Qual foi o impacto de Ruben Amorim no Sporting? Só a história lhe vai fazer jus. Os leões sagraram-se campeões nacionais em 23/24, conquistando o segundo título em quatro anos e meio, algo que não acontecia desde 1982. Nessa altura, os verdes e brancos também somaram dois títulos no espaço de dois anos (entre 1980 e 1982).

A herança que o técnico deixa no clube verde e branco - recheada de títulos e recordes - é pesada. Não se esperaria certamente - talvez nem o próprio Frederico Varandas - que o impacto do técnico em Alvalade tivesse tido esta dimensão, tanto a nível desportivo, em que se salientam os dois títulos nacionais conquistados -, como também na vertente financeira, pela forma como o treinador de 39 anos valorizou os ativos dos leões. Um exercício simples é tentar perceber o que era o Sporting antes, e depois da chegada de Amorim.

Muitos analistas do futebol terão pensado que o presidente do Sporting seria 'louco' por apostar e pagar mais de 10 milhões de euros por um treinador que somava apenas 14 jogos no principal escalão em Portugal, ao serviço do SC Braga.

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A época anterior não tinha corrido de feição, em 22/23, com um decepcionante quarto lugar, na ressaca do título, e da conquista que quebrou o jejum em tempos de pandemia. O que é certo é que a direção comandada por Frederico Varandas aguentou o treinador e a aposta acabou por dar frutos.

A capacidade de Amorim em atrair ativos esteve diretamente relacionada, com as chegadas de jogadores a Alvalade de enorme potencial como o foram os casos de Hjulmand mas sobretudo a de Viktor Gyokeres.

O avançado sueco é um caso sério de produtividade, que se estende não só a nível interno, mas também na Champions e seleção sueca.

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Percebe-se agora - e já é claro para muitos, que Amorim foi muito mais do que um técnico. Hábil comunicador, motivador nato, treinador e tático talentoso, o timoneiro de 39 anos soube como ninguém potenciar uma equipa, torná-la atrativa, e sobretudo, como verdadeiro líder, levou quem o seguia a dar tudo por um objetivo coletivo. O antigo internacional português soube gerir como ninguém a pressão, desafios e responsabilidade do cargo, e teve talvez apenas 'um pecado' como o próprio admitiu no momento da saída. No decurso da época anterior, e quando o Sporting ainda não tive confirmado o título, Amorim deslocou-se a meio da semana a Inglaterra para ouvir uma proposta do West Ham, num altura em que também tinha sido cogitado como alternativa para o Liverpool.

Essa viagem acabou por ser mal explicada, e levantava o véu, ou pelo menos serviu de abre-olhos aos sportinguistas sobre o que poderia acontecer ao principal obreiro na mudança de paradigma no Sporting.

Os verdes e brancos acabaram por confirmar o título no sofá. Após a vitória frente ao Portimonense, o Benfica perdeu 2-0 no terreno do Famalicão, o que permitiu aos verdes e brancos, a duas jornadas do final do campeonato, reclamarem o tão desejado ceptro, no 20.º campeonato da história.

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Mic Drop e a promessa do bicampeonato

Já no Marquês, o protagonista maior da euforia, Ruben Amorim apontou ao bicampeonato, objetivo maior que os verdes e brancos não logravam desde 1953/54. No calor do momento, e perante a euforia dos adeptos, que gritavam a plenos pulmões 'Fica Amorim', o técnico brincou com a viagem a Londres, e apontou à conquista do campeonato, num momento que teve direito a 'Mic Drop'.

"Malta, vamos despachar isto que tenho um avião para amanhã bem cedo para apanhar. Tinha esta piada preparada, mas se calhar é cedo demais. Diziam que só éramos campeões de 18 em 18 anos. Disseram que só ganhámos o campeonato porque não tínhamos público e agora dizem que jamais seremos bicampeões outra vez. Vamos ver...", disse, levando os adeptos à loucura antes de largar o microfone em grande estilo.

O Sporting falhou a conquista da dobradinha, com a derrota na final da Taça de Portugal frente ao FC Porto. No arranque da época, os verdes e brancos perderam a Supertaça, num encontro que os verdes e brancos estiveram a ganhar por três golos frente aos dragões. Ainda assim, a confiança não abalou.

O Sporting arrancou o campeonato com 11 vitórias consecutivas, ficando na retina o triunfo no clássico em Alvalade frente ao FC Porto e a reviravolta em Braga que marcou o adeus de Rúben Amorim ao clube.

Ao coletivo já de si forte, juntaram-se jogadores como o ponta de lança Conrad Harder, o defesa central Zeno Debast e Maxi Araújo. O início de temporada também fez emergir um jovem muito talentoso, o ala Geovany Quenda.

Só que um das grandes objetivos, para além da conquista do bicampeonato, passava por realizar uma boa campanha na Liga dos Campeões, uma competição que a partir desta época, passou a ter um novo formato.

A temporada de luxo do Sporting passou a ter eco na Europa, e começaram a surgir rumores. O Manchester United fez um convite ao técnico do Sporting, que foi impossível de recusar, segundo o próprio. Ficava por cumprir o desígnio do bicampeonato (com Amorim no banco) deixando por um lado um lastro de incerteza, que esta saída tão influente deixava no clube. Se no último jogo pelo Sporting, os jogadores o presentearam com uma reviravolta fabulosa em Braga; A última dança a Alvalade terminou com uma vitória história sobre o Manchester City.

Feito o balanço, o Sporting conseguiu rentabilizar por inteiro o investimento que fez, e com juros. Amorim pegou numa equipa e num clube que duvidava de si próprio, que se assumia com timidez na luta pelo título, e que procurava com 'sufoco' equilibrar exercícios e presidências desastrosas que deixaram o clube pejado de dívidas. Hoje o emblema de Alvalade é temido, respeitado, está consolidado financeiramente, e é sedutor ao ponto de atrair promissores jogadores do futebol europeu, algo que há poucos anos atrás seria um intento muito complicado:

Veja-se o caso de Viktor Gyokeres, Morten Hjulmand, ou mais recentemente de Harder. Aí, e mais uma vez, há que dar mérito ao timoneiro português. O carisma e capacidade, que só nasce para alguns, serviu para envolver os jogadores em prol de um objetivo. O ADN da equipa do Sporting, através da sua maleabilidade tática, a forma como Amorim respondeu às adversidades a partir do banco, e o dedo transformador na motivação e qualidade de jogo são outros dos cartões de vista que o técnico levou para Old Trafford.

No total, Amorim contabilizou 164 vitórias, 34 empates e 33 derrotas. Com melhor percentagem de vitórias só o mesmo o húngaro Szabo, com 76,30%. A nível de golos, a equipa leonina produziu cerca de 511 tentos, em 230 jogos, numa média de 2,2 golos por jogo, superando os registo de Jorge Jesus no Benfica ou de Sérgio Conceição no FC Porto.

Cinco títulos: Claro que nada das intenções valeriam se a equipa técnica por si liderada não tivesse conquistado títulos. Foi graças ao técnico que os verdes e brancos quebraram o jejum, no que à conquista de campeonatos diz respeito, que já durava desde 2001/2002. A equipa verde e branca voltaria a conquistar o campeonato na época passada. Juntam-se ao palmarés ainda as Taças da Liga de 20/21 e 21/22, e ainda uma Supertaça em 2021. Findo este percurso, Amorim tentará replicar o êxito do Sporting no Manchester United.

Para o futuro paira alguma incerteza nas hostes leoninas. Em meados do novembro, o técnico assumiu o projeto do Manchester United, e João Pereira, ex-técnico da equipa B, era a aposta . O choque da mudança foi sentido, e o técnico de 40 anos não resistiu à pressão e aos maus resultados. Pelos verdes e brancos, somou apenas três triunfos em oito jogos disputados, e a direção liderada por Frederico Varandas ditou a sua sentença. Rui Borges, ex-timoneiro do V. Guimarães, assumiu agora os destinos da equipa de Alvalade tentando recuperar a aura perdida com a partida de Amorim. O arranque foi promissor, depois da vitória no dérbi e com o regresso à liderança. Mas as contas fazem-se no fim.

O adeus prematuro a Manuel Fernandes

O ano dos leões fica assinalado pela partida prococe de Manuel Fernandes, uma dos maiores ídolos dos sportinguistas, vítima de doença prolongada, aos 73 anos.

Natural de Sarilhos Pequenos, no distrito de Setúbal, a 5 de junho de 1951, o avançado afirmou-se como uma das maiores figuras dos leões.

Manuel Fernandes esteve 12 épocas no Sporting, entre 1975 e 1987, tendo marcado 257 golos em 433 jogos e conquistado, com a camisola ‘verde e branca’, dois campeonatos, duas Taças de Portugal e uma Supertaça de Portugal. Na memória ficarão também para sempre os quatro golos que apontou no mítico triunfo dos leões por 7-1 sobre o rival Benfica em dezembro de 1986.