Não, este não é mais um texto a relembrar o mítico cântico que traduz o orgulho e a esperança de ver a selecção inglesa vencer. O conjunto de encontros dos oitavos-de-final marcou a reconciliação definitiva entre nós, os adeptos, e o jogo. Não devíamos ter-nos separado. Mas serviu de lição para não lhe darmos valor apenas quando o perdemos.
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Voltou para nos mostrar que o nome continua sem ganhar jogos. Relembrou-nos que a linha entre os heróis e os vilões é muito ténue - que o digam Unai Simón, Morata, Sterling e Ricardo Rodríguez. Também nos explicou que a sorte e o azar não se escolhem, só se recebem. Deu-nos o melhor dia de sempre num Europeu. E, mesmo quando a bola não foi especialmente bem tratada, levou-nos para uma dimensão simbólica difícil de igualar – pela rivalidade entre ingleses e alemães, pela redenção de Gareth Southgate, pelas imagens que Wembley nos deixou. Agora, não o deixemos sair de casa.
Espanha - Suíça (São Petersburgo)
Faria sentido tirar o jogo da Rússia e metê-lo em Copenhaga. Mesmo com uma superioridade avassaladora ao longo de 80 minutos, os espanhóis não conseguiram evitar o prolongamento. Mais do que um problema exibicional, Luis Enrique tem sofrido pelas dificuldades nas duas áreas. Os adversários não precisam de muito para marcar a Unai Simón (Pedri saberá), até porque os centrais estão melhor a construir do que a defender. Por outro lado, para que Morata e companhia metam a bola na baliza há que produzir várias ocasiões de golo, o que prejudica a confiança do colectivo.
Logo veremos se dá para chegar à final e voltar a vencer, mas o nível de jogo tem sido do melhor que há. O seleccionador foi encontrando soluções, como a entrada de Eric García que devolveu Laporte ao lado preferencial ou a inclusão de Azpilicueta, lateral que oferece suporte nos primeiros passes. Sem esquecer Pablo Sarabia, sempre perigoso a partir da direita.
Ainda assim, o ponto de viragem foi o regresso de Busquets, com a classe de sempre para identificar espaços livres e descobrir o passe certo. Um dos principais beneficiados chama-se Pedri, recebendo mais vezes entre linhas para fazer a diferença. Está no lote de candidatos a craque do torneio.
Apesar do brilharete suíço, La Roja tem mais responsabilidades nesta eliminatória. Petkovic treina uma equipa que se conhece e com princípios tácticos definidos, em que o colectivo vale mais do que qualquer individualidade. Para continuar a sonhar, é preciso que nomes como Sommer, Elvedi e Akanji repitam a exibição feita contra França. Líder no meio campo, ao nível do passe e da recuperação, Xhaka será baixa de peso e não há substituto com os mesmos atributos.
Espanha está avisada quanto à dinâmica que os helvéticos imprimem na esquerda, com Ricardo Rodríguez a “desdobrar” várias vezes Steven Zuber, que foge para zonas intermédias. Embolo e Shaqiri também se mostram entre linhas, pelo que a missão de Busquets não se adivinha fácil. Na ponta da lança continuará Seferovic, à espera de um cruzamento perfeito.
Bélgica - Itália (Munique)
O jogo com Portugal deixou marcas. Não foi uma exibição convincente dos Diabos Vermelhos e a possível ausência de De Bruyne e Eden Hazard pode comprometer as aspirações no torneio. De resto, à família Hazard coube uma grande parte do mérito: Thorgan surpreendeu Rui Patrício, Eden deu um recital de segurar a bola sob pressão e ganhar faltas em situações de inferioridade.
A nível de abordagem táctica, Roberto Martínez vai encontrar um cenário confortável, tendo pela frente uma Itália que faz questão de ter a bola. Courtois respondeu positivamente, bem como Vermaelen e Vertonghen, ao assédio português na segunda parte, mas os belgas quererão defender mais longe da baliza e explorar com maior critério a transição ofensiva. Apesar da potência de Lukaku, não há outro como De Bruyne para lançar o contra-ataque e procurar o último passe.
Depois de uma fase de grupos perfeita, a Squadra Azzurra voltou à realidade. A Áustria preparou-se para anular os pontos fortes do adversário e as limitações individuais de certos jogadores (Berardi e Immobile, sobretudo) notaram-se sobremaneira. É improvável que Federico Chiesa não entre, finalmente, na equipa titular, até para aproveitar o duelo com Thorgan Hazard – longe de ser um especialista defensivo.
Dessa forma, Itália ganharia maior profundidade e capacidade de desequilíbrio na direita. À esquerda, a sociedade Spinazzola e Insigne tentará castigar o espaço entre central e lateral para tirar vantagens. Se há coisa que o último jogo provou é que Mancini tem soluções no banco de suplentes. Aí vai sentar-se Locatelli ou Verratti, sendo que o médio do Sassuolo entrou para contribuir decisivamente no apuramento. Prevendo-se maior iniciativa, o desafio estará em recuperar a lucidez no ataque posicional e diminuir as precipitações no último terço.
Dinamarca - República Checa (Baku)
São duas selecções de Europeus e voltam a demonstrá-lo. Uma delas vai estar nas meias-finais, candidatando-se a ser uma finalista alternativa. Desta Dinamarca só ficarão boas memórias, aconteça o que acontecer. Ganhar é secundário, depois do triunfo de Eriksen e da capacidade de superação que os jogadores demonstraram. Mas, além da força emocional, há um trabalho extraordinário de Kasper Hjulmand. Esta equipa serve de exemplo quando se fala de flexibilidade táctica, saltando entre sistemas para se impor.
Foi o que aconteceu com o País de Gales, quando o seleccionador abdicou dos três centrais, adiantou Christensen e desorientou as referências de pressão do adversário. Curiosamente, isso poderá ser a chave táctica nos quartos-de-final, já que o adversário privilegia as marcações individuais e um jogo de duelos. Encontrando soluções para fugir, os nórdicos contam com o desequilíbrio de Mæhle, a criatividade de Damsgaard (espaços curtos só para os outros) e a agressividade de Braithwaite.
Falta perceber se Kasper Dolberg, herói de Amesterdão, repete ou não a titularidade. Højbjerg e Delaney têm sido uma das duplas do torneio e tentarão superiorizar-se no meio campo.
Não há Nedved nem sequer Rosicky, mas o futebol checo recebeu uma brisa de ar fresco com a ascensão do Slavia Praga, que atingiu os quartos-de-final da Liga Europa em duas ocasiões. A selecção vai colhendo os frutos do trabalho desenvolvido por Jindřich Tripišovský, quer a nível de jogadores, quer a nível de ideias (marcações individuais e muito jogo exterior). Tomáš Holeš e Masoposut são dois nomes fortes e ambos tiveram protagonismo no apuramento contra os Países Baixos (facilitado pela expulsão de De Ligt). Souček e Coufal, entretanto transferidos para o West Ham, demonstram que o sucesso não vai passando despercebido.
Sem grandes responsabilidades, a equipa de Jaroslav Šilhavý tentará aproveitar o erro adversário (promovendo-o) e criar desequilíbrios a partir das combinações entre extremos e laterais. Há menos talento diferencial, mas Schick estará em campo e nunca se sabe o que sai daqueles pés.
Inglaterra - Ucrânia (Roma)
Não será exagerado afirmar que a selecção dos Três Leões conseguiu a vitória mais importante no século XXI. Agora, colocou-se naquela posição em que só o título satisfaz jogadores e adeptos. Southgate espelhou o sistema do adversário para facilitar a pressão, deixando os maiores talentos no banco, mas as necessidades do jogo de Roma devem provocar o regresso ao 4-3-3 e algumas mexidas do meio campo para a frente (Rice e Phillips são intocáveis).
Depois do impacto no triunfo sobre a Alemanha, Jack Grealish dificilmente não fará parte do 11. Oferece pausa e critério ao ataque inglês, beneficiando as subidas de Luke Shaw. Harry Kane, mesmo pouco envolvido no processo de criação, fez a diferença nos oitavos e é peça indispensável para chegar melhor a zonas de remate. Quem tem, previsivelmente, Foden, Sancho e companhia no banco de suplentes está sempre em condições de ganhar na segunda parte (ou no prolongamento).
A Ucrânia já superou as melhores expectativas e a equipa parece ter atingido o limite futebolístico neste Euro. Shevchenko, depois do falhanço com a Áustria, promoveu uma mudança de sistema (5-3-2) para atenuar os problemas defensivos (monstruoso Ilya Zabarniy, com apenas 18 anos) e ganhar soluções na construção.
Frente a uma selecção mais poderosa, a antiga lenda do Dynamo Kiev e do AC Milan deve manter a estrutura e a abordagem, tentando valorizar os momentos de posse. Neste sentido, a dimensão associativa de Shaparenko como interior esquerdo (técnica e criatividade no passe) é um dos aspectos que os ingleses terão de controlar. Zinchenko, herói de Glasgow, vai procurar facilitar as saídas para o meio campo ofensivo, garantindo a segurança habitual.
Malinovskiy tem perdido algum estatuto ao longo da prova e não há garantias de que seja titular, mas a ameaça na meia distância e na bola parada são argumentos que aumentam as hipóteses ucranianas. Yaremchuk - fortíssimo em apoio - e Yarmolenko precisam da aproximação dos médios para não serem engolidos pela defesa contrária.
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