Enquanto os golos encheram capas e abriram noticiários, houve quem, com menos barulho e igual importância, sustentasse o caminho para a glória. Da baliza ao meio-campo, passando pela criatividade e pela segurança defensiva, Rui Silva, Hjulmand, Trincão e Gonçalo Inácio foram pilares silenciosos de um Sporting campeão.

Rui Silva: a serenidade que chegou em janeiro

A contratação de Rui Silva em janeiro foi recebida com alguma reserva. Aos 31 anos, o guarda-redes internacional português regressava a Portugal depois de oito épocas em Espanha (Granada e Bétis) e encontrava um cenário delicado em Alvalade. O Sporting acabara de empatar a quatro golos em Guimarães e Kovacevic somava exibições irregulares. Entrava então Rui Silva, para estrear-se à 18.ª jornada frente ao Rio Ave e nunca mais sair.

Desde essa estreia, sofreu apenas 13 golos em 15 jogos, números quase idênticos aos registados pelo clube antes da sua chegada, mas com uma diferença significativa: o controlo e segurança que transmitiu entre os postes, numa fase crítica da época. O momento mais difícil surgiu contra o Arouca, num empate a duas bolas onde fez um autogolo. Mas foi também nesse jogo que se redimiu com uma defesa monumental aos 90+4’, segurando um ponto valioso.

Além das qualidades técnicas — agilidade, leitura de jogo, reflexos —, Rui Silva impôs-se como voz respeitada no balneário. Em poucos meses conquistou a confiança do grupo e do treinador, ao ponto de ser apontado como um dos futuros capitães da equipa. Uma aposta certeira, que chegou, viu e... jogou. E muito.

Morten Hjulmand: o capitão fantástico

Se o Sporting tem um novo capitão, é porque Morten Hjulmand o conquistou com naturalidade. A saída prematura de Sebastián Coates no início da época deixou um vazio que muitos temiam ser impossível de preencher. Mas Rúben Amorim viu no dinamarquês, que só levava uma temporada de leão ao peito, o líder ideal.

Contratado ao Lecce por 19,5 milhões de euros no verão de 2023, Hjulmand trouxe com ele o selo de capitão na Serie A e, em Alvalade, rapidamente impôs a sua identidade: equilíbrio no meio-campo, intensidade, posicionamento irrepreensível e uma leitura tática superior. Jogou praticamente tudo — 46 jogos e 3 golos na presente época — e sempre que esteve ausente por lesão, a equipa ressentiu-se.

Ao longo da temporada, jogou com diferentes companheiros no miolo: Morita, João Simões, Alexandre Brito ou até Zeno Debast, adaptado. Mas o elo constante foi sempre ele. Um médio defensivo que não se limita a destruir jogo, mas que também chega à área, como no golo decisivo em Braga, na despedida de Amorim. Hjulmand não é apenas um jogador importante; é um símbolo da nova liderança leonina.

Francisco Trincão: o renascimento de um talento

Durante largos meses, Trincão foi um dos alvos preferidos da crítica. Esperava-se mais do internacional português que regressara a Portugal com créditos firmados. Mas esta época marcou o ponto de viragem. No arranque de 2024, o extremo reencontrou o melhor de si — e o Sporting colheu os frutos.

Com 10 golos e 16 assistências em 53 jogos, Trincão tornou-se uma peça-chave no ataque leonino. Foi mais do que estatísticas: assumiu jogos, quebrou linhas, criou espaços e decidiu partidas. No épico empate 4-4 em Guimarães, foi dele o golo salvador aos 90+5’. Nos grandes jogos, apareceu com classe, como o golo no empate na Luz na 32.ª jornada, importante para manter o Sporting na frente. Mesmo em noites de menor fulgor da equipa, manteve-se sempre comprometido com as tarefas defensivas.

O renascimento de Trincão não passou despercebido em Inglaterra. Clubes como Manchester United, Arsenal, City e Newcastle estão atentos. Mas o Sporting quer segurá-lo, consciente de que o talento está agora acompanhado de maturidade e consistência.

Gonçalo Inácio: o pilar da retaguarda

Nascido e criado no Sporting, Gonçalo Inácio é, aos 23 anos, um dos rostos do projeto leonino. Lançado por Amorim em 2020, foi amadurecendo ao longo das épocas até se tornar num dos esteios da defesa. Este ano, com 41 jogos, 6 golos e 3 assistências, confirmou-se como central de classe europeia.

Inácio é muito mais do que um defesa fiável. Tem golo, visão de jogo e uma capacidade de sair a jogar como poucos. No triunfo por 3-1 frente ao Casa Pia, foi ele quem desbloqueou o resultado com um cabeceamento certeiro. Assume-se como líder silencioso — já ostentou a braçadeira em várias ocasiões — e transmite estabilidade a toda a linha defensiva.

O mercado está atento. O Sporting sabe que, mais cedo ou mais tarde, terá propostas irrecusáveis. Mas até lá, Gonçalo Inácio será sempre sinónimo de segurança, competência e identidade leonina.

Campeões são feitos de golos, sim — mas também de equilíbrio, silêncio, sacrifício e personalidade. Neste Sporting, que caminhou com autoridade para o 21.º título da sua história, há quem tenha brilhado sem procurar luz. Rui Silva com a serenidade dos postes, Hjulmand com a bússola sempre afinada no miolo, Trincão com a arte que reaprendeu a exibir, e Gonçalo Inácio com a solidez de quem já é veterano antes do tempo.

São eles os outros heróis. Os que menos aparecem nas manchetes, mas que todos no balneário reconhecem como indispensáveis. Porque quando se escreve uma história de campeão, não são apenas os protagonistas óbvios que deixam marca. São também aqueles que, mesmo em segundo plano, seguram o enredo para que o desfecho seja de ouro.