Aurélio Pereira, líder do departamento de prospeção do Sporting, comparou hoje a chegada do futebolista Cristiano Ronaldo aos ‘leões’ com o aparecimento de um talento de origem desconhecida, que já jogava como gente grande nos infantis.
“Não vi o primeiro treino, mas os técnicos disseram-me que o miúdo era muito bom jogador. No dia seguinte, encostei-me ao banco de suplentes, e parecia que tinha caído ali um óvni, pela maneira desembaraçada como jogava, com uma técnica individual incrível. Não foi preciso ser engenheiro para perceber que era de outro nível”, analisou o ‘senhor formação’, de 72 anos, à agência Lusa.
O avançado da Juventus pode cumprir o milésimo jogo na carreira profissional no domingo, na receção ao AC Milan, em partida da 12.ª jornada da Serie A, 17 anos após a estreia pelo Sporting.
‘CR7’ nasceu para o futebol com oito anos no Andorinha, um pequeno clube da Madeira em que o pai era roupeiro, e não demorou muito a despertar o apetite dos dois maiores clubes da ilha. O extremo esteve no Nacional duas épocas, até ser descoberto por Aurélio Pereira em 1997, com o auxílio de João Marques de Freitas, presidente do núcleo ‘leonino’ da região.
“Foi uma situação um bocado chata. O Nacional devia 25.000 euros ao Sporting e como ele não tinha dinheiro para pagar a transferência, avisou-me que havia alguém com potencial para ser um jogador fantástico. Face à amizade que nos une, sugeri que pudesse estar connosco”, rememorou.
Com 12 anos, Cristiano Ronaldo foi atrás do sonho de criança e aterrou em Lisboa para treinar à experiência, acompanhado pelo padrinho Fernão Sousa. Uma semana bastou para convencer Aurélio Pereira a elaborar um relatório endereçado à administração do clube, “sugerindo que o Sporting ficasse sem 5.000 contos, que não era pouco, mas com um predestinado”.
“Sendo mais novo e tendo sido criado no futebol de rua, pedia aos mais velhos para terem calma”, contou o antigo jogador e treinador dos ‘leões’ e atual olheiro, que serve os ‘leões’ há 50 anos e formou 10 campeões europeus por Portugal em 2016.
O Sporting perdoou a dívida e abriu caminho à maturação do dianteiro, que adolesceu sozinho em Lisboa, fez-se homem em Manchester, celebrou o auge em Madrid e mantém a cadência em Turim.
“A partir daí foi estar sempre à frente, querer ganhar e não ter medo de nada. A capacidade mental ainda hoje é a marca dele, mas muito mais no passado. Eu estava habituado a receber jogadores das ilhas que ao fim de duas horas já estavam com a mala feita para voltar. Com ele foi diferente”, estabeleceu Aurélio Pereira, distinguido com a Ordem de Mérito da UEFA em 2018.
Volvidas duas décadas sobre o primeiro olhar, o histórico dirigente ‘leonino’ ainda mantém um “contacto quase semanal” com ‘CR7’, como indicou a homenagem protagonizada antes da partida entre Portugal e Luxemburgo (3-0), em 11 de outubro, de qualificação para o Euro2020.
Num encontro entre ambos no relvado do Estádio José Alvalade, em Lisboa, Aurélio Pereira recebeu uma camisola autografada das ‘quinas’ pela mão de Fernando Gomes, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, e Frederico Varandas, líder máximo do Sporting.
“É uma partilha de amizade”, felicitou Aurélio Pereira, que lançou há 31 anos o departamento responsável pelo desenvolvimento de Figo e Cristiano Ronaldo, dois dos três portugueses que conquistaram a Bola de Ouro, entregue pela revista France Football ao melhor futebolista do ano.
Convicto de que o madeirense “vai demorar muito tempo a sair da competição”, o garimpeiro de craques admite as dificuldades em encontrar sucessores: “É um miúdo com paixão pelo treino, pelo jogo e pela profissão. Se tiver esses três níveis com certeza só vai parar no céu”.
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