José Mourinho fez várias revelações no podcast 'Five', de Rio Ferdinand. O técnico, que deixou recentemente a Roma, falou da sua admiração pelos jogadores africanos, do tempo em Inglaterra e ainda do momento em que percebeu que Ronaldo se iria tornar numa 'máquina' de fazer golos.

Tempos no Manchester United: "Amei. Amei o tempo que lá passei. Estava muito orgulhoso de ter ido para lá, e fiquei ainda mais orgulhoso quando voltei a Old Trafford uns anos depois enquanto comentador e senti a reação dos adeptos. Pensei 'uau'. Senti sempre que fomos muito unidos, mas sentir essa reação tocou-me muito. Adorei estar lá. Para um treinador, ter estado no mesmo clube que Sir Alex Ferguson, é preciso sentir. O orgulho, a responsabilidade. Senti tudo isso. Um clube lendário, com jogadores lendários. Senti-me muito orgulhoso. Não foi fácil e acho que a comunicação social não me ajudou. Não me lembro de casos específicos. Acho que não o fizeram para magoar, mas as pessoas não compreendiam a dimensão do trabalho e as dificuldades que um treinador podia ter. Nos anos anteriores, tudo era muito claro. Os donos, Sir Alex Ferguson... Depois disso, as coisas mudaram, a estrutura deixou ser ser tão fluida. Não gosto quando as pessoas criticam a estrutura. Para um treinador, não é fácil não ter uma estrutura que tem os mesmos princípios, e isso teve consequências. Dei o meu melhor. Disse numa entrevista - e fui julgado por isso - que o 2.º lugar foi o meu maior feito. E até havia a oportunidade de termos vencido, não? Se o Manchester City fosse apanhado no fair play financeiro e tivesse perdido alguns pontos (risos)... Ainda ninguém fez melhor. Foi um grande trabalho".

De que é que orgulha mais enquanto treinador do United:  "Sinto sempre que o maior feito é quando levas um troféu para casa. Na primeira época, conquistar a Liga Europa e garantir a vaga na Liga dos Campeões foi muito bom. Se olharmos para a equipa que jogou aquela final comigo... Se compararmos às equipas dos anos anteriores... Estivemos bem. Depois, na 3.ª época, perdemos alguns jogos, o jogo contra o Liverpool, e aí o clube decidir mudar. E foi isso que fizeram. Amo o clube, amo os adeptos, e espero que tudo corra bem. Estou à espera que o Man. United volte a ser o 'vosso' Man. United".

Quando as coisas começaram a correr mal nos 'red devils'? "Sinto sempre que antes de comprar mobília, precisamos de limpar a casa. Estava preocupado em limpar a casa. E não a limpámos da maneira que eu queria. Eu queria limpá-la desde a 2.ª época, e não pudemos fazê-lo. Não vou dizer que pedia A, B, C ou D, mas sabia o que não queria no clube e o que queria. Não aconteceu, e às vezes no futebol precisamos de aceitar as coisas. Dei o meu melhor, mas sabia os problemas que tínhamos. Na 3.ª época esses problemas ficaram claros".

O que pode mudar Jim Ratcliffe no Man. United? "Não sou ninguém para dizer isso. Muita coisa já mudou desde que saí. Acredito que o Richard Arnold (CEO) tem de mudar algumas coisas, sempre achei que era alguém que percebia do assunto. Gostava muito dele, mesmo quando estava num cargo mais comercial".

Se tivesse treinado o Man. United logo após Sir Alex Ferguson, o clube tinha ganho uma Premier? "É algo fácil de dizer, mas é algo que não se sabe".

Mudanças que trouxe ao Chelsea que deu na chegada ao Chelsea: "O Chelsea estava quase no topo. Às vezes vais para clubes onde tens de construir tudo e precisas de tempo. Às vezes constróis e constróis e, no momento em que o clube está pronto, sais. O Chelsea tinha um bom trabalho feito anteriormente, uma visão muito boa do mercado. Claro que foi comigo que Cech fez o primeiro jogo, que Robben fez o primeiro jogo. Jogadores como Lampard ou Joe Cole, já lá estavam há uns anos. O que senti foi que precisavam de uma personalidade como a minha. Aquela estrutura não era complexa, era muito simples. Quando cheguei e disse: 'Didier Drogba'. Pensaram 'quem é?'. Eu sabia quem era o Drogba, sabia do impacto que podia ter. Sabia que Hasselbaink era um jogador fantástico mas que ia sair. Drogba era o homem certo. Precisava de alguém para jogar ao lado de John Terry, a decisão foi por Ricardo Carvalho. Esse tipo de decisões que tomas com pessoas que confiam em ti, numa estrutura onde não há dúvidas, resultam. Tínhamos o dinheiro, mas fizemo-lo bem. Acho que a minha personalidade, a confiança, a ambição... Acho que encaixei muito bem. Acho que não nos respeitaram o suficiente. A história era sempre que o Chelsea ia cair em dezembro. Depois diziam que caía na Páscoa. Toda a gente esperava a nossa queda, e de repente só precisávamos de quatro ou cinco pontos para sermos campeões".

Jogadores africanos: "Não posso ir para África, há adeptos loucos em todo o lado! Tive jogadores de todos os países em África. Sempre que vou para África, nem posso falar. Amam-me. As pessoas gostam mesmo muito de mim e, para ser sincero, também amo as pessoas e os jogadores. Os jogadores africanos são muito leais, são muito puros. Muitos deles chamam-me pai e alguns têm quase a minha idade. Adoro trabalhar com jogadores africanos, acho que retiro o melhor deles e que eles me veem-me como alguém que admira as qualidades que têm. Perder jogadores para a CAN? Não é problema. Problema era o que tinha na Roma, quando perdíamos jogadores com uma equipa limitada. Perdemos três jogadores para a CAN e outro para a Taça da Ásia. Num plantel pequeno, estás morto se perdes quatro jogadores. Os jogadores africanos são diferentes, muito especiais".

Cristiano Ronaldo no melhor momento: "Acho que não dá para o ensinar. É deixá-lo feliz e criar um ambiente, no que diz respeito à tática e as ideias, em que ele possa demonstrar o seu melhor. Acho que o Real Madrid para ele foi uma transição. No Manchester United era um extremo. No Real tornou-se mais no goleador que foi durante o resto da carreira. Talvez tenha sido num jogo entre Real Madrid e Barcelona que tenha feito o seu primeiro grande jogo enquanto ponta-de-lança. Marcou um golo inacreditável com um grande cabeceamento nos descontos. Foi aí que as pessoas sentiram que aquele 'animal' podia ser um goleador. Todos conhecem o Cristiano. Não lhe falta motivação. Ambição, responsabilidade, não lhe podemos dar. Não lhe podemos dar técnica. É só fazer alguns ajustes táticos e deixá-lo ir, deixá-lo feliz".

Sergio Ramos deixou de ser lateral e passou a ser central: "Foi fácil porque era algo que ele queria. É mais difícil quando tentas convencer um jogador a fazer algo que ele sente que não é o certo para ele. Não queremos magoar o jogador. Quando o faço, é porque sinto que é o melhor para a equipa. É convencer o jogador e dizer-lhe que é algo que a equipa precisa".

Maior feito tático na carreira é vencer o Barcelona com o Inter? "Não. Já tínhamos vencido antes e naquela altura foi melhor. Foi 3-1 e podia ter sido 4 ou 5".

Sneijder merecia Bola de Ouro? "Não gosto de dizer que o roubaram. Quem ganhou? Messi? Então não roubaram nada. O Sneijder devia estar pelo menos no top-3, mas quando o Cristiano e o Messi conquistaram Bolas de Ouro, nunca foi roubado".

Jogadores que mais gostou de treinar: "Os jogadores que mais gostei de treinar foram os jogadores que me deram tudo. E são dezenas e dezenas. Não são só os mais talentosos, foram os que senti que não podiam ter dado mais. Esses são os meus jogadores. Se quisermos detalhar mais... Não quero ser injusto com as pessoas, e claro que vou ser. Quando metes um miúdo a jogar, o miúdo torna-se o teu miúdo. Olho para Varane... É o meu miúdo. Quando olho para o McTominay... É o meu miúdo. Quando vou de clube para clube, encontro 'os meus miúdos', e vão ser sempre isso. Depois, claro que há as grandes estrelas. Os capitães, John Terry, Zanetti, Jorge Costa. Jogam com injeções, com as testas rachadas... As estrelas fazem a diferença, mesmo quando as pessoas acham que tu é que és um génio. O Cristiano, o Benzema, Ibrahimovic, esse tipo de jogadores. As pessoas acham que o treinador é um génio, mas os jogadores é que são".

Podia ter treinado a seleção inglesa? "Podia ser o selecionador deles. Tive a proposta em cima da mesa. [Disse que não] Porque sempre achei que não ia gostar de treinar uma seleção. Acho que foi quando estava no Chelsea. Agora também têm uma geração muito boa. Conseguem conquistar o Europeu. Acho que a mentalidade que alguns jogadores ganham quando vão para fora, como o Bellingham... Nunca falei com ele, mas acredito há algo que o separa dos rapazes que nasceram e evoluíram em Inglaterra. Acho que vai ser algo diferente, que consegue fazer algo diferente. Quando o miúdo marca um golo no Bernabéu e abre os braços [a festejar], mostra a dimensão dele. Mostra a personalidade dele. Não o está a fazer por ser arrogante, está a dizer 'estou aqui, voltei a fazê-lo'. Acho que a equipa técnica só está a falhar em uma ou outra coisa. Não estou a dizer que quero que a Inglaterra ganhe algo, porque quero que seja Portugal, mas acho que conseguem. Gerrard, Lampard ou Scholes? Não consigo escolher. Prefiro o Frank [Lampard] porque marcou muitos golos pela minha equipa, os outros marcaram contra mim. Mas eram jogadores fenomenais. Sempre disse que Terry, Ferdinand, Sol Campbell, Ledley King e Carragher... Não conseguia escolher. Scholes, Lampard e Gerrard? Deviam ter conquistado algo. Quando perderam nos penáltis contra Portugal...".