A Associação Portuguesa de Seguradores (APS) apresentou hoje na Assembleia da República (AR) uma proposta de escalões para reparação dos danos pela incapacidade permanente parcial no desporto profissional, de modo a afastar o “espetro da inconstitucionalidade” do projeto-lei.
No âmbito da discussão na especialidade do projeto-lei que aprova o regime específico para reparação dos danos provocados por acidentes de trabalho de desportistas profissionais, a APS mostrou-se globalmente favorável, apresentando algumas alterações.
O projeto-lei, apresentando pelo PS e aprovado na generalidade, propõe a possibilidade de revisão da incapacidade, que deve passar a poder ser requerida no prazo de 10 anos desde a data da alta clínica, além do limite mínimo de 5% de incapacidade estabelecido para as indemnizações a desportistas.
Estes tinham sido pontos sensíveis no debate desencadeado no parlamento, pelo grupo de trabalho da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, tendo sido mesmo admitida, anteriormente, a sua inconstitucionalidade, por parte do Sindicato do Jogadores Profissionais de Futebol.
Beatriz Cardoso, coordenadora do grupo de trabalho da APS, disse hoje discordar desta alegada violação dos princípios da igualdade e da justa reparação dos acidentes de trabalho.
“As especificidades do desporto profissional justificam um regime específico de reparação dos acidentes de trabalho, designadamente um estabelecimento de um limite mínimo na reparação nas incapacidades mais reduzidas. Entendemos que não está em causa princípio da igualdade, situações diferentes devem ser tratadas de forma diferente”, salientou.
A responsável adiantou que é “injusto e imoral” reparar pequenas incapacidades, sem impacto na atividade, através da atribuição de elevados montantes.
Ainda assim, e de modo a afastar o “espetro de inconstitucionalidade”, Beatriz Cardoso apresentou um esquema de escalões na reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho do praticante desportivo profissional dos quais resulte uma incapacidade permanente parcial, em que os sinistrados com salários mais baixos, até aos 40 ordenados mínimos (30.400 euros), não tenham qualquer limitação.
Já nos sinistrados com retribuições anuais entre os 30.400 euros e os 152 mil (até 200 ordenados mínimos), apenas se atenderá a incapacidades iguais ou superiores a 5%, uma percentagem que aumenta para 10% quem recebe mais de 152 mil euros por ano (retribuições superiores a 200 ordenados mínimos).
“Pensamos que esta solução permite ultrapassar a problemática, porque a maioria fica dentro do escalão sem limitação. O que é justo é reparar com adequação. Temos visto muitas incapacidades de 2 ou 3% que permitem receber milhões, o que é imoral e até repugnante”, salientou.
Esta ideia de escalonamento já tinha sido apontada por Fernando Gomes, presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), de modo a não prejudicar os jogadores com salários mais baixos.
Já Miguel Guimarães, diretor-geral adjunto da APS, admitiu que os elevados custos dos seguros decorre da “enorme frequência de acidentes, com idade média dos sinistrados baixa e uma enorme disparidade salarial, em alguns clubes elevadíssima”.
“Falam de taxas de 20%. Não sei qual é a taxa média, mas imagino que corresponda à realidade, quando a média do ramo de acidentes de trabalho anda em torno do 1,5%. Por isso, faz sentido tentar reformular este regime, para reconhecer e tratar melhor estas diferenças”, defendeu.
Miguel Guimarães não precisou o impacto que estas alterações venham a ter nos prémios do seguro a pagar, mas referiu que acredita numa redução significativa.
Quanto à revisão da incapacidade, o projeto-lei defende que só pode ser requerida no prazo de 10 anos a contar da data da alta clínica, enquanto nos casos em que do acidente de trabalho não resulte qualquer incapacidade, apenas poderá ter lugar dentro do prazo de três anos.
Beatriz Cardoso concordou com estas limitações e propôs que a revisão possa ser requerida uma vez por ano, mas dentro do prazo dos 10 anos, um período que permite consolidar as lesões.
Duarte Nuno Vieira, professor Catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, esteve presente na sessão e sobre este ponto explicou que uma lesão “não fica silenciosa 20 ou 30 anos”.
“Uma lesão não fica silenciosa 30 anos, tem de haver uma continuidade de sintomas. Se me queixei, tenho um período para avaliar”, disse, frisando ainda que a tabela de incapacidades nacional “até é generosa”, pois permite que qualquer perito se possa desviar, para mais ou menos, desde que fundamente a decisão.
Os deputados Hugo Maravilha (PSD) e Manuel Loff (PCP) voltaram a alertar para a possível inconstitucionalidade do projeto-lei, dadas as discrepâncias face à lei geral, enquanto Francisco César (PS) defendeu que o mínimo de 5% de incapacidade estabelecido para as indemnizações “não tem nenhuma inconstitucionalidade”, pois é tratado “de forma diferente o que é diferente”.
Comentários