Xavi e Guardiola foram duas das figuras mais importantes de um Barcelona demolidor durante a estadia do técnico espanhol em Barcelona. Através de uma carta escrita ao jornal inglês ‘The Guardian’, o antigo médio dos catalães fez um perfil detalhado de Pep Guardiola e de como é trabalhar com o espanhol.
Entre informações pessoais da personalidade de Guardiola e da forma como aborda o jogo, Xavi aborda todos os traços inerentes ao novo treinador do Manchester City. Uma coisa é certa para o antigo internacional espanhol: há muito poucas pessoas que sintam pelo futebol o mesmo que Guardiola.
Sobre a ‘aventura’ de Guardiola em Inglaterra, Xavi realça que se há alguém capaz de melhorar o Manchester City, esse alguém é Pep Guardiola. Seja onde for, da maneira que for, o espanhol acredita o treinador vai encontrar a solução certa na altura certa.
Leia aqui a carta na íntegra:
"Quando ele foi nomeado treinador do Barcelona disse para mim mesmo: 'Madre Mia, vamos voar; isto vai ser um foguete'. Eu já o conhecia, sabia como ele era. Ele é duro: heavy-going, trabalha duro e de forma insistente e intensa. É um perfecionista, é obsessivo; eu sabia que ele iria continuar até acertar. Se Pep quisesse ser músico, ele seria um bom músico. Se ele quisesse ser um psicólogo, ele seria um bom psicólogo. O futebol é a sua paixão.
Guardiola é meticuloso e tem o seu foco em cada pequeno detalhe. Quando era jogador, ele controlava tudo, sabia exatamente o que queria fazer, tinha tudo pronto na sua mente. Ele adora futebol e um modo particular de tocá-lo. Realmente, o Pep odiava perder a bola, mesmo como jogador. Todos nós, que crescemos no Barcelona com os ideais que Johan Cruyff trouxe para o clube, temos uma noção muito clara de como jogar, um ideal. O Pep especialmente. Ele é um purista, um radical.
Não é suficiente ter apenas esses ideais. Tens de ser capaz de comunicá-los também. Pode haver outros treinadores que partilham crenças semelhantes, mas são mais fracos e não podem transmitir aos jogadores. Guardiola pode. Ele tem a liderança, a personalidade. Era disse que precisávamos quando ele assumiu o comando da equipa. Ele faz grandes exigências a si mesmo e isso é contagioso e ele consegue espalhar por todos. Ele tem uma visão e sabe como transmitir isso. A mensagem chega aos jogadores. Apenas por ele ser o Pep e as pessoas ouvirem falar dele em Barcelona. É um pouco como Zinedine Zidane no Real Madrid. Ele tem sido tudo no futebol, impõe respeito por causa de ser quem é. Essa relação só pode ter crescido. Se Pep não é o melhor treinador do mundo, ele é certamente um dos melhores.
Nunca trabalhei com Carlo Ancelotti, por exemplo, ou com José Mourinho, mas Guardiola e Luis Aragonés são os treinadores que tiveram o maior impacto sobre mim, sem dúvida. A sua abordagem é aplicável fora de Barcelona; Munique foi a prova disso. A equipa jogou muito bom futebol, da forma como ele queria. É verdade que não ganharam a Liga dos Campeões, porque os pequenos detalhes não seguiram o seu caminho, mas eles continuaram a ganhar e ele deixou a sua marca. Pergunto aos jogadores que trabalharam com ele lá e veja o que lhe vão dizer. Eu sei o que Javi Martínez e Thiago Alcántara dizem sobre ele. Todos eles dizem que ele é diferente de todos os outros.
Tu realmente aprendes algo com Pep. Ele explica as coisas muito bem: não apenas o que estás a fazer, mas por que estás a fazer. Ele é bom a sintetizar informações.Ele fica ausente no seu gabinete a assistir infinitas vezes vídeos para preparar jogos até que encontra a chave para tudo. Pode gastar duas ou três horas, ou mais, num vídeo, mas quando se tratava de mostrá-lo aos jogadores, ele não quer um vídeo que demore mais de 10 minutos. Não te desgasta com isso. Os vídeos incidem sobre os aspetos dos jogos, detalhes precisos. Nós não mudamos a nossa abordagem. O que ele faz é mais no sentido de analisar como podes atacar os adversários. Ele mostra ao grupo o espaço que podemos encontrar atrás do pivot defensivo, por exemplo, e explica como podemos abrir isso. É tudo sobre tempo e espaço. Ele olha para os detalhes com a ideia de melhorar as possibilidades da equipa conservar a posse e criar oportunidades.
Essas ideias eram levadas para o treino. Aí, tu fazes os movimentos que ele quer, mas ele não repete isso várias vezes, não te dá uma longa sessão de treino durante horas. As sessões são de uma hora e um quarto normalmente. Em certo sentido, é um exercício mental - pensar e entender o estamos a fazer. No fim, ele fala com o grupo todo e faz um resumo do que se está a preparar: tático e técnico, mas sobretudo uma componente emocional e psicológica também.
Quando estás muito certo das tuas ideias, quando sabes como transmiti-las, é mais fácil. Se alguém pode mudar o Manchester City é ele. No entanto, se me perguntassem isto há 10 anos, talvez teria dito: 'Caramba, é difícil'. Mas o futebol Inglês evoluiu, não é tão direto e ele não vai ter que mudar tudo. Manuel Pellegrini esteva lá, Ferran Soriano e Txiki Begiristain estão lá.
A ideia é semelhante à sua, o que vai tornar mais fácil. Eles tinham um estilo em que eles queriam levar o jogo para a frente, de ter a bola, para ser protagonistas do jogo. O Barcelona manteve uma identidade clara e há um elemento que tem o City: David Silva, Kevin De Bruyne, Sergio Agüero e Yaya Touré são todos jogadores que poderiam ter jogado no Barcelona e ele arranjaria forma de todos se encaixarem. O Guardiola encontra sempre o parafuso que aperta tudo.
Não terá problemas com jogadores que não se encaixam. Ele é muito direto, muito direto mesmo com as pessoas. Eles vão saber se não treinarem bem, não vão jogar. Não terá nenhum problema de deixar de fora uma estrela ou colocar em campo um jovem jogador. Ele fez isso com Pedro e Sergio Busquets, que só tinham jogado futebol na terceira divisão até então. E tornou as suas entradas na equipa algo regulares.
Guardiola amadureceu e tem a experiência do Bayern. Também evoluiu; ele aprende e está sempre a olhar para a frente, em busca de novas soluções. Houve mudanças táticas em Munique. Os laterais passaram a jogar mais dentro para abrir uma passagem para os alas, por exemplo. Não tinha feito isso antes em Barcelona. A inteligência é frequentemente expressa em termos de como te podes adaptar e Pep é muito inteligente. Ele consegue adaptar-se a qualquer futebol, em qualquer lugar, e ser bem sucedido em qualquer lugar. Tenho a certeza disso.
Estas são mudanças dentro de um ideal, não uma nova filosofia. Pep disse uma vez se pudesse jogar com 11 médios, o faria. Se ele pudesse ter 100% de posse de bola, teria. Então, ele pode mudar ... ele pode tornar-se ainda mais radical. Se acreditas em algo, tens que seguir o que acreditas. Para nós ele trouxe essas ideias, que nós interiorizamos tão profundamente. É como uma religião. Pep é um purista. Mas porquê uma mudança quando ele tem sido tão bem sucedido? Não acho que ele vai mudar a sua ideia. Acho que ele vai tentar aperfeiçoá-la".
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