e de praias selvagens, que afinal se transformaram numa selvajaria”.
Para que se tenha uma ideia, diz Ivo Carmo, em Portugal há mais escolas de surf do que nos Estados Unidos, “centenas mais de escolas”, e isto tudo nos últimos 10 anos.
David Rosa, da Associação de Escolas de Surf de Portugal, membro da Associação de Escolas de Surf da Costa Vicentina, com uma escola de surf em Odeceixe, dá outro exemplo: há uma década, entre a Ribeira de Seixe e a Meia Praia, já no Algarve, havia 12 escolas de surf e hoje há 48.
“As praias não são elásticas” e há demasiadas escolas devido à falta de regulamentação para o setor, acabando por faltar sítios para se tomar banho porque “é só pranchas dentro de água”, queixa-se David Rosa, explicando que é facílimo abrir uma escola de surf, que praticamente qualquer pessoa o pode fazer. E se antes, diz, havia muita permissividade por parte das capitanias, que lucravam com isso, agora são as autarquias que dão as licenças, e que não querem perder votos.
“No passado éramos pessoas bem-vindas, hoje já não somos”, queixa-se, afirmando que houve um ‘boom’ de escolas e que não há espaço para todas, e diz que os apoios recreativos são encapotadas escolas de surf, o que é ilegal. “As escolas de surf na Costa Vicentina estão para o turismo da mesma forma que as estufas, que cresceram consideravelmente nos últimos anos, estão para o Parque Natural”.
Em Vila Nova de Milfontes, António Trueb, também da Associação Foz do Mira, surfista desde criança e apaixonado pela prática, diz: “O que percebo ao longo dos anos é que a pressão a nível turístico do surf na região tem aumentado exponencialmente”.
O turismo “faz uma pressão gigante” e é preciso encontrar um equilíbrio, porque o PNSACV não aguenta, porque já não conseguimos dar o que dávamos há uns anos, porque o areal e as ondas são limitados, diz.
E se em maio, há poucos dias, ele e dois turistas estrangeiros (só 20% dos clientes são portugueses) eram as únicas pessoas na Praia do Malhão é porque ainda chovia e fazia frio. Mas não tem dúvidas, chegando o calor chega também a “guerra” entre o banhista e o surfista. “Ainda não aconteceu nenhum acidente, mas pode acontecer e isso tem de ser alertado”.
Quer António Trueb quer Ivo Carmo defendem que deve haver uma definição de critérios para atribuir licenças de escolas na praia, porque tem de haver um equilíbrio.
E Ivo Carmo fala ainda de outro problema, as estufas agrícolas ao longo da costa. “Quando vamos para o lado da Zambujeira os turistas, que vão à procura de uma coisa, são confrontados com uma paisagem muito diferente das imagens que viram quando pesquisaram as férias”.
David Rosa queixa-se do mesmo, duvida mesmo da qualidade das águas, que podem ser afetadas pelos produtos químicos da estufas, diz que na última década nunca viu nenhuma autoridade a fazer análises e queixa-se do desaparecimento das algas típicas da região, que no passado eram apanhadas para uso farmacêutico.
É assim o PNSACV. O Parque que, diz Ivo Carmo, não é um ‘resort’ de surf, é tão só um Parque Natural onde há surf.
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