Gegenpressing vs Tiki-taka. Ir rápido e depressa ou devagar e com paciência. Foi na Bundesliga que as carreiras de Jurgen Klopp e Pep Guardiola se cruzaram pela primeira vez, durante duas temporadas, com grandes jogos entre o Bayern Munique e o Borussia Dortmund. Duas equipas de autor, discutindo títulos e proporcionando batalhas épicas. Ao todo, foram 24 as vezes em que as equipas de Pep Guardiola mediram forças com as de Jurgen Klopp a nível oficial, com vantagem para o alemão.

Se na Bundesliga a diferença entre ambos era muito vincada, a ida para a Premier League aproximou-os um pouco.  Apesar das mudanças nas suas ideias ao longo dos anos, Guardiola e Klopp têm protagonizado um dos duelos mais intensos dos últimos anos. Os dois têm monopolizado a discussão de títulos em Inglaterra nos últimos cinco anos e neste 2022 parecem levar a discussão da Premier League até à ultima ronda, tal como fizeram em 2018/2019, quando o City se sagrou campeão com mais um ponto que o Liverpool.

Desde a época 2013/2014 que os duelos entre Guardiola e Klopp prendem a atenção dos amantes do futebol, pelo embate de ideias, de estilos, de personalidades. Klopp pode orgulhar-se de ser o único treinador com mais vitórias do que derrotas frente a Pep Guardiola (mínimo de cinco jogos).

Nenhum outro treinador enfrentou tantas vezes o alemão como Guardiola (24 jogos). Mas Klopp não o é o técnico que mais duelos travou com Pep: essa honra cabe a José Mourinho (25 jogos 11 vitórias de Pep, sete de Mourinho e sete empates).

Sorrisos e abraços: Eis Klopp e Guardiola nos bancos

 Construindo a história do futebol

A história do futebol não é feita apenas de resultados, nem de títulos coletivos e individuais. É escrita também por treinadores que fizeram escola, marcaram a sua era, deixaram um legado.

Jurgen Klopp e Pep Guardiola são dois nomes que se enquadram nesta restrita lista. O alemão e o espanhol são, atualmente, dois dos treinadores mais apaixonantes, pelo que conquistam e como conquistam, pelo que jogam e fazem jogar. O espanhol é mestre nas provas de regularidade (à beira de conquistar a quarta Premier League em seis épcas), o alemão parece mais talhado para jogos a eliminar (uma Champions vencida, outra perdida e uma final garantida esta época).

Neste 2021/2022, Klopp e Guardiola mediram forças em três ocasiões, com dois empates 2-2 na Premier League e um 3-2 a favor dos de Merseyside, nas meias-finais da Taça de Inglaterra. Esperava-se um quarto embate, que seria a final da Champions, mas os Cityzens foram derrotados pelo Real Madrid, pelo que são os merengues quem vai disputar a final da liga milionária com os 'reds'.

A história desta rivalidade começou em 2013/2014, quando o catalão foi treinar o Bayern Munique e o alemão tentava travar a hegemonia dos bávaros na Alemanha. Conseguiu dois campeonatos em sete épocas, uma final da Champions (perdida para o Bayern), três Supertaças e uma Taça, mas sempre a perder as suas principais estrelas para o rival da Baviera.

"Neste momento, Klopp e Guardiola já têm muitos mais pontos de contacto, muitos mais do que no início da carreira, quando Klopp despontou no Dortmund e o Barcelona de Guardiola era mais fundamentalista", detalha Tomás da Cunha

Depois mudaram-se para Inglaterra (Klopp chegou ao Liverpool em 2015, Guardiola ao Manchester City em 2016) para continuar o que começaram na Alemanha.

E, no futuro, não se vislumbra alguém capaz de ombrear com os dois na Premier League, "porque em termos de definição de clubes, é preciso muitos anos para se chegar ao patamar onde City e Liverpool se encontram", diz-nos Tomás da Cunha, comentador e analista de futebol.

E dá um exemplo: "O PSG é um clube com dinheiro para chegar lá, junta craques, mas não consegue criar uma equipa porque também não dá muito tempo aos treinadores. Veremos se o Bayern Munique, de Nagelsmann consegue ser esta equipa porque, se houver um clube a consegui-lo, será o Bayern. Mas para isso será preciso investir mais no mercado. Tem um plantel menos profundo e mais distante dos de City e Liverpool", sublinha.

Dois treinadores, dois estilos, um objetivo: dominar o adversário

No Barcelona, Guardiola encontrou várias estrelas, mas foi o seu trabalho que os potenciou para algo maior. Trouxe jovens da cantera e lançou-os na equipa para vencer tudo o que havia para vencer. No Bayern Munique teve liberdade para ir buscar os melhores craques da Alemanha que ainda não estavam no Allianz Arena, inclusive ao Dortmund de Klopp. No City, o catalão tem tido carta branca para contratar, e já gastou 1.084,39 milhões de euros em contratações, alguma delas falhadas, sempre na procura de uma equipa à sua imagem.

Já Klopp, depois de se 'fartar' de criar estrelas no Borussia Dortmund para vê-las acabar no rival Bayern Munique ou nos 'tubarões' da Europa, encontrou em Liverpool um 'porto' onde pode segurar as suas estrelas e ter mais meios para lutar por títulos.

Francisco Sousa, analista e comentador de futebol, dá-nos a sua visão sobre as ideias dos dois técnicos

"Guardiola foi-se reinventado nos últimos anos, buscando jogadores com caraterísticas ideais, como Bernardo, De Bruyne, Rodri, o jogar sem avançado fixo, o falso 9 (Messi no Barcelona). São equipas com muitos médios criativos e não é fácil contrariar o Tiki-taka porque não é fácil roubar a bola a quem tão bem a sabe trocar em todas as zonas do terreno e que por sua vez são muito fortes a reagir a perda, a pressionar e a obrigar os adversários ao erro. Já o Gegenpressing talvez tenha uma vantagem na pressão sem bola por ser algo mais físico, mais imediato, que não dá tanta margem de manobra. Ainda que a pressão alta do futebol do City seja muito forte, o Gegenpressing consegue ser avassalador. O Manchester City evoluiu um pouco a defender com a linha defensiva mais alta no campo, mas mesmo assim o Liverpool continua a ser superior neste sentido porque ter um jogador como o Virgil Van Dijk é uma vantagem e permite defender 40 metros acima da linha de baliza", explica o nosso analista.

Manchester City 2-2 Liverpool
Manchester City 2-2 Liverpool Mohamed Salah vê João Cancelo ficar com a bola créditos: Paul ELLIS / AFP)

Além da forma como coloca a equipa a jogar, Pep também transforma jogadores. Lahm passou de um lateral direito em fim de carreira para um excelente médio-centro em Munique. Kimmich, lateral e médio direito, foi transformado em médio centro no Bayern. Bernardo Silva e Kevin de Bruyne deixaram de ser extremos ou criativos nas alas para passarem a ser médios-centro de grande qualidade, com fantásticas melhoras a nível da ocupação dos espaços e dos duelos.

As diferenças também se notam nas transferências. É verdade que "Klopp e Guardiola conseguiram chegar a este patamar porque têm todas as armas do mercado e têm revelado, no geral, muito acerto - mais Klopp do que Guardiola", mas também não é menos verdade que a estabilidade e os resultados permitem-nos atrair os jogadores pretendidos.

"O alemão quando vai ao mercado é sempre para acrescentar algo de positivo ao plantel. E Guardiola tem falhado algumas vezes no mercado e isso tem prejudicado o City, sobretudo na Liga dos Campeões", diz-nos Tomás da Cunha.

O Liverpool tem feito poucas contratações, mas as que já fez com o alemão ao leme acertou quase sempre. O último foi Luis Díaz, recrutado ao FC Porto em janeiro para causar grande impacto em Inglaterra. Virgil van Dijk (84,5 ME), Alisson (62,5 ME), Naby Keita (60 ME), Fabinho (45 ME), Diogo Jota (44,7 ME), Mohamed Salah (42 ME), Sadio Mané (41,2 ME) Andrew Robertson (9 ME), são hoje nomes incontestáveis nos Reds.

A paixão pelo jogo é mais uma semelhança entre ambos.

"São ambos muito apaixonados e dedicados, vivem o jogo com uma paixão tremenda, não têm vergonha de falar com os árbitros de forma mais vincada, mas nunca ultrapassam limites a nível da agressividade. Guardiola, sendo carismático, não tem o mesmo nível de envolvimento com os adeptos que o Klopp tem: no final de cada jogo, o alemão vai bater no peito, vai fazer uma espécie de dança até aos adeptos. Guardiola é capaz de agradecer aos adeptos, tanto em jogos em casa como fora, mas muitas vezes sai imediatamente para o túnel, não há essa ligação tão forte; Klopp é uma espécie de Cheerleader do Liverpool. É uma diferença que tem a ver com a personalidade”, sublinha  o analista e comentador Francisco Sousa, que colabora com o SAPO Desporto.

Os pontos em comum foram dissecados pelo analista e comentador Tomás da Cunha, habituado a narrar os jogos de ambos na Liga dos Campeões, na Eleven Sports.

"Há muita diferença entre ambos no estilo, mas muito os tem aproximado nos últimos anos, porque o Liverpool de Klopp já não é aquela equipa puramente frenética, de vertigem constante, de ritmo alto. Vai sendo cada vez mais uma equipa de pensar o jogo, com muitos recursos de construção desde trás, com o acrescento de Thiago Alcântara, um médio mais de toque, de controlo, que gere o ritmo da equipa, que procura o passe criativo. É um Liverpool que se aproxima mais das equipas de Guardiola pela forma como pensa o jogo porque com o nível de exigência e perfeição que o City e Liverpool têm, precisam de ser equipas muito fortes nos quatro momentos. Neste momento, Klopp e Guardiola já têm muitos mais pontos de contacto, muitos mais do que no início da carreira, quando Klopp despontou no Dortmund e o Barcelona de Guardiola era mais fundamentalista, não se desviava daquela ideia muito concreta trabalhada em La Masia e que Pep tinha herdado de Johan Cruijff", explicou ao SAPO Desporto.

As raízes do Gegenpressing e do Tiki-taka

Pep: visão periférica a 'beber' as ideias do Cruyffismo

Tanto Pep Guardiola como Jurgen Klopp tiveram carreiras como jogador. O catalão começou com 14 anos no Barcelona, o seu clube do coração, estreou-se na formação principal em 1990/91 diante do Cádiz aos 20 anos, lançado pelo técnico Johan Cruyff, o mentor das suas ideias. Durante 11 anos, foi o farol da equipa principal, organizando todo o jogo a meio-campo, onde tinha visão privilegiada sobre o relvado.

Alucinado pelos pormenores que o jogo oferece, Guardiola bebeu as suas ideias em Johan Cruyff, que acabaram por guiá-lo ao sucesso. O revolucionário 'mágico' neerlandês defendia a primazia da inteligência sobre o físico, o jogar coletivo, a ocupação de espaços e a pressão constante para ganhar rapidamente a bola e não deixar o adversário jogar; o guarda-redes como primeiro atacante e o avançado como primeiro defensor, a posse de bola como meio para atingir vários objetivos (atacar, dominar e frustrar o adversário).

"São ambos muito apaixonados e dedicados, vivem o jogo com uma paixão tremenda. Guardiola, sendo carismático, não tem o mesmo nível de envolvimento com os adeptos que o Klopp tem. Klopp é uma espécie de Cheerleader do Liverpool", explica Francisco Sousa.

Como treinador, começou na equipa B do Barcelona em 2007/2008, de onde saltou para comandar a equipa principal na época seguinte. Promoveu vários jogadores da 'cantera' e criou uma das equipas mais entusiasmantes da história do futebol, guiada pelo talento de Lionel Messi. No ano seguinte à sua chegada, Guardiola venceu todos os títulos que disputou em 2009: Campeonato Espanhol, Taça do Rei, Supertaça Espanhola, Champions League, Supertaça Europeia e Mundial de Clubes. Nas três épocas no Barcelona, venceu 14 dos 19 títulos que disputou.

Depois de um ano sabático, ingressou no Bayern Munique com a missão de potenciar uma equipa que tinha acabado de vencer todos os títulos disputados na época anterior. Foi campeão nas três temporadas em Munique, mas não conseguiu conquistar a Liga dos Campeões. Está desde 2015/16 no Manchester City, a ganhar Ligas Inglesas, a apaixonar o mundo do futebol, mas com uma 'pedra no sapato': a Champions que teima em fugir.

Guardiola ficará conhecido pela forma como revolucionou as posições dos jogadores em campo, onde há muita liberdade, mas também disciplina. Em posse, os laterais juntam-se aos médios no centro, os extremos jogam abertos nas alas, o avançado é um falso 9 com muita mobilidade. O objetivo é circular a bola com critério, fazer o adversário deslocar-se e sair da sua posição, antes de atacar os espaços criados. O seu futebol de posse, de pressão constante, de blocos juntos, defesas altas, falso 9 na frente, foi apelidado de 'Tiki-taka', embora Pep odeie esse nome.

Wolfgang Frank era um louco, mas não para Klopp

Jurgen Klopp começou a sua carreira como avançado, mas foi recuando até estabelecer-se como defesa central. Depois de passagens por emblemas modestos como TuS Ergenzingen (1983/84) Eintracht Frankfurt B, Viktoria Sindlingen, Rot-Weiss Frankfurt, ingressou no Mainz em 1990/91 onde esteve 11 anos.

Retirou-se no final de 2000/01 e, na época seguinte, começava a sua carreira de treinador no seu Mainz. Klopp comandaria o emblema da Renânia-Palatinado durante sete temporadas (levou-o da segunda para a primeira divisão da Alemanha), o mesmo número de épocas que esteve deopis no Borussia Dortmund. É um técnico talhado para logos períodos nos clubes, como mostram também os sete anos que leva à frente do Liverpool.

Jurgen Klopp em 2010, no Borussia Dortmund
Jurgen Klopp em 2010, no Borussia Dortmund Jurgen Klopp em 2010, no Borussia Dortmund créditos: PATRIK STOLLARZ / AFP

A sua carreira foi muito influenciada por Wolfgang Frank, um dos treinadores que o comandou no Karnevalsverein (Clube de Carnaval). O antigo avançado (jogou no Dortmund, Estugarda e Nuremberga) mudou a sua forma de ver o futebol quando jogou no AZ Alkmaar, onde encontrou as ideias do 'futebol total' de Rinus Michels, uma das suas maiores influências, depois do AC Milan, de Arrigo Sachi. Como treinador, Frank chegou a um Mainz condenado à descida na Segunda Liga, em 1995/96.

Inovou e convenceu os jogadores e a direção do clube de que os métodos que iria aplicar trariam sucesso. Deixou de jogar com o tradicional líbero como faziam todas as equipas da Bundesliga, começou a fazer treinos sem bola (nada usuais, na altura), implementou um sistema de defesa à zona, deu primazia aos treinos de posicionamento e introduziu as análises em vídeo, (uma novidade na altura). Tudo isto na Segunda Divisão da Alemanha. Um homem muito à frente do seu tempo.

De repente o Mainz começou a ganhar a toda a gente, até terminar no 11.º posto, quando estava mais que destinado a descer de divisão.

"Foi uma epifania: percebi que o nosso sistema de jogo fazia-nos vencer equipas com melhores jogadores e isso fazia com os nossos resultados não dependessem tanto do nosso talento", disse, mais tarde, Kloop, ao recordar essa época.

A obsessão de Frank pelos métodos de Arrigo Sachi passou também para Klopp, capitão de equipa e o homem escolhido para pegar no Mainz, um ano após pendurar as chuteiras, em 2001. E o 'calcio totale' de Sacchi está nas equipas de Klopp: pressão intensa em todo o campo de todos os jogadores, velocidade de execução, linha defensiva muito alta.

Guardiola vs Klopp: uma relação de cordialidade e respeito mútuo

Em Klopp, Pep Guardiola encontrou um rival com quem possa falar sobre o jogo com respeito, trocar abraços e sorrisos nos bancos, durante o decorrer das partidas. A admiração é mútua.

"Como pessoa não o conheço muito bem. Jantámos juntos uma vez. Admiro-o! Admiro o trabalho que fez no Liverpool e Dortmund", disse Guardiola em julho de 2020, antes do duelo entre os dois emblemas, logo após o Liverpool ter-se sagrado campeão inglês pela primeira vez em 30 anos.

Os elogios voltaram em abril, antes e depois do empate 2-2 entre Manchester City e Liverpool no Ethiad, para a Premier League. Na antevisão da partida, Guardiola falou de Klopp como sendo o maior rival da carreira.

"Não sei se Klopp me respeita, mas eu respeito-o muito. Fez-me um técnico melhor. Foi assim na Alemanha e aqui também", conta Guardiola

"Não somos amigos, não nos vemos, não jantamos juntos, mas um dia vamos estar juntos no hall of fame'", disse o espanhol à 'Sky Sports'.

Jurgen Klopp cumprimenta Pep Guardiola
Jurgen Klopp cumprimenta Pep Guardiola Jurgen Klopp cumprimenta Pep Guardiola créditos: AFP or Licensors

"Nos últimos cinco anos, o Liverpool tem sido um adversário incrível. […] Quando eu pensar na minha passagem por aqui, quando estiver a jogar golfe, vou lembrar-me do Liverpool como tendo sido o meu maior rival. Sem dúvida, não seríamos tão bons se não fossem eles. Depois de fazer 100 pontos, 98 pontos, precisas de alguém para motivar-te", acrescentou Guardiola.

De seguida, o alemão também devolveu os elogios.

"No desporto, acho que o que mais ajuda é ter um adversário forte, especialmente durante muitos anos. Não tenho a certeza, mas acho que o Nadal e o Federer aproveitaram a rivalidade entre ambos para melhorar […] Não sei se ajuda [ter o Manchester City como rival], mas não impediu o nosso crescimento […], comentou o alemão, antes de sair em defesa de Guardiola após a eliminação nas meias-finais da Liga dos Campeões diante do Real Madrid

"Pep é o melhor técnico do mundo, acho que todos concordamos com isso. Pode ser uma coincidência que ele ainda não tenha vencido a Champions [com o City]. Mas o que ele ganhou, o futebol que as suas equipas jogam…. nem sei como é que é possível alguém duvidar das suas capacidades", comentou Klopp.

Já em novembro de 2019, antes do duelo entre os dois, também tinha havido troca de elogios

"Sou uma pessoa emocional. O Guardiola também é animado, mas não tanto. Ele está sempre perfeito, corpo, roupas, tudo é perfeito, e continua mesmo quando grita. Quando eu grito, pareço um assassino, cerro os dentes. Olho para alguns bebés da mesma maneira e muitas vezes eles começam a chorar", disse Klopp.

Para Tomás da Cunha, analista e comentador de futebol, "nem Klopp nem Guardiola se sentem inferiores um a outro"

"Não deixam de enviar uma outra farpa um ao outro de vez em quando, mas não têm aquela postura muito incendiária …Nem Klopp nem Guardiola se sentem inferiores um a outro e isso acaba por transformar esta rivalidade, esta discussão, numa coisa algo saudável que se joga dentro do campo e que tem proporcionado a maior rivalidade nos últimos anos e que vai continuar nos próximos tempos", conta o analista ao SAPO Desporto.

“São dois treinadores que vão continuar a influenciar outros, a lutar por troféus e a juntar títulos à sua vastíssima coleção"

A época poderá terminar com Klopp a vencer o inédito e tão desejado ‘quadruple’ (campeonato, Taça, Taça da Liga e Champions) ou com Guardiola a vencer a sua quarta Premier League em seis épocas. No futuro imediato falar-se-á de títulos, lá mais para a frente estudar-se-ão os estilos. Mas o futuro ainda não é amanhã.

"É ainda difícil de imaginar que legado irão deixar porque não estamos a falar de treinadores que estejam numa fase muito adiantada da carreira, pelo contrário. Se nesta fase são tão marcantes a nível estilístico, de discussão de competições, de títulos, imagina o que poderá acontecer daqui a 10, 20 anos. Claramente serão dois treinadores que vão continuar a influenciar outros, a lutar por troféus e a juntar títulos à sua vastíssima coleção", conta-nos Tomás da Cunha.

"Pep é o melhor técnico do mundo, acho que todos concordamos com isso", afirmou Klopp

"Na história do futebol temos poucos exemplos de treinadores que perduraram no topo durante 10, 15 anos. E tanto Klopp como Guardiola, nas condições atuais e com o domínio de superclubes, podem facilmente ficar 20, 25 anos ou mais no topo do futebol, a lutar por todos os títulos. Quem sabe se construindo clubes capazes de também lutar por títulos. O City é exemplo disso, há um Liverpool antes e depois de Klopp, que acabou com o jejum de títulos na Premier League e levou o clube a vencer a Liga dos Campeões, e pode conseguir a melhor época da história dos Reds. É um legado difícil de imaginar, mas certamente grandioso e intocável", termina.

Faltando apenas duas rondas para o final da Premier League, o City lidera com 89 pontos, mais três que o Liverpool e com vantagem também na diferença de golos (primeiro critério de desempate): +72 vs +65. Os Reds podem terminar o campeonato com 92 pontos e nem assim serem campeões. Impensável na Premier League, antes de Klopp e Guardiola.

Além de ainda estar na corrida pela Premier League, o Liverpool irá disputar a final da Taça de Inglaterra diante do Chelsea e a final da Liga dos Campeões frente ao Real Madrid. Esta época a equipa já venceu a Taça da Liga, ao derrotar o Chelsea nas grandes penalidades.

Para Tomás da Cunha, "o trabalho de Guardiola ficará sempre incompleto se o City não conseguir vencer a Liga dos Campeões".

E o que tem a dizer os jogadores que foram treinados por Klopp e Guardiola?

Ilkay Gündogan
O médio alemão foi treinado por Jurgen Kloop entre 2011 e 2016 no Borussia Dortmund, onde brilhou a grande altura. Em 2016 mudou-se para o Manchester City onde está até hoje.

"Sinto-me um privilegiado por ter trabalhado com Klopp, mas também por estar com Pep agora. Foi um momento tão incrível com Klopp no Dortmund e um período de sucesso também, aprendi muito com ele. [...] Klopp era intenso e emocional, assim como é agora no Liverpool. Para mim é quase como uma figura materna. É um motivador nato, prepara a equipe para a batalha. [Guardiola] dá uma atenção incrível aos detalhes técnicos do jogo. Quer ter sempre um plano, e isso é algo que os jogadores inteligentes, flexíveis e versáteis gostam".

Mário Gotze
Formado no Borussia Dortmund, o médio foi comandado nos 'amarelos entre 2009 e 2013 por Jurgen Klopp. Mudou-se para o rival Bayern Munique em 2013, com Pep Guardiola, tendo estado três épocas no gigante de Munique antes de regressar ao Dortmund.

"Klopp provavelmente causou o maior impacto na minha carreira. Ele pode ser muito exigente: é teu amigo, mas também é muito duro contigo ao mesmo tempo. [...] Ele e Pep Guardiola são os treinadores e personagens mais importantes que tive na minha carreira."

LC: Borussia Dortmund - Real Madrid
LC: Borussia Dortmund - Real Madrid créditos: Foto@AFP

Robert Lewandowski
O avançado polaco ao Dortmund em 2010 e esteve aí até 2014, período em que Klopp foi seu treinador. Em 2015 mudou-se para o Bayern Munique, onde foi treinado por Pep Guardiola também em duas temporadas.

"Entre os treinadores, acho que Jurgen Klopp [é o meu favorito] e depois, Pep Guardiola. Klopp às vezes é como um pai, mas depois é como um treinador, um líder. Pode contar-te tudo - e não estou a falar apenas de coisas boas, estou a falar das coisas más."

Xherdan Shaqiri
O extremo suíço chegou ao Bayern Munique em 2012/13, mas teve poucas oportunidades com Pep Guardiola. Três anos depois, mudou-se para o Inter e depois para Stoke City, de onde saiu para o Liverpool em 2018/19, contratado por Klopp. Shaqiri venceu a Premier League e a Champions League no Liverpool, onde esteve entre 2018 e 2021.

"Guardiola não fala muito [sobre as razões de deixar os jogadores de fora] e não explica porquê o jogador não é convocado ou não joga. Claro que às vezes isso é difícil para um jogador, especialmente quando sentes que trabalhas e treinas bem [...] entendo-me muito bem com Klopp, gosto de pessoas que são tão abertas. Klopp impressiona-me tanto que vou dizer: 'quero ganhar o título para este homem'."

Thiago Alcântara
O médio hispano-brasileiro foi treinado por Guardiola no Barcelona e no Bayern, entre 2009 e 2012, e depois entre 2013 e 2016. Em 2020 mudou-se para o Liverpool onde tem como treinador Jurgen Klopp.

"Ambos têm o mesmo caráter carismático e têm um grupo nas mãos. Eles sabem o que fazer para que os jogadores tenham um melhor desempenho e para ajudá-los em situações difíceis. As semelhanças estão lá e as diferenças são vistas na forma como as suas equipes jogam. Um com mais posse de bola e outra mais intensidade, com controle".

Cinco duelos históricos entre Guardiola e Klopp

Das 24 vezes que Jurgen Kloop enfrentou Pep Guardiola, o senhor do 'Gegenpressing' venceu nove, o dono do 'Tiki-taka' ganhou oito, e houve sete empates. Desses jogos, escolhemos cinco que podem ser considerados históricos, quer pelo resultado em si, quer pelo simbolismo ou pelos troféus que proporcionaram um ao outro.

Klopp 'baptiza' Guardiola com derrota
O 'baptismo' de Guardiola na Bundesliga aconteceu precisamente diante de Jurgen Klopp e logo a valer um título. O campeão e vencedor da Taça Bayern defrontou o Dortmund, segundo colocado na época anterior, e perdeu por 4-2 no Signal Iduna Park, a 27 de julho de 2013. O Bayern, que vinha de vencer tudo o que havia para ganhar no ano anterior, entrava com o pé esquerdo.

Manita no Ethiad...
Só ao terceiro encontro entre os dois é que Guardiola conseguiu levar a melhor sobre Klopp em solo britânico. Mas fê-lo com estrondo, goleando o Liverpool por 5-0 no Ethiad, em jogo da 4.ª ronda da Premier League 2017/2018. Mané foi expulso nos 'reds' aos 37 minutos, após falta sobre Ederson que atirou o brasileiro direto para o hospital para exames médicos.

... e troco em Anfield em jogo louco
Habituados a proporcionar grandes espetáculos aos amantes do futebol, Klopp e Guardiola prepararam as suas equipas para um dos jogos do ano em Inglaterra, com o alemão a vingar-se da goleada da primeira volta e a ver a sua equipa fazer três golos em apenas oito minutos: 4-3 a 14 de abril de 2018, sete golos e incerteza no resultado até ao apito final. O City averbaria aqui a primeira das suas únicas duas derrotas na prova, numa época em que Guardiola bateu tudo o que era recorde na Premier League e terminou campeão com uns impressionantes 100 pontos, 107 golos marcados e 27 sofridos. Domínio avassalador! O Liverpool ficou no 4.º posto, a 24 pontos.

Premier League até ao último segundo
No ano seguinte houve uma luta impressionante entre os dois técnicos pelo título na Premier League. Uma disputa cerrada, palmo a palmo, que há muito não se via. Após um 0-0 em Anfield na primeira volta, o Manchester City venceu o Liverpool por 2-1 na 21.ª jornada (golos de Agüero e Sané) e passou de um para quatro a vantagem sobre o rival. O jogo ficou marcado por um corte fantástico de John Stones em da linha de golo, com a tecnologia da linha de baliza a mostrar que a bola não entrou por 1,12 centímetros. A luta seria tão renhida que o City se sagraria campeão com 98 pontos, apenas mais um que o Liverpool. O Liverpool só perdeu esse jogo ao longo das 38 rondas da prova.

Primeiro jogo a valer troféu em Inglaterra cai para o 'Tiki-taka'
Só em 2018/2019, Pep Guardiola enfrentou Jurgen Klopp numa final, desde que os dois estão em Inglaterra. Numa luta titânica pelo primeiro troféu da época, o Liverpool levou a melhor nas grandes penalidades (5-4) e ficou com a Community Shield de 2019, ou seja, a Supertaça de Inglaterra. O Liverpool, que tinha acabado de vencer a Liga dos Campeões, viu Cláudio Bravo brilhar no tempo regulamentar e ainda defendeu o único penálti falhado pelos Reds.

Números da carreira de Klopp e Guardiola

24 jogos: oito vitórias de Guardiola, nove vitórias de Klopp, sete empates.

Pep Guardiola:

Idade: 51 anos
Anos como treinador: 14
Clubes que treinou: Barcelona (de 2008 a 2012), Bayern Munique (de 2012 a 2016) e Manchester City (de 2016 à atualidade)
Títulos: 32
Prémios: Melhor Treinador da Premier League (3), Melhor do Ano para a FIFA (1)
Jogos: 757
Vitórias: 554
Empates: 112
Derrotas: 91
Golos Marcados: 1889
Golos Sofridos: 578

Jurgen Klopp:

Idade: 54 anos
Anos como treinador: 21
Clubes que treinou: Mainz (de 2001 a 2008), Borussia Dortmund (de 2008 a 2014) e Liverpool (de 2014 à atualidade)
Títulos: 11
Prémios: Melhor Treinador da Premier League (1), Melhor do Ano para a FIFA (2)
Jogos: 943
Vitórias: 511
Empates: 224
Derrotas: 208
Golos Marcados: 1797
Golos Sofridos: 1011

Todos os 24 duelos entre Pep Guardiola e Jurgen Klopp

Alemanha

2013 Borussia Dortmund-Bayern Munqiue, 4-2 (Supertaça)
2013 Borussia Dortmund-Bayern Munique, 0-3 (Campeonato)
2014 Bayern Munique-Borussia Dortmund, 0-3 (Campeonato)
2014 Borussia Dortmund-Bayern Munique, 0-2 a.p. (Taça)
2014 Borussia Dortmund-Bayern Munique, 2-0 (Taça)
2014 Bayern Munique-Borussia Dortmund, 2-1 (Campeonato)
2015 Borussia Dortmund-Bayern Munique, 0-1 (Campeonato)
2015 Bayern Munique-Borussia Dortmund, 1-1, 0-2 g.p. (Taça)

Inglaterra

2016 Liverpool-Manchester City, 1-0 (Campeonato)
2017 Manchester City-Liverpool, 1-1 (Campeonato)
2017 Manchester City-Liverpool, 5-0 (Campeonato)
2018 Liverpool-Manchester City, 4-3 (Campeonato)
2018 Liverpool-Manchester City, 3-0 (Champions)
2018 Manchester City-Liverpool, 1-2 (Champions)
2018 Liverpool-Manchester City, 0-0 (Campeonato)
2019 Manchester City-Liverpool, 2-1 (Campeonato)
2019 Liverpool-Manchester City, 1-1, 4-5 g.p. (Supertaça)
2019 Liverpool-Manchester City, 3-1 (Campeonato)
2020 Manchester City-Liverpool, 4-0 (Campeonato)
2020 Manchester City-Liverpool, 1-1 (Campeonato)
2021 Liverpool-Manchester City, 1-4 (Campeonato)
2021 Liverpool-Manchester City, 2-2 (Campeonato)
2022 Manchester City-Liverpool, 2-2 (Campeonato)
2022 Manchester City-Liverpool, 2-3 (Taça)