58 jogos seguidos sem perder (desde outubro de 2020 até à recente derrota em Braga) ajudam a explicar o 30º título do FC Porto, mas não contam a história toda sobre o sucesso dos dragões na presente edição da 1.ª Liga. Sérgio Conceição soube tornar a equipa mais vistosa no plano estético do jogo, manteve características já vistas noutras épocas (com títulos e sem os ganhar) e rentabilizou jogadores ainda com pouca experiência na elite, mas claramente talhados para serem figuras do futebol nacional e europeu nos próximos anos.
Ora então, e que pontos fortes apresentou este dragão? Para começar, manteve um traço identitário que já havia surgido noutras temporadas: uma forte reação à perda da bola, uma capacidade de pressão em zonas altas bem calibrada, agressividade nos duelos e indução do adversário ao erro. Mesmo nos jogos mais exigentes, o FC Porto de Sérgio Conceição (nestas coisas, o treinador merece sempre a associação de mérito) teve uma capacidade de adaptação a adversários com mais argumentos técnicos – desde logo, os principais rivais – e soube proporcionar-lhes dificuldades e intranquilidade no momento de saída para o ataque.
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O Sporting de Rúben Amorim (cá está, uma inevitabilidade quando os treinadores fazem trabalhos de autor) mostrou ser a equipa com maior capacidade para provocar problemas aos azuis e brancos nos dois jogos do campeonato, mas mesmo assim quebrou em momentos-chave, algo que os dragões souberam aproveitar.
Depois, mais para lá das qualidades no momento sem bola, o FC Porto 2021-22 exibiu outro nível performativo em posse, o que não pode ser desassociado do aparecimento de jogadores de nível técnico alto como Vitinha, Fábio Vieira ou João Mário. De campeões europeus no futebol jovem a craques na equipa principal, houve três anos de diferença, que foram fundamentais para potenciar a qualidade que já estava à vista de todos desde bem cedo. Sobretudo estes três – mas não só – foram diferenciais por aliarem argumentos no passe, cruzamento e remate à capacidade de se integrarem no movimento coletivo de reação à perda da bola.
Mas claro que outros nomes se destacaram: Uribe e Otávio são dois dos elementos mais experientes do plantel e conquistaram um certificado de complementaridade, pela forma como equilibram a equipa (na pressão, agressividade e desarme) e ao mesmo tempo completam esse lado seguro com passes de rutura, boas associações e aparecimento em zona de decisão (aqui com Otávio mais destacado).
No ataque, Taremi e Evanilson denotam também esse lado complementar, com o iraniano a mostrar ser um dos avançados mais perspicazes da Liga nos apoios, na capacidade de jogar entrelinhas e combinar com os colegas, além de aparecer em zona de finalização, onde Evanilson consegue também fazer a diferença, através da espontaneidade no remate e bons movimentos por todo o último terço.
Na zona mais recuada, a dupla Mbemba-Pepe mostrou solidez na defesa da área e capacidade de proteção elevada, contando também com um guarda-redes que, além dos reflexos apurados e do instinto felino, sabe jogar com os pés e sai com outra segurança e confiança da área própria (Diogo Costa).
Curiosamente, é no setor recuado também que aparecem em certos momentos algumas das fragilidades nos dragões, sobretudo quando a tal pressão forte e agressiva à construção do adversário não resulta. O adiantamento dos laterais acaba por deixar a turma de Conceição exposta e nem sempre as compensações são bem feitas. O espaço que acaba por surgir quando o oponente encontra essas referências para progressão pode ser mais bem protegido.
Na lateral esquerda, e apesar de algumas exibições mais meritórias, Zaidu denotou nalgumas partidas problemas na leitura dos lances e algumas incapacidades técnicas, que acabaram por não ser compensadas pela chegada de Wendell (também somou prestações pouco conseguidas nalguns jogos). Perante equipas que pressionam a saída de bola de forma mais agressiva, o FC Porto mostra-se também mais concessivo e as perdas em zonas mais recuadas acabam por proporcionar oportunidades aos adversários.
O campeão nacional é, como todas as equipas, constituída de pontos fortes e de algumas fragilidades, sendo que a balança a nível interno tem ainda assim pendido a favor de uma formação forte e que habitualmente se superioriza aos oponentes em todos os índices do jogo. Não é fácil contrariar o FC Porto de Sérgio Conceição porque é uma equipa que gosta de fazer o adversário sentir-se inibido na hora de arriscar. No contexto português, a pressão alta traz maiores facilidades na aproximação à baliza contrária e o domínio com bola é muitas vezes resultante da postura mais cautelosa das equipas que se apresentam pela frente.
Como mencionado anteriormente, o Sporting tem jogadores e mecanismos para proporcionar dificuldades adicionais, o Benfica foi crescendo na organização defensiva em jogos grandes na segunda metade da época, mas acabou completamente superado pela pressão portista nos dois jogos no Dragão e o SC Braga usou a estratégia europeia (bom preenchimento de espaços no momento defensivo e saídas verticais) para quebrar a invencibilidade do dragão. Mais para lá desses três adversários com outro nível (superior), não houve quem conseguisse lidar com uma equipa imponente e com um plantel – sobretudo do meio-campo para a frente – recheado de opções hiper-válidas.
O título do FC Porto não foi fácil, mas a consistência da turma de Sérgio Conceição acabou por ser chave para arrebatar a taça na presente época. Nem sempre brilhantes, mas sobretudo regulares. No fundo, a fórmula utilizada por quase todos os treinadores e equipas de topo para conquistar provas de regularidade. Resulta? Sem dúvida.
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