Há trinta anos, com o microfone a saltar de mão em mão, Marco Paulo cantava com orgulho o facto de ter dois amores. Um loiro, outro moreno. A história de amor fazia todo o sentido, mas depois apareceu Trincão. E a icónica música nunca mais foi a mesma.
Com a sua permissão, que certamente me concederá, acrescento-lhe por isso um novo amor. Ficaria assim: 'Eu tenho três amores, que em nada são iguais': Gyokeres, Pedro Gonçalves e Trincão.
O primeiro, loiro e de olhos azuis, fez o sétimo golo em cinco jogos e tem agora mais golos do que qualquer equipa da I Liga (!). O segundo, moreno, fez o quarto golo no campeonato, aos quais já soma três assistências (Martínez, estás por aí?). O terceiro, também moreno, marcou em Arouca pela terceira vez e estreou-se a assistir nesta edição da I Liga. As exibições dos três na casa dos lobos são um regalo para qualquer apaixonado por futebol. Atrevo-me a dizer que, por esta altura, até o mais fanático adepto de qualquer rival sportinguista reconhece com frieza e abençoado por uma sempre necessária dose de sensatez que este Sporting não é uma equipa qualquer. E se não é, muito deve aos três da frente, sobre os quais parece sobrevoar uma aura de brilhantismo que empurra os verde e brancos para a glória, deixando-os mais perto de ganhar qualquer jogo. O clube de Alvalade soma 19 golos marcados en cinco jornadas. 15 deles nasceram do tridente atacante.
Mas Trincão, caros amigos, é mesmo um mágico de cartola à nossa escala, evidentemente. Arrojado, é capaz de tirar de lá de dentro um elefante quando todos aguardamos uma pomba. Sobretudo esta época, do jogador natural de Viana do Castelo espera-se sempre o melhor, mesmo que a sua versão mais aprimorada tenha demorado a revelar-se em Alvalade. Mas neste jogo da quinta jornada, inaugural da ronda, ficou por demais evidente a sintomia da tão bem orquestrada tripla, indiferente às muitas alterações promovidas por Amorim - Bragança, Diomande, Debast, Matheus Reis ou Nuno Santos.
No filme dos três golos foi Trincão a descobrir Pedro Gonçalves no primeiro golo, foi Pedro Gonçalves a conquistar a grande penalidade que Gyokeres cobraria sem mácula no segundo, foi Trincão que descantou uma fuga para um caminho sinuoso que só ele poderia desbravar. Três golos, três protagonistas, três amores.
E destes três amores torna-se impossível escolher o favorito, porque todos eles dependem uns dos outros. Como te entendo, Marco Paulo.
Gyokeres está perto de se enquadrar na categoria do sobre-humano. Mas num jogo menos conseguido em Arouca - só marcou um golo, pasme-se,, que vergonha (!) - apareceram com todo o seu esplendor Pedro Gonçalves e Trincão. E nada acontece por acaso. Gonzalo Garcia, técnico dos lobos, disse que não fazia marcações homem a homem, mas Loum teria posto o sueco no bolso se tivesse bolsos para isso. Como não tinha, contentou-se em jogar a apanhada, embora fosse sempre ele a apanhar, o que deve ser uma chatice. E de tão chato, o ex-FC Porto lá foi apagando o fogo propagado por Gyokeres, que arde tudo por onde passa. Mais a sério, foi de louvar o esforço de Loum para minimizar o possante avançado sueco e, diga-se, conseguiu-o quase sempre. O que, como sabemos, não é nada fácil.
Este Sporting é, de facto, um fortíssimo candidato à renovação do título. Ao famoso bicampeonato que lhe escapa há 70 anos. O campeonato é uma criança imberbe, sim, é verdade, mas este leão dá ares de ser muito adulto, daqueles que já recebem cartas em casa com contas para pagar.
Do outro lado, o Arouca apresenta-se em absoluta reconstrução depois do tempestuoso tornado que arrancou duas pérolas preciosas do covil. Se somarmos as lesões de Nino Galovic, Matheus Quaresma e Eboué Kouassi, indisponíveis neste jogo, Gonzalo Garcia vê à sua frente uma tempestade a aproximar-se sem que possa evitar as consequências nefastas da sua chegada. Em Arouca, o céu está encoberto e há sérios riscos de assim ficar mais uns tempos, sem previsões imediatas de abertas. E o próximo jogo até é no Algarve, frente ao tão ou mais aflito Farense. Ao quinto jogo, os lobos somam apenas três pontos. Não está fácil.
Quanto aos leões, venham de lá os franceses do Lille. O pontapé de saída da reformulada Liga dos Campeões está marcado para a próxima terça-feira. Espera-se uma noite de aprumo do Sporting,, trajado à condição. Mas este leão não brinca em serviço e, em Arouca, para não ser apanhado desprevenido. vestiu o fato de gala mais cedo. E assenta-lhe mesmo muito bem.
O melhor: Obviamente, Trincão
A omnipresença do avançado de 24 anos é um autêntica dor de cabeça para os adversários. Em Arouca, uma exibição monstruosa, e tão elegantemente discreta ao mesmo tempo, ajudou muito o Sporting a assegurar os três pontos. Trincão é uma espécie de locomotiva elétrica. Silenciosa, rápida e com uma bateria que nunca acaba. Assim como este Sporting.
O pior: Uladzislau Marozau
Saiu ao intervalo, ele e Ivo Rodrigues, e percebeu-se porquê. Tal com o avançado ex-FC Porto, o ponta de lança de 23 anos passou ao lado da partida e nunca conseguiu contrariar a agressividade da defesa leonina. Não se pode acusar bielorrusso de falta de esforço, mas convenhamos, de boas intenções está o mundo cheio.
Os momentos: Jason e Trincão
Um por ter feito um autêntico golaço, Trincão, o outro, Jason, porque teve nos pés a primeira grande oportunidade de golo aos 20 segundos.
Quanto a Trincão, autor do terceiro do Sporting, esburacou um caminho que só ele imaginou. E em boa hora o fez. O golo é para ser visto e revisto. Messi, és tu?
Já Jason, extremo espanhol do Arouca, falhou e desperdiçou a valiosa oportunidade. E a este nível o comboio só passa uma vez. Com este Sporting às vezes nem isso. Como seria o jogo se o Arouca marcasse logo ali? Fica a pergunta, porque a resposta ninguém a tem.
O que disseram os treinadores
Rúben Amorim: "O Arouca teve bons movimentos interiores, mas, neste momento, temos defesas que aguentam bem e conseguimos ir buscar os jogadores mais à frente. Entrámos mal no primeiro minuto da primeira parte e no primeiro minuto da segunda, isso pode mudar muita coisa. Tínhamos tudo controlado e podíamos ter complicado o jogo. Mas, voltámos a fazer um jogo competente e sério até ao fim. Olhando para o jogo inteiro, podemos ser melhores e marcar mais golos, mas os jogadores estão de parabéns, fizeram um bom jogo"
Gonzalo Garcia: "Faltou-nos ter mais a bola, um pouco de personalidade para conseguirmos mais passes, sobretudo na primeira parte. E bom, estava 1-0, no minuto 70 e há um penálti em que não vejo a mão. Mas pronto. Obviamente, eles jogam muito bem e nós fizemos o que tínhamos de fazer"
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