Já longe dos relvados, Piqué continua a marcar golos fora de campo com a criação de uma das competições de futebol de sete que já alcançou um grande mediatismo a nível mundial.

Como é que um torneio de futebol amador consegue juntar 90 mil pessoas em Camp Nou? A Kings League que o diga e a casa do Barcelona ficará para sempre ligada a um momento histórico que já furou as fronteiras de Espanha e se fala por todo o mundo.

Antes de olharmos para os números astronómicos alcançados neste último domingo, vamos perceber melhor do que se trata afinal a Kings League.

As origens e o conceito

Tudo começou a 1 de janeiro com Piqué já reformado dos relvados e com a iniciativa de criar um projeto que ligasse o futebol ao streaming.

Nesse mesmo dia, que marcou o arranque de 2023, jogou-se a primeira jornada da competição em Barcelona com uma audiência média de 450 mil pessoas (e números a chegarem aos 800 mil) entre o Youtube e a Twitch. Logo aqui se percebeu o poder do streaming na iniciativa. O objetivo do antigo defesa espanhol, que se juntou ao famoso streamer Ibai Llanos, era mostrar um futebol de sete sem barreiras e obstáculos.

"Queríamos um futebol em que se possa aceder aos balneários, ver como o treinador fala com os jogadores ou como os proprietários negoceiam transferências»", disse na altura Piqué.

Basicamente, tudo o que acontecia dentro e fora de campo podia ser percecionado pelos adeptos - algo que não é assim tão habitual no futebol profissional. As câmaras e microfones colocadas em locais estratégicos (como por exemplo num árbitro) permitiam aos que acompanhassem o streaming perceber tudo o que os jogadores diziam, as suas reações, o diálogo com o árbitro. Um simples adepto passava então a 'entrar' no espírito de jogo.

As regras do jogo, ainda em desenvolvimento, misturam o que já conhecemos do futebol, futsal, com algumas cartas à mistura (leu bem).

No futebol que conhecemos, há uma moeda ao ar do árbitro para definir a divisão do campo, mas na Kings League cada treinador tira uma carta com um trunfo especial que pode ser usado ao longo do jogo. Entre as opções há sete cartas de golo a dobrar (golos a valerem o dobro nos próximos dois minutos), sete cartas de sanção (expulsar um adversário durante dois minutos), quatro cartas de penálti (a equipa conquista uma grande penalidade), uma carta de roubo (ficar com a carta do treinador adversário) e uma carta joker (poder de escolha de qualquer uma das vantagens anteriormente referidas). Só esta nova regra acaba por tornar o jogo mais dinâmico e apelativo ao público-alvo.

São 40 minutos de puro entretenimento e competição, dividido em duas partes e em que o apito inicial se faz como o polo aquático: a bola está no centro e as duas equipas vêm desde a baliza para ver quem consegue primeiro a posse de bola. A arbitragem também não é para brincadeiras: Existe VAR, expulsões e um cartão amarelo que leva à suspensão durante dois minutos. As substituições dos treinadores são ilimitadas. Se no final de um jogo houver empate, decide-se tudo diretamente nos penáltis que começam desde o meio-campo, com o jogador a ter de rematar num período máximo de cinco segundos.

Uma situação caricata que ocorreu nas decisões por castigo máximo envolveu Ronaldinho, que entrou na Kings League a vestir a camisola dos Porcinos, e se 'recusou' e cobrar uma das grandes penalidades, depois do empate frente ao PIO FC. "Ah, então vamos pôr outro. Não vou estar a correr, estás louco", disse na altura o brasileiro de forma descontraída.

Esta cultura participativa dos adeptos nos jogos da Kings League acaba também por interferir nas regras do jogo, nomeadamente na forma como são aplicadas as cartas, através de uma sondagem feita na altura entre todos aqueles que estão a assistir ao evento.

Estrutura da competição

Olhando para o campeonato em si, estamos perante 12 equipas, que contam com a presidência de um streamer e Piqué a dirigir a competição. Ibai Llanos, Kun Aguero e Iker Casillas aparecem entre os presidentes dos clubes, que se defrontam em duas voltas até o apuramento final para um play-off com os primeiros oito classificados. Entretanto, as mais recentes notícias apontam para que Neymar já tenha sido convidado a integrar a lista de presidentes, sendo o representante oficial da Kings League no Brasil.

O número de jogadores inscritos por equipa pode variar entre oito e 12, mas até agora apenas se têm visto 12 jogadores que se dividem da seguinte forma:  10 elementos regulares e duas wild cards (as também denominadas estrelas da equipa, que são assim uma raridade em cada plantel). Dessas duas, uma fará parte da equipa a época toda, enquanto que a outra pode mudar em cada jornada com possíveis repetições.

Das wild cards já figuram algumas caras bem conhecidas e até estrelas do futebol mundial como Capdevilla (ex-jogador do Benfica e campeão do mundo em 2010), Javier Saviola (também ex-Benfica que faz parte da equipa de Aguero), Alberto Bueno (ex-FC Porto, que integra a equipa de Casillas), Ibai Gomez, Victor Sanchez, Ruben de la Red, Joan Verdú e Chicharito Hernández.

Relativamente aos dez jogadores regulares, as escolhas recaem através de um draft realizado em dezembro, onde participam mais de onze mil atletas (num formato idêntico ao da NBA), e em que a decisão final recai sobre os presidentes que, no final da temporada, dispensam sempre cinco jogadores com vista a realizar um novo draft e renovação do plantel. Também há mercado de transferências entre os clubes da Kings League, mas todos os processos negociais têm de ser abertos ao público, quer em streaming ou num vídeo a ser publicado mais tarde nas plataformas oficiais.

A verdade é que, em breve, podemos também ter um português a brilhar na Kings League, diretamente do futsal. Ricardinho, que tem também todo um percurso em Espanha, não esconde o entusiasmo pela competição e já 'pisca o olho' a uma eventual entrada:

"Vou jogar na Kings League sim ou sim. A ideia será este ano combinar uma data para ir jogar, conhecer o projeto, quem sabe ter eu um dia uma equipa e quem sabe tentar trazer o projeto para Portugal. Quero ver como funciona. Seria uma coisa top. Tem coisas que podem ajudar o futsal", disse o astro português do futsal numa conversa que teve na Twitch.

A verdade é que se trata de uma iniciativa ainda em desenvolvimento e em constante mutação. Por aquilo que já vimos, os adeptos ainda podem esperar muito da Kings League.

Fez-se história em Camp Nou

Tiveram 90 mil pessoas em Camp Nou no último domingo e não, não foi um jogo do Barcelona para a La Liga. Foi a final da Kings League!

A casa dos Blaugrana acolheu um dos momentos mais esperados do ano e a lotação esgotada é a prova do sucesso que tem tido a competição. Com preços entre os 10 e 50 euros, compuseram-se as bancadas, também acompanhadas pela imprensa que transmitiu os jogos ao minuto.

O grande vencedor foram os El Bairro, que venceram na final Aniquiladores por 3-0. Antes, nas meias-finais, já tinham derrotado os Sayans FC, enquanto que, do outro lado, os Aniquiladores bateram o pé aos Los Troncos.

História em Camp Nou também se fez pelos milhares de adeptos que gritaram o 'siiimmm'  de Ronaldo nas bancadas. Como é que uma coisas destas poderia acontecer na casa do Barcelona, maior rival do Real Madrid? Um feito só conseguido pela Kings League na marcação de uma grande penalidade.

Uma curiosidade chega-nos do melhor marcador da competição, Cristian Ubón (El Bairro), e também eleito MVP da fase regular, que faltou a um jogo do próprio clube para disputar a final. O UE de Sants, do quinto escalão do futebol espanhol, perdeu o jogo e está nos últimos lugares da tabela classificativa. Resta saber se Ubón é perdoado por ter trocado um jogo de uma competição oficial pela já prestigiada Kings League.